Nesses anos todos em que o Brasil se acostumou a ser o país da impunidade, o cidadão brasileiro adotou um método de fazer justiça com as próprias mãos. Se os poderosos, os engravatados, não eram condenados nunca, nunca iam para a cadeia, então a saída que para muitos restava era tentar impor-lhes uma punição moral. Vaiar no avião, no restaurante, xingar quando possível. Enfim, enxovalhar de alguma forma o criminoso impune.
O julgamento do mensalão pode ser o marco mais visível de um momento em que os poderosos deixam de escapar da punição. É bom lembrar que antes do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o primeiro político condenado no julgamento da Ação Penal 470, seis políticos já haviam sido condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já é o momento de soltar foguetes e festejar o fim da impunidade no país? Infelizmente, ainda não. A justiça brasileira é extremamente lenta. Permite dezenas de recursos e embargos que impedem a condenação final. Assim, nenhum deles ainda foi para a cadeia. Um deles, Natan Donadon (PMDB-RO), está condenado a nada menos que 13 anos de prisão e segue comparecendo aos salões verdes da Câmara, envergando seu broche de deputado.
Parênteses importantes: nenhum desses políticos anteriores a João Paulo pertencia ao PT ou a partidos de esquerda, o que enfraquece ainda mais esse argumento discurseiro de que somente agora, por razões políticas, quando um partido de esquerda chega ao poder, é que políticos foram condenados. Condenados, esses todos foram. Fora da cadeia, esses todos ainda estão.
Mas o momento, com todas essas condenações já definidas, pode presumir o início de um tempo em que as instituições começam a funcionar. Em que amadurece o estado democrático de direito. Nesse caso, podemos, então, esperar que aqueles que cometem crimes serão punidos. E, sem a necessidade de fazer justiça com as próprias mãos, é bom lembrar: entre as condenações impostas pelo STF, não está a execração pública.
É porque é tão chocante quanto a construção de um discurso de contestação e de indignação à decisão do STF a atitude de quem se diverte com o destino dos condenados. Se a impunidade é sinal de uma sociedade doente, deficiente, incompleta, é igualmente sinal de uma sociedade doente, selvagem, brincar com a desgraça alheia.
É assustador que alguém ache engraçado entregar ao ex-presidente do PT José Genoino um pacote de cigarros para ele fumar na cadeia. Se isso é piada, então dou graças a Deus por não ter senso de humor. Se a conclusão final da justiça é de que Genoino cometeu crimes e merece ser condenado, isso é o resultado de um processo que ao longo dos anos reuniu instituições como o Congresso Nacional (na CPI dos Correios), a Polícia Federal, o Ministério Público e, finalmente, o Supremo Tribunal Federal. Todas instituições em que o governo do PT tinha maioria ou, mais do que isso, que estavam sob a sua subordinação. O que torna patético o argumento de que seja uma mera condenação política orquestrada por adversários.
Mas Genoino é um ser humano. É casado. Tem filhos. Seus amigos e parentes têm todo o direito de estarem tristes e preocupados com o seu destino. De chorar por ele. E não há espírito democrático nenhum no mundo que os obrigue a considerar normal, fruto da liberdade de expressão, que alguém que se julga humorista possa lhe abordar para lhe dar de presente um pacote de cigarros para fumar na cadeia.
PublicidadeÉ mais do que evidente que a reação ocorrida no dia do segundo turno, quando militantes, por causa disso, começaram a bater em jornalistas, não se justifica. O infeliz que se julga humorista não é jornalista. No que dependesse de mim, não seria considerado nunca como tal. E foram vítimas da confusão os que estavam ali para trabalhar, e não para cometer grosserias a título de piada.
O mensalão não é engraçado. É triste. É fruto da imensa distorção do nosso sistema político. Por conta dele, o PT adotou um esquema de desvio de dinheiro que já tinha sido usado antes pelo PSDB. Esquema parecido foi descoberto com relação ao DEM. Trata-se de uma tragédia. Não dá para rir dela. Eu quero confiar que a condenação imposta a Genoino e aos demais no julgamento do mensalão repita-se com todos os responsáveis pelos demais esquemas de corrupção que serão julgados no futuro. O dia para se rir, comemorar e fazer piada não será jamais aquele em que os culpados foram para a cadeia. Será aquele em que ninguém mais for para a cadeia por desvio de dinheiro público.
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