Rudolfo Lago *
Do Dicionário de Ornitologia Política do Dr. Rudolfo Lago: tucano (Murus avis) – curiosa ave de bico longo, parente dos peixes ensaboados. Pela pouca capacidade de posicionamento político firme, é muito lenta na reação aos fatos. Ultimamente, os exemplares desse animal pararam de concordar quanto aos rumos que devem seguir, o que transforma o vôo do tucano em algo errático e pouco objetivo.
Sete de Setembro. Os militares desfilam com as suas armas nas avenidas do país. Mas quem resolve armar e apontar o seu canhão é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Numa longa carta dirigida à militância do PSDB, ele bateu duro no PT e no presidente Lula, mas principalmente no próprio PSDB. Fernando Henrique dá a eleição praticamente por perdida, e diz que isso acontece porque os tucanos não foram capazes nem de canalizar nem de catalisar a indignação da população com as denúncias que se seguiram aos borbotões contra o governo, o presidente e seu partido desde o escândalo do mensalão.
Primeiro, não foram capazes de demonstrar a imensa diferença que existe entre comprar o apoio de deputados com o mensalão e fazer caixa dois. Segundo, demoraram a dizer que, embora não seja a mesma coisa, caixa dois também é crime. No primeiro caso, permitiram ao governo igualar o que fizeram ao delito menor, que os outros partidos também faziam e nivelar todo mundo por baixo. No segundo caso, vacilaram na punição do senador Eduardo Azeredo, que inaugurou o valerioduto na sua campanha para governador de Minas Gerais. E, assim, ajudaram que se consolidasse na cabeça do eleitor a idéia de que tudo é igual mesmo.
O que Fernando Henrique propõe agora é que o partido recupere o tempo perdido. Talvez não mais para vencer as eleições. Essas, parece, já estão perdidas. Mas para definir o posicionamento do PSDB no segundo governo, como ponta-de-lança da oposição a Lula. Para, daí, de fato se colocar como alternativa em 2010.
É aí, porém, que a carta de Fernando Henrique provoca um curto-circuito nos planos de outros tucanos. Menos pela forma como expõe Azeredo. Mais porque a idéia de o PSDB radicalizado na oposição atrapalha os planos do governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Aécio trabalha entre os tucanos pela idéia da tal "concertação" que o ministro da Articulação Política, Tarso Genro, propõe.
O cenário que ele imagina é o de um segundo governo fragilizado, com uma base política no Congresso menor ainda do que esta do mensalão. A partir da construção de um ambiente no qual governo e oposição, mesmo guardando suas diferenças, possam sentar para votar juntos mudanças necessárias para o país, como a reforma política, Aécio imagina poder surgir como o grande construtor desse entendimento (até porque Lula jamais permitiu que surgisse no PT alguém sequer perto de despontar como seu sucessor natural), algo semelhante ao que foi seu avô, Tancredo Neves, no processo de transição da ditadura para a democracia.
Como não existe nada mais parecido com um petista da Articulação (a ala que hoje impera no partido) do que um tucano, o problema que inquieta as entranhas do PSDB é semelhante ao que aflige os bastidores do PT: o poder da sua ala paulista, que sufoca outras pretensões. Na verdade, a carta de Fernando Henrique parece representar uma meia-trava no caminho solto que Aécio vinha construindo para ser o nome tucano em 2010.
PublicidadeÉ uma demonstração de que o próprio Fernando Henrique sente-se no páreo. E que a turma paulista sabe que a entrada de Aécio no meio desloca o eixo de poder no ninho tucano. Na verdade, fora de São Paulo, sempre pareceu mais fácil um entendimento entre o PSDB e o PT, muitas vezes preconizado até pelo próprio Lula. Os dois partidos se afastaram porque, em São Paulo, eles sempre disputaram o mesmo voto da classe média esclarecida contra a turma que votava em Paulo Maluf.
O final dessa história pode até acabar sendo a saída de Aécio do PSDB. Os caciques do PMDB já falam que a exacerbação dessa briga entre tucanos e petistas leva à chance de uma terceira via em 2010. Já havia quem pensasse assim no PMDB agora. O problema era a falta de um candidato com reais chances de vitória que aglutinasse o partido. Poderá estar em Minas a solução para essa questão daqui a quatro anos.
* Jornalista há 20 anos, Rudolfo Lago, Prêmio Esso de Reportagem em 2000, foi repórter político de algumas das principais redações de Brasília. Hoje, é editor especial da revista IstoÉ e produz o site http://www.rudolfolago.com.br/.