Uma das coisas mais fascinantes do mundo da internet é a possibilidade de estreitar os laços entre quem produz e quem consome a notícia. A web fez com que esses campos deixassem de ser estanques. O leitor vira autor. Ele opina, ele sugere, ele pauta, ele critica, ele ataca. E tira o jornalista da postura olímpica e arrogante que tinha antes. Não dá mais para ele se esconder diante do erro. Fica obrigado a se render se não tem razão. A relação passa a ser outra. O jornalista, por uma série de circunstâncias, ainda tem e continuará tendo uma espécie de procuração não formal para ter acesso a lugares e informações às quais a maior parte das pessoas não consegue chegar, e reproduzir o que sabe e o que viu de forma pública. Mas precisa saber que, em muitos momentos, seus leitores também terão a informação. E vão questioná-lo. E vão contestá-lo. É o mundo novo. Que faz com que o jornalista aja como já agiam outros prestadores de serviço, para quem há muito “quem manda é o cliente”. Então, vocês mandam. Na medida do possível, eu obedeço.
Próximos que já estamos do momento do lançamento de fato das candidaturas às eleições de outubro, minha intenção inicial era escrever sobre isso. O fim da chamada pré-campanha e o início da briga de cachorro grande: a campanha de fato, com os candidatos fora das suas funções de ministro ou governador, livres unicamente para pedir votos. Ficará para depois, no entanto, traçar essas estratégias de cada um. Hoje, vou usar o espaço para atender a um pedido de um leitor, apresentado como comentário à coluna anterior.
Ao ler sobre a importância que o comando da campanha de Dilma Rousseff dá à necessidade de reproduzir nos palaques nos estados o amplo leque de apoio que tem o governo do presidente Luíz Inácio Lula da Silva, o leitor Paes Landim me pediu que comentasse em que medida o componente ético entraria nessas composições. No caso, citávamos um exemplo: como a coisa se encaminhava no Distrito Federal após a vitória de Agnelo Queiroz na prévia do PT. A partir de Agnelo, há uma tendência de que o PT consiga construir uma ampla aliança com os demais aliados, reservando as vagas de senador na chapa para Cristovam Buarque, do PDT, e Rodrigo Rollemberg, do PSB. Para Dilma, é importante porque ela garante um palanque unificado a seu favor. Do contrário, o acirramento da disputa, com o PT separado dos demais partidos, faria com que a atenção maior dos dois palanques fosse a eleição no Distrito Federal, e não a disputa nacional.
Paes Landim me perguntou: “Poderíamos falar de aliança ética ou a relatividade e a conveniência são os absolutos desse tema?” Espero que esse Paes Landim não seja o deputado federal do Piauí. Nada pessoal contra ele, mas, caso o leitor seja o deputado, é bastante provável que acabe se valendo da mesma lógica que vamos criticar adiante.
O escândalo do mensalão do Arruda foi um terremoto de imensas proporções na vida política de Brasília. Eliminou da disputa de outubro o franco favorito. Pulverizou Arruda, Paulo Octávio, o DEM. Deixou completamente baratinados os deputados distritais e seus esquemas. Ensejou mesmo um pedido do Ministério Público de intervenção no Distrito Federal. Imprimiu, enfim, nos gramados da cidade um recado claro: o mensalão de Brasília expôs o submundo dos esquemas de financiamento político e de manutenção do poder; para sair inteiramente da crise em que se meteu, Brasília precisaria se reinventar politicamente, passar por um processo total de assepsia. O recado foi claro. Mas, infelizmente, os atores políticos de Brasília não o entenderam. Não é por outra razão que o procurador geral da República, Roberto Gurgel, não tem alternativa senão continuar empunhando a bandeira da intervenção.
A partir da crise e do desmonte da estrutura de poder mantida por Arruda, as forças políticas de Brasília deveriam ter pautado a formação de suas alianças por um viés ético, como sugeriu Paes Landim em seu comentário. Que se buscasse, entre as opções, um nome sem as máculas enxergadas em Arruda, que pudesse propor um novo pacto político na cidade.
A discussão em Brasília ainda não acabou. A discussão sobre se haverá ou não a chapa única em torno de Agnelo continua. Mas, Paes Landim, parece claro que essa alternativa, se for a vencedora, como parece, não se pautou pela ética. Pautou-se, sim, pelo cálculo político e pelo pragmatismo. Qual parece ser, na ponta do lápis, o caminho mais seguro, menos arriscado, que leva cada um dos personagens envolvidos à vitória nas urnas em outubro.
Tudo começou na própria prévia. Foi de dentro do próprio PT que saíram as denúncias que atingiram Agnelo. Apesar da origem, denúncias que não devem ser ignoradas. E que não deveriam chegar a outubro sem as devidas explicações. Se nada disso tem sido componente importante na discussão que os partidos estão tendo agora com o PT, é sinal de que é por outras razões, que não as éticas, que as conversas vêm se pautando.
É esse mesmo cálculo pragmático que torna o PMDB o aliado preferencial do PT na eleição de Dilma. E que tornava o PFL o aliado de Fernando Henrique Cardoso no seu governo (na época, um partido forte, bem diferente do que virou o DEM agora). Um tipo de situação que o ex-ministro Sergio Motta definiu com perfeição na época de Fernando Henrique: o que se discutia com esses aliados nos gabinetes refrigerados não dava para se discutir “pelado, numa sauna”. O recado de Brasília é extremamente importante. Um governador popular e poderoso está preso. Isso é ótimo. Mas quem devia ter entendido a mensagem fingiu não ler o recado. A vida, assim, prosseguirá. Pelo menos, até o próximo escândalo.
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