As reticências no título acima vão entre parênteses de propósito. Para possibilitar uma dupla possibilidade de leitura. Quem deixar as reticências, vai poder lembrar da velha palavra de ordem do MDB contra a ditadura militar e concluir: “Jamais será vencido”. Quem trocar as reticências pelo ponto final, entenderá o que podemos escrever agora aqui na ordem direta: “PMDB jamais será unido”. Por que o título dúbio? Porque a convenção do PMDB, no sábado aqui em Brasília, dá possibilidade às duas leituras.
Jamais será unido
Comecemos a avaliar a partir da segunda possibilidade, a de que o PMDB nunca estará unido. No que quase já vem se tornando uma rotina, a convenção do sábado outra vez só aconteceu graças a uma liminar na justiça. Não é a primeira vez, nem a segunda, que uma ala peemedebista sente-se prejudicada e tenta impedir judicialmente uma reunião do partido. E não é a primeira vez, nem a segunda, que a reunião só acontece porque a ala vitoriosa recorre também aos tribunais. Escrevi uma vez, ainda quando era o titular da coluna “Nas Entrelinhas” no Correio Braziliense, que o PMDB podia adotar a canção “Siameses”, de João Bosco e Aldir Blanc como a sua melô. A letra da canção diz o seguinte: “Amiga inseparável/Rancores siameses nos unem pelo olhar/Infelizes pra sempre/Em comunhão de males/Obrigação de amar”. Assim são os peemedebistas: eles se odeiam, mas não conseguem viver separados.
Não houve sequer uma eleição desde a redemocratização em que o maior partido do país tenha marchado unido. Na convenção que escolheu Ulysses Guimarães candidato, em 1989, havia mais três outros aspirantes à vaga: Waldir Pires, Álvaro Dias e Íris Rezende. Terminado o primeiro dia de convenção, parecia que o partido ia se esfacelar aos pedaços. Os peemedebistas viraram a noite confabulando, fizeram um acordo e Waldir Pires acabou candidato a vice de Ulysses. Oficialmente, tudo certo, mas na prática, um passou a campanha inteira bicando o outro.
Em 1994, o partido foi de Orestes Quércia, mas a verdade é que a grande maioria do partido já estava embarcada na campanha de Fernando Henrique Cardoso. Na reeleição de Fernando Henrique, a briga foi tanta que o PMDB simplesmente não foi capaz de participar do pleito presidencial: nem lançou candidato nem apoiou oficialmente ninguém. Em 2002, estava na campanha de José Serra (inclusive com a candidata a vice, Rita Camata) mas com um pé firme na canoa de Lula, José Sarney que o diga. Em 2006, estava com Lula, mas havia quem, como Jarbas Vasconcelos em Pernambuco, fazia campanha aberta para Geraldo Alckmin.
Por que, então, o governo faz tanta força para ter o PMDB como parceiro se a prática dos últimos anos demonstra que o partido nunca entrega inteira a sua mercadoria? Primeiro, porque, mesmo pela metade, o que o PMDB eleitoralmente entrega não é pouco. Nenhum outro partido, nem o PT, chega nem perto em termos de capilaridade, de inserção em cada estado, em cada município. Quem consegue a fatia maior do PMDB trabalhando para si, garante gente influente trabalhando para a sua campanha em pontos estratégicos. O segundo ponto importante é o apoio parlamentar. Com essa expertise em navegar com um pé em cada canoa, com a tática que privilegia a eleição de líderes regionais, o PMDB sempre elege bancadas expressivas, se não as maiores na Câmara e no Senado. Quando o presidente Lula quis inventar e formar uma base de sustentação sem ter o apoio institucional do PMDB, quase se embananou completamente: deu no mensalão.
Unido, jamais será vencido
Aí, chegamos à segunda hipótese para o título lá em cima. Se alguém um dia obtiver a integralidade do PMDB como parceiro, será imensamente forte. Uma aliança íntegra entre o PT e o PMDB significa a união dos dois maiores partidos que o Brasil possui atualmente. E o fato é que, na história recente de divisões peemedebistas narrada acima, ninguém chegou mais perto disso do que Lula em seu segundo mandato. E, ainda que pessoalmente o presidente torça o nariz para isso, é preciso reconhecer que esse grau maior de unidade foi obtido com o comando de Michel Temer no partido.
Temer revelou-se um curioso caso de sobrevivência. Ele está na presidência do PMDB desde 2001. Iniciará agora seu quarto mandato no comando do partido. E o mais curioso é que algumas vezes ele conseguiu se manter mesmo sendo minoria. Durante um bom tempo, houve um PMDB do Senado, liderado por Renan Calheiros e José Sarney, e um PMDB da Câmara, que era o de Temer. Não foram poucas as vezes que o PMDB do Senado tentou golpes para tirar Temer da presidência, sem conseguir. Em 2002, parecia que o golpe seria dado. Temer era o artífice do apoio a Serra, e perdera a parada para os aliados de Lula. No primeiro governo, ele foi completamente alijado. Lula o ignorava solenemente.
Mas aí houve o mensalão, o desgaste de Renan e Sarney, e Lula sucumbiu à evidência de que deveria buscar aliar-se com o PMDB institucionalmente. E, se a aliança agora seria institucional, ela teria que se dar a partir do presidente do partido. Foi assim que Temer afinal ascendeu.
E, assim, chegamos ao estágio atual do jogo. Por que Lula resiste em ver Temer como vice de Dilma? Porque sabe que isso dará a Temer ainda mais poder no PMDB. Se ele conseguiu conquistar agora o maior grau de unidade dentro do partido na sua história, imagine-se o que não será capaz de fazer sendo vice-presidente da República. Dilma está longe, muito longe, de ter o mesmo no PT. Na verdade, a maior parte do partido engoliu a sua indicação porque Lula quis assim. Até bem pouco antes de ser governo, Dilma era do PDT. Mais do que qualquer cálculo eleitoral, Lula teme que Dilma e o PT, no próximo governo, acabem jantados pelo PMDB. Que o partido acabe sendo capaz de ter o comando de fato da situação, pelo menos num grau semelhante ao do PFL sobre o PSDB no primeiro governo Fernando Henrique.
Por outro lado, se for Temer mesmo quem garante essa unidade mínima peemedebista, pode ser que Lula e Dilma acabem sem alternativa além de aceitá-lo. Foi essa a demonstração que Temer quis dar na convenção de sábado. O recado poderia ser mais ou menos resumido assim: “Ou me aceita ou eu largo o partido na mão do Requião e da turma dele” (para quem não leu os jornais nos últimos dias: Requião é apresentado como candidato próprio do PMDB pela ala que não quer o partido aliado a Dilma).
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