Cláudio Versiani, de Nova York* Farofa não tem, mas o frango não falta. Mate gelado não existe, espetinho de camarão, nem pensar. McDonald’s, Burger King, pizza e cachorro quente estão do outro lado do calçadão e fazem o maior sucesso. Termômetro passando dos 90 graus Farenheit, noves fora, dá uns 34 graus centígrados. Manhattan é uma ilha – nem sempre é fácil de se lembrar –, o mar está logo ali, na Estátua da Liberdade. É o mesmo Oceano Atlântico, o nosso oceano. O cenário é Coney Island, que não é ilha, mas uma península no bairro do Brooklyn. O lugar foi badalado nos séculos 19 e 20. Nos anos 50 ganhou o status de freak (esquisito, incomum). Já foi a praia chique da cidade. Hoje é do povão. Publicidade
Carro é um luxo para poucos em Manhattan. A condução básica é o metrô. Uma hora sacolejando no trem até chegar à praia dos esquisitos. No metrô, espécimes de todos os tipos: banhistas, surfistas, turistas e trabalhadores voltando pra casa. Esses aproveitam para tirar uma soneca, depois de uma noite de trabalho, já que esta é a cidade que nunca dorme. Publicidade
A fotógrafa Diane Arbus, uma das grandes da fotografia norte-americana, fez dos personagens da península um de seus assuntos principais. Ela é conhecida por suas fotos de gente estranha. Além da praia, Coney Island abriga um grande parque de diversões com as mesmas atrações de sempre. A montanha-russa Cyclone, que tem a sua estrutura em madeira, é um dos ícones do parque há 80 anos. Dá pra arriscar? Os verdadeiros russos também estão em Coney Island ou em Brighton Beach, a praia dos imigrantes da ex-União Soviética. O comércio local gira em torno dos russos, os letreiros e os cartazes das lojas estão em cirílico, o alfabeto deles. É um outro pais, só não se precisa de passaporte. PublicidadeMas como o lugar é freak, atrações bizarras não faltam. Engolidor de cobra, o homem mais tatuado do mundo, etc. são algumas das bizarrices. O mais extravagante é um estande com um alvo humano. Chama-se atire no freak. Um careca com pinta de veterano da Guerra do Vietnã é o dono do pedaço. Com um microfone, convida os possíveis clientes. Num terreno com vários alvos imóveis (cabeças de manequim) e um alvo móvel, é possível mandar bala no freak. Um negro paramentado com roupas de proteção para a prática de paintball que fica fazendo caretas e correndo de um lado para outro, tentando escapar dos tiros. Nada mais degradante. Cinco tiros por US$ 3. E o careca anuncia no alto-falante, “não é violento, é terapia, shoot the freak”. Coney Island e Brighton Beach convivem hoje com a especulação imobiliária. Prédios de luxo ameaçam dividir o espaço com os “Projects”, apartamentos subsidiados pelo governo para as pessoas de baixa renda, a versão americana dos conjuntos habitacionais do falecido Banco Nacional da Habitação (BNH). A grande atração é mesmo a praia, principalmente nos dias em que o termômetro passa dos 90 graus e a umidade faz lembrar Manaus. Há que se aproveitar a temporada, as praias abrem na primavera e fecham no outono. Tem horário para se entrar na água, geralmente das 10h às 18h. Fora desse horário é proibido nadar. Assim como é proibido fazer outras coisas, beber álcool é uma delas. Em Coney Island, a polícia tentou fazer valer a lei no verão de 2003. Geladeiras térmicas, de quem insistia em matar a sede com umas louras geladas, foram confiscadas e multas aplicadas aos respectivos donos. A polêmica foi grande e a reação, forte. No Central Park, as pessoas fazem piqueniques e bebem ostensivamente vinho e champagne. Se no Central Park pode, por que não em Coney Island? Qual a diferença entre o povão da praia e a classe média do parque? Hoje se bebe, nem sempre discretamente, na praia de Coney Island. Como se vê, aqui também existe um jeitinho americano. Há lei que pega e lei que não pega. Os vendedores ambulantes agradecem. Já em Long Beach, que é uma outra praia da cidade, o mesmo não acontece. Ali, a lei pegou pra valer. E com polícia não tem papo. Long Beach é diferente, não tem farofa nem frango. A freqüência é outra. Também está a uma hora de Manhattan, o trem custa US$ 11, ida e volta, é muito mais confortável e tem menos paradas. A segunda é em Jamaica, que, infelizmente, é só um bairro de Queens. Para se ter acesso à praia, são necessários mais US$ 7, o preço de seis cervejas no supermercado. As crianças não podem usar bóias porque os pais relaxam e se esquecem de vigiar os pequenos. Os salva-vidas apitam o tempo todo para os mais afoitos que se aventuram mar adentro. Tem polícia pra todo lado, tanto em Long Beach quanto em Coney Island, assim como em qualquer lugar de New York. A praia fica lotada e os banhistas gostam de nadar de roupa, freak! Também gostam de ouvir som na maior altura. É uma competição pra ver quem incomoda mais o outro. O som pode ser salsa, merengue ou hip-hop. Latinos e afro-americanos predominam em Coney Island. Espanhol é a língua do tumulto. Vamos a la playa! São muitas tribos e subtribos. A convivência é democrática e o espaço, livre e disputado. Na verdade, é um seja o que Deus quiser e salve-se quem puder. Vale quase tudo, só não vale deixar a polícia saber. É uma bagunça organizada. Mas tanta preocupação e regras se justificam. A temporada deste ano já soma cinco mortes por afogamento. A mais recente aconteceu sexta-feira em Long Beach. Um garoto chinês de 15 anos desafiou as regras, entrou no mar perto de umas pedras, exatamente onde as correntes de água são mais traiçoeiras. De repente, um grito, alguém deu o alarme, o garoto sumiu. A praia parou para ver a operação de guerra em que se transformou a tentativa de resgate. Quatro helicópteros, quatro barcos, alguns botes infláveis e muitos salva-vidas participaram das buscas, além de muitos voluntários. Solidariedade é um sentimento nova-iorquino. Infelizmente, só o encontraram 45 minutos depois do alarme. Ainda foi levado com vida para o hospital, mas não resistiu. Foi muito triste, o astral baixou. A praia ficou vazia depois do incidente. Morar em NY tem suas vantagens. Definitivamente, praia não é uma delas. Ou pelo menos essas praias. Mais ao norte estão as praias dos ricos, a mais famosa é Hamptons. Mas as boas praias estão mais ao sul. Muito mais ao sul. Dá saudade das praias do Brasil. Pode ser no Nordeste ou pode ser no Sudeste, qualquer uma. Búzios está bom. Só não pode ter arrastão nem horário pra nadar e muito menos ter que pagar para entrar. E pode ter camarão frito e uma cerveja bem gelada, que ninguém é de ferro. Se tiver umas borbulhas, melhor ainda. |
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