Paulo Pimenta*
As ações realizadas desde a última semana no Rio de Janeiro, antes de mais nada, fundamentais, são mais um passo de um novo entendimento do Estado de combater o crime organizado nos últimos anos. O resultado dessas políticas inovadoras adotadas, principalmente no Rio de Janeiro, pode ser melhor compreendido a partir da quebra de um paradigma: o rompimento da visão tradicional de que não há como realizar uma política de segurança púbica com inclusão social.
Nesse sentido, o Pronasci oxigenou as relações no combate à criminalidade, com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), por exemplo, que estão possibilitando uma melhor forma de retomada do controle de áreas para o Estado, historicamente dominadas por facções criminosas. As operações em curso que estão reunindo profissionais da Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e integrantes das Forças Armadas põem em debate e deflagram ainda mais a necessidade de avançarmos em direção a um novo modelo de segurança pública para Brasil. Entretanto, no conjunto das políticas públicas, tenho convicção que há três aspectos necessários à supremacia das forças nacionais sobre o crime organizado: a profissionalização das polícias; controle das fronteiras; e a reformulação do sistema carcerário.
Com relação aos episódios no Rio de Janeiro, é preciso ter claro que, paralelo ao crescimento do controle de áreas territoriais por essas organizações criminosas, é cada vez maior o número de localidades sob domínio das milícias, que atuam com uma lógica econômica, disseminando crimes como extorsão e suborno, e com uma linha de conduta baseada em execuções, vinganças, questões de honra e autoritarismo. Não se combate a milícia sem a profissionalização das polícias. Bom exemplo foi o que aconteceu com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, que reduziram sensivelmente os casos de corrupção quando passaram a ter salários adequados, e o mais importante, a ter policiais com dedicação exclusiva.
A profissionalização da polícia passa por várias questões, mas a remuneração é fator indispensável à garantia de que os policiais serão policiais em tempo integral. Hoje, a situação desses profissionais tem relação direta, embora não obrigatória, com a realização de atividades paralelas, como o popular “bico”, em que os policiais atuam em suas horas de folga, normalmente, como seguranças de estabelecimentos comerciais, ou são parte integrante e base de sustentação das milícias. Nesses casos, o ingresso na atividade policial passa a ser, muitas vezes, uma maneira para obtenção da carteira policial, porte e armas, o que facilita o desenvolvimento desses trabalhos “não-oficiais”. O “bico” é a porta de entrada das relações perniciosas que correm nas instituições policiais. Não vamos mudar as polícias sem acabar com o “bico”.
No tocante às fronteiras, até o final da década de 1990 grande parte das drogas, armas e munições que entrava no Brasil era por pequenas aeronaves. A Lei do Abate forçou uma mudança nas rotas, que passaram a ser, prioritariamente, terrestres. Dentre os países do Mercosul, certamente o Paraguai é o que merece mais atenção por parte das autoridades brasileiras, já que é a rota principal de entrada do contrabando, descaminho, das drogas, armas e munições em nosso país.
Em especial às armas e munições, a legislação permissiva dos países vizinhos é fator que agrava e dificulta uma política de controle desses trajetos de distribuição por onde passam os armamentos que chegam às regiões centrais brasileiras. A harmonização de uma legislação no âmbito da América do Sul, no que diz respeito à fabricação, comercialização, importação, exportação e transporte de armas e munições é imperiosa para ações de cooperação internacional eficientes. Torna-se prioridade para as instituições de caráter diplomático do governo brasileiro e também no ambiente do Parlamento do Mercosul que o Brasil priorize esse debate.
Por fim, a falência do sistema carcerário retroalimenta esse ciclo, pois mesmo quadriplicando a população carcerária, em pouco mais de 10 anos no Brasil, temos uma sociedade cada vez mais exposta. O sistema não ressocializa, tem índice de reincidência de cerca de 70%, e o que é mais incompreensível, tem custo médio de R$ 1,4 mil por preso no país, segundo dados oficiais. Portanto, não é demais afirmar que “quanto mais gente presa, mais insegura a sociedade brasileira estará”, já que esses presos saem do sistema e, em regra geral, retornam após cometerem crimes mais graves que os da primeira condenação.
Não existe uma medida a ser adotada, bem como não existe uma única instituição a ser responsabilizada. Inaugurar novo paradigma passa pela compreensão e um desafio de todos, e para enfrentá-lo devemos construir políticas públicas integradas, permanentes e que ofereçam à população brasileira a perspectiva concreta de um cenário de paz e segurança, desejo de todos.
*Deputado federal (PT-RS), relator da CPI do Tráfico de Armas (2006) e da CPI da Violência Urbana (2009-2010)
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