Márcia Denser*
Coluna passada falei dos melhores na ficção brasileira, e não só deste ano (e o exemplar da revista Bravo que acabo de receber, 100 Livros Essenciais da Literatura Mundial, confirma a tendência no sentido de ampliar as listas de final de ano, colocando lado a lado o canônico e o contemporâneo). Nesta, ao contrário, serei extremamente específica: falarei dos melhores ensaios políticos brasileiros publicados este ano, posto que de interesse imediato do nosso site. E este foi um grande ano para eles! De saída, ressalto três lançamentos da editora Boitempo de Sampa, ela própria Prêmio Jabuti em 2007:
Extinção, do filósofo Paulo Arantes, obra imprescindível para se entender em profundidade porque aos rumos da política mundial correspondem os descaminhos da política local. Seu elemento axial é o que relaciona o “novo capitalismo” com a “sociedade pós-catastrófica” da atualidade. Trata-se duma crítica radical, sem subterfúgios e sem concessões do mundo em que vivemos – a “cruel máquina capitalista de moer” em estado de sítio permanente. Segundo Laymert Garcia dos Santos, que assina o prefácio, Arantes “se insurge não contra as idéias dominantes, mas contra a própria ausência de pensamento que contamina nossos contemporâneos e suscita tanto a generalização da cretinice e do oportunismo em matéria de política, quanto o embotamento da percepção”. “A idéia é chamar a atenção para a provável falência da elite intelectual, que parece jogar a toalha ao desistir, a um só tempo, do Brasil e da reflexão sobre o processo histórico em curso. É a extinção da inteligência dos inteligentes, ou melhor, do ajuste intelectual tucano-petista, que se esmera em tornar tolerável o intolerável.”
A era da indeterminaçãoé uma coletânea de ensaios assinada pelo sociólogo Chico de Oliveira, o Homem do Ornitorrinco (1). Para ele, no tempo em que éramos subdesenvolvidos, a prova de que a transformação social era possível acabou sendo oferecida pela escolha dos dominantes de uma posição subalterna, porém sob o escudo do imperialismo. Se a porta se fechou foi porque estava aberta também em outra direção, na do socialismo. O posterior ajuste intelectual – com FHC e banqueiros-intelectuais à frente – simplesmente fez a mesmíssima “opção”, mas com uma tremenda “consciência”, aquela a pontificar que “fora da globalização não havia salvação”. Preferimos o subcapitalismo dum país-favela atravessado pelo tumulto de um gigantesco proletariado informal. Que é sistêmico em todos os países periféricos e periferias dos centrais, caminhando velozmente para a periferização ou brasilianização do mundo inteiro, algo como a extensão planetária da nossa fratura. Afinal, o Brasil não era o país do futuro? O sonho do passado é o pesadelo presente.
Poder global, do cientista político José Luís Fiori, reúne cinqüenta artigos sobre geopolítica, escritos entre 2001 e 2006. Com erudição e isenção (duas qualidades que não costumam andar juntas e muito menos reunidas na mesma pessoa) e uma ausência absoluta de ilusões (sejam quais forem), Fiori desvenda os mecanismos que, interna e externamente, longe e perto, determinam o funcionamento do “sistema mundial moderno” desde o século 16 até nossos dias, um universo movido pela competição e pelas lutas entre estados e economias, que é obrigado a se expandir eternamente para não entrar em colapso.
A mídia on-line do jornalismo político também se fez representar em livro: O que esperar do novo Congresso, organizado pelo editor Sylvio Costa e Antônio Augusto de Queiroz, literalmente examina, inventaria e mapeia perfil e agenda da legislatura 2007/2011, fornecendo dados objetivos e exaustivos para que possamos julgar com consistência e segurança. É serviço prestado não só ao eleitor/leitor, mas, sobretudo, aos jornalistas de todo o país – incluindo os estudantes da área, uma ferramenta segura mediante a qual silenciam, enfiando devidamente a viola no saco, os achismos & impressionismos & informes publicitários travestidos de notícia, envolvendo a política e os políticos do Planalto. Sua pauta de assuntos inclui composição e funcionamento do Congresso Nacional, processo legislativo – como se fazem as leis, um Balanço da Legislatura 2003/2007 (ou seja, o que virou lei e o que saiu de cena), a Legislatura 2007/2010 com suas características, desafios, déficits, composição e correlação de forças e, finalmente, um Who’s Who dos parlamentares, com perfis e ficha técnica de cada um deles. Enfim, aquela abaixada de arquivo fundamental para a moçada do ramo.
E por derradeiro é preciso assinalar o lançamento nas bancas da publicação on-line de Le Monde Diplomatique, cumprindo papel fundamental: oferecer ao grande público uma extensíssima pauta de assuntos abordados em profundidade até então unicamente acessíveis a pesquisadores (refiro-me a alunos de pós-graduação, com orientação de leitura, aliás, uma esmagadora minoria) e em livro.
É isso aí, um bom ano a todos e boas leituras!
(1) Crítica à razão dualista/O ornitorrinco, Prêmio Jabuti de 2004. S.Paulo, Boitempo, 2003.
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