Ronaldo Brasiliense * |
Foi necessária a divulgação de um desmatamento na floresta amazônica superior a 26 mil quilômetros quadrados, que chocou o mundo, para que o governo Lula saísse a campo e anunciasse, de forma espetacular, a prisão de mais de 90 pessoas envolvidas em maracutaias que resultaram na destruição da maior floresta tropical do planeta. Entre os presos, há gente filiada ao PT e dirigentes do próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que contribuíram com dinheiro para a campanha do candidato petista à prefeitura de Cuiabá. O ambientalista Roberto Smeraldi, diretor do Programa Amazônia da organização não-governamental Amigos da Terra, foi quem melhor resumiu como agem os governos que se revezam no Palácio do Planalto em relação à região amazônica. “Foi preciso Chico Mendes ser morto para termos o programa Nossa Natureza e as reservas extrativistas. Precisou do desmatamento recorde em 1994 e do incêndio de Roraima para o governo FHC segurar e reforçar o Código Florestal. Foi só depois da morte da irmã Dorothy Stang que conseguimos a lei de concessões florestais. Agora, precisou de outro desmatamento recorde para se prender parte da máfia verde. Na Amazônia, é assim. Precisa sempre de um prejuízo sério para se conseguir o que deveria ser rotina". Leia também Publicidade
Mantida a atual tendência de desmatamento na floresta amazônica, o presidente Lula poderá inscrever seu nome na história do país não como o torneiro-mecânico que chegou ao Palácio do Planalto e erradicou a fome no Brasil, ou promoveu o até hoje esperado “espetáculo do crescimento”, mas sim como o governante recordista em devastação na maior floresta tropical do planeta. Publicidade
Essa é uma possibilidade bastante plausível, alerta outro ambientalista de peso, Márcio Santilli, diretor do Instituto Socioambiental (ISA). Pelos seus cálculos, os últimos três índices anuais divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicaram uma curva ascendente de desmatamento, da ordem de 6% ao ano, a partir do patamar escandaloso de 23 mil km2/ano registrado entre agosto de 2002 e julho de 2003. Os índices de desmatamento na Amazônia, anualmente divulgados pelo Inpe, são obtidos na interpretação de fotos do satélite norte-americano Landsat feitas durante o chamado “verão amazônico”, de junho a novembro, em que há menor ocorrência de nuvens. Sabe-se, porém, que, historicamente, o desmatamento costuma ser mais intenso no primeiro semestre – até agosto –, quando se prepara a abertura de áreas que serão ocupadas a cada ano. PublicidadeEntão, não há dúvidas de que os 24,6 mil km2 de florestas desmatados entre agosto de 2002 e julho de 2003 ocorreram já na plenitude do mandato do presidente Lula. Mesmo que se debite ao primeiro semestre de 2003 apenas a metade dessa extensão – e a se confirmar a estimativa dos 26,1 mil km2 para os 12 meses seguintes – projeta-se um desmatamento médio anual superior a 25 mil km2 para o primeiro ano e meio de mandato presidencial cobertos por levantamentos do Inpe. O pico histórico do desmatamento na Amazônia ocorreu entre agosto de 1994 e julho de 1995, em plena euforia do Plano Real, lançado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Foram mais de 29 mil km2 desmatados. A média de desmatamento na Amazônia durante o primeiro mandato de FHC chegou a 19,4 km2/ano, já bem acima da média dos anos 1990 e um pouco acima dos primeiros dados colhidos pelo Inpe ainda nos anos 1980. A média anual do segundo mandato de FHC atingiu 19,2 mil km2/ano, mas terminou descrevendo uma tendência de crescimento expressiva entre 2001 e 2002 (de 18,1 mil para 23,2 mil km2). Os recentes números de desmatamentos na Amazônia divulgados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mostram que o governo Lula terá que promover uma revolução para evitar o vexame de ser recordista histórico em desmatamentos. Para que isso ocorra, como observou Marcio Santilli, terá que assegurar uma redução expressiva no ritmo do desmatamento de modo a transformar a média projetada de 25 mil km2/ano para algo inferior aos 20 mil km2/ano. Algo difícil de ocorrer com o avanço da soja no norte de Mato Grosso e o projetado asfaltamento da BR-163, a Santarém-Cuiabá, com mais de 900 km sobre a floresta, principalmente em território paraense. Isso se, até lá, o presidente Lula não for tragado pelas ondas da tsunami provocada pelas denúncias do “mensalão” pago pelo PT a deputados da base aliada ao governo. * Ronaldo Brasiliense, jornalista paraense, foi chefe da sucursal da Veja na Amazônia, repórter especial do Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo e IstoÉ e colunista do Correio Braziliense. Ganhou o Prêmio Esso em 1998 e 2003. |
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