Marcos Magalhães*
O vento frio e constante à beira do agitado estuário do Rio da Prata desmoraliza os relógios digitais espalhados pela cidade, que insistem em informar comportados 10 graus centígrados. As águas barrentas e revoltas desse outono inquieto inibem o passeio pela orla. Os vidros bem fechados dos automóveis protegem as únicas testemunhas do entardecer. Início de maio em Montevidéu. Tempo de uruguaios que olham bem para dentro antes de decidir o que vão fazer lá fora.
Delegações de parlamentares de toda a América do Sul visitaram a capital do Uruguai para colocar de pé o que há menos de 20 anos seria um sonho distante: um parlamento regional. Um local de debates e de aproximação de representantes de populações que por muito tempo preferiram olhar para outras direções. Início de uma integração política inspirada no modelo europeu.
O Parlamento do Mercosul agora já existe. Tem representantes de cinco países e presidente eleito. E já saiu em busca de uma agenda política para os seus primeiros meses de funcionamento. Tudo é muito novo, uma experiência que só a prática continuada vai dizer se poderá ou não alcançar sucesso. Se malograr, abrirá espaço aos céticos de plantão – em todos os países do bloco – para que reiterem como tinham razão ao criticar a opção pelo Mercosul. Se der certo, abrirá uma inédita possibilidade de participação popular no processo de integração.
Os primeiros dias de debates mostraram que, se no discurso ainda existe um grande desejo de aproximação, na prática novas e antigas armadilhas podem vir a ameaçar passos mais corajosos. A começar pelo vento frio que insiste em manter bem isolados os dois lados do encrespado Rio da Prata. Uruguai e Argentina mantêm a sua disputa particular, nascida da resistência de Buenos Aires à instalação de duas fábricas de celulose às margens do rio que os une e separa. Em nome da preservação do meio ambiente, ativistas poluíram o relacionamento bilateral com o bloqueio de estradas e o virtual fechamento de fronteiras.
Como tudo isso será solucionado, só o tempo vai dizer. Mas a reação argentina a empreendimentos que poderiam ajudar a reerguer a economia de seu vizinho platino acabou alimentando, no Uruguai, o sentimento de frustração com o processo de integração. Nas ruas de Montevidéu, escolhida para ser a capital do Mercosul, tem sido difícil encontrar opiniões muito otimistas sobre o futuro do bloco.
A pergunta que sai da boca de muitos uruguaios é simples: de que adianta pertencer a um bloco que não garante o crescimento de nossas exportações e de nossa economia? Outras perguntas derivadas da primeira andaram agitando o debate político ao longo dos últimos meses. Como a de por que não se pode assinar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, a exemplo do que fizeram países como o Chile e o Peru. Ou a de por que se deve pedir permissão ao Brasil para buscar novos sócios.
PublicidadePerguntas como essas deverão se repetir nos debates do novo parlamento. Ainda não se sabe ao certo onde esses debates vão acontecer. Pode ser que inicialmente ocorram na própria sede do Congresso uruguaio, ou nos salões da prefeitura de Montevidéu. Fala-se que os deputados do Mercosul poderão, no futuro, ocupar uma antiga estação ferroviária desativada, perto do porto. Seria até simbólico. Algo como abrir necessários canais de discussão política ao mesmo tempo em que se tenta colocar o subcontinente mais uma vez em movimento
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