Marcos Magalhães*
As páginas amareladas denunciam o longo tempo de esquecimento nas estantes das bibliotecas. Mas o anteprojeto de Constituição entregue há 20 anos ao então presidente José Sarney ainda pode trazer uma contribuição ao novo debate do antigo tema da reforma política. O texto propõe mandatos presidenciais de seis anos, sem direito à reeleição, a criação de um conselho de ministros e a implantação do voto distrital misto para a escolha dos integrantes da Câmara dos Deputados.
Elaborado por uma comissão de notáveis, idealizada pelo então presidente eleito Tancredo Neves, o anteprojeto seria a base para a discussão de uma nova Constituição. Acabou sendo deixado de lado, porém, por um debate que acabou contagiado pelo clima político do momento. Quando se discutiu o tamanho do mandato presidencial, por exemplo, pensava-se mais no tempo que Sarney permaneceria no Palácio do Planalto do que no período necessário para que os seus sucessores pudessem fazer um bom trabalho.
Agora ninguém está discutindo o tamanho do mandato do presidente eleito em 2006. Será de quatro anos e ponto. O que está em jogo é o período de governo dos futuros presidentes, que serão escolhidos a partir de 2010. Em sua permanente guerra particular, até mesmo petistas e tucanos concordam com a necessidade de se rever o sistema de reeleição com mandatos de quatro anos. Tem gente que fala em cinco anos, tem gente que fala em seis. Mas ninguém deve ficar muito triste se a tão aguardada reforma política enterrar a experiência da reeleição.
Em defesa do mandato de cinco anos existe sempre o exemplo de Juscelino Kubitschek. Foi o tempo de que ele precisou para asfaltar estradas, estimular a industrialização do país e construir Brasília, além de lançar um slogan que entrou para a história: 50 anos em cinco. É sempre bom lembrar, porém, que JK foi mais uma exceção do que uma regra.
Os seis anos parecem um período longo. Mas podem garantir o espaço necessário a um governo que realmente tenha começo, meio e fim. Com tempo suficiente para se dedicar aos temas administrativos antes da próxima eleição. No caso do anteprojeto, com uma particularidade: o presidente da República exerceria as funções de chefe de Estado e contaria com uma espécie de primeiro-ministro – o presidente do Conselho de Ministros – para exercer a função de chefe de governo.
Entre as atribuições do presidente estariam as de nomear e exonerar o primeiro-ministro, apreciar os planos de governo, aprovar a proposta de orçamento, sancionar e vetar leis e cuidar da política externa. Além de dissolver a Câmara de Deputados e convocar novas eleições, em casos de impasse político. Ao primeiro-ministro ficariam reservadas as tarefas do dia-a-dia do governo, além de prestar contas periodicamente de seu trabalho ao Congresso Nacional.
PublicidadeMetade da Câmara dos Deputados, ainda segundo o anteprojeto, seria eleita pelo critério majoritário. Ou seja, pelo sistema distrital. A outra metade seria preenchida por meio de listas partidárias. Assim, se tentaria ao mesmo tempo aproximar o deputado dos seus eleitores e fortalecer os partidos políticos. Para completar o quadro, governadores e prefeitos também seriam eleitos para mandatos de seis anos.
O sistema não é perfeito, como nenhum outro seria. Mas merece ter uma nova chance de influenciar o debate sobre o tipo de democracia que se pretende construir no país. Acaba com o mecanismo de reeleição no exercício do cargo, tão criticado agora quanto na recondução do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Ao mesmo tempo, garante maior tempo para a execução de um projeto de governo e permite a renovação da política, com mandatos de seis anos. E projeta uma Câmara dos Deputados menos marcada por grandes projetos políticos pessoais.
2007 poderá ser um bom momento para se retomar a discussão sobre todos esses temas. Quando o novo governo começar, o anteprojeto dos notáveis completará 21 anos. Tempo longo, mas talvez necessário mesmo para o amadurecimento do debate.
Deixe um comentário