Márcia Denser*
“Brasil e Estados Unidos têm dimensões continentais e se tornaram independentes com uma diferença de apenas 46 anos (1822 e 1776). Existe uma explicação para terem tido destinos tão diferentes?”
Respondendo a essa questão feita por um jornalista em 2005, o cientista político e professor José Luís Fiori, cuja obra Poder Global continuo a abordar, assinala que, quando se discute a excepcionalidade do capitalismo norte-americano, em geral não se dá a devida importância a dois fatos fundamentais:
1) Os Estados Unidos foram o único país que surgiu, fora da Europa, de um poder imperial vitorioso, o Império Britânico, ao contrário dos demais que vieram de impérios decadentes ou em declínio, a exemplo dos Estados latino-americanos no século 19, e dos Estados africanos e asiáticos formados no século 20; 2) Os Estados Unidos foram colônia do primeiro império capitalista da história e conquistaram a independência sem perder sua posição dentro do território econômico britânico, onde estava em curso a Primeira Revolução Industrial, no momento em que a Inglaterra assumia a liderança do movimento de globalização da economia capitalista.
Esses dois aspectos não são casuais e se consolidaram exatamente no tempo e contexto geopolítico que separam a independência dos Estados Unidos e a brasileira.
Entre 1763 e 1848, uma Europa em guerra e em crise (França, Espanha, Holanda e a própria Inglaterra), isto é, pouco atenta e sem tempo para preocupar-se com “colônias distantes”, permitiu aos Estados Unidos a consolidação de seus territórios, inclusive com a assinatura de tratados vantajosos.
Desde 1823, a chamada “doutrina Monroe” se transformou, na prática, numa cortina de fumaça ideológica que encobriu a verdadeira tutela exercida pela Inglaterra sobre toda a América Latina, incluindo o Brasil, que recentemente havia conquistado sua independência, já sob a proteção da doutrina anglo-americana.
PublicidadeEm síntese, quando eclodiu a Guerra da Secessão, em 1863, os Estados Unidos já tinham completado a conquista de seu território continental, se associado aos ingleses no controle de todo o continente americano, dando passos extremamente importantes no tabuleiro geopolítico, incluindo o comércio com as colônias inglesas no Oriente.
Paralelamente, nessa mesma época, sem nenhum projeto de expansão de poder territorial ou de domínio econômico supranacional, o Brasil estava em guerra com… o Paraguai. Me poupem.
Mas este é apenas um dos tantos ensaios capitais do livro de Fiori; contudo, sempre é tempo de se tomar consciência das coisas duma perspectiva, digamos, ampla, optando-se aqui por um adjetivo bem piedoso.
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