Márcia Denser*
Impossível ficar indiferente ao que está ocorrendo nas universidades estaduais paulistas – Unesp, Unicamp desde março e agora a USP – em reação às medidas do governo Serra. Em artigo à Caros Amigos (novembro de 2005), Paulo Arantes já havia sacado o retorno da linha dura na direita em geral e no tucanato paulista em particular (e por tucanato paulista leia-se grupo praticante do marxismo de classe-dominante, adorno crítico das elites, etc.[1]), endurecimento que inclusive ela mesma saúda como se fosse sua maior virtude (e colateralmente talvez esteja certa), cujo primeiro indicador foi o ato falho de um cacique da velha direita boçal, referindo-se à esquerda como uma “raça” da qual o país se veria livre por uma geração.
Ele apurava que os civilizados tucanos paulistas estavam arregaçando as mangas: “Para não chover no molhado, deixo de lado o governador (ex-governador Alckmin, por onde andaria? Mais sumido que chapéu velho!), cruzado da Opus Dei, inspirador de milícias à norte-americana, multiplicador da população carcerária, etc. Muito mais alarmante me parece o new look do prefeito da capital (ex-prefeito Serra e atual governador): foi-se a máscara desenvolvimentista, o jogo de cena com os rivais da ortodoxia econômica, para dar lugar à linha dura orçamentária, ao higienismo antipobres e antivelhos, às terceirizações galopantes.”
Politicamente a oposição passa por uma crise sem precedentes, uma “oposição conservadora e golpista” na precisa definição de Paulo Henrique Amorim, que, aliás, nem é “oposição”, porquanto “situação” há mais de quatro séculos, parte da qual recentemente se renomeou “democrática” como partido mesmo constituído exemplarmente por banqueiros, rentistas, proprietários de terras, os chamados “demos”, cujo sonho dourado segundo Gilson Caroni, da Carta Maior, seria uma democracia sem povo: “Maias e Netos estão indóceis. São os guris do patrimonialismo, do circo do atraso, das CPIs tão duvidosas quanto espetaculares. Os parceiros das redações já imaginam manchetes e suítes. Empregos garantidos por um bom tempo ainda renovam o ânimo e refinam o estilo. O circo Brasil já começa a ser diagramado. O problema é o espaço publicitário.”
Ricardo Musse, professor do departamento de sociologia da FFLCH-USP faz uma boa análise do embate entre o governo de São Paulo e os estudantes, funcionários e professores da USP, associando a crise na universidade à da oposição [2] : “A crise da USP é um bom observatório dessa situação. O governador Serra iniciou seu mandato com uma série de decretos que colocam ‘sob júdice’ a "autonomia" das universidades estaduais paulistas. Como se sabe, mas não se costuma dizer, a "autonomia" das três universidades nunca foi além de um “sim senhor” dos reitores ao governador de plantão, o que se comprova pelas idas e vindas, ditos e desditos deles depois da ocupação da reitoria da USP. Uma vez que nunca houve autonomia política, a percepção geral foi de que Serra mirava a autonomia administrativa, acadêmica e financeira. Como os reitores, subservientes como sempre, não se posicionam
satisfatoriamente; como as associações dos docentes estão ofuscadas por uma pauta "equivocada", que não vai além do mantra "mais verbas para a educação", os alunos resolveram agir em defesa de sua universidade.”
Tudo não teria passado de mais um ato isolado do movimento estudantil se a reitora, obediente a ordens superiores, não tivesse obtido um mandato de reintegração de posse e ameaçado chamar a tropa de choque. O apoio à ocupação espalhou-se como ondas entre estudantes, professores, na sociedade e, pasme-se, até mesmo na imprensa.
Musse ainda observa que o governador José Serra, o mais credenciado candidato à sucessão de Lula, cai novamente na armadilha e aceita ser colocado como herdeiro das forças políticas que prepararam e apoiaram o golpe militar de 1964. Mas o mais engraçado dessa situação é o contraste da pauta de notícias e manchetes dos jornais: no mesmo instante em que Lula usa sua polícia para prender empreiteiros e políticos corruptos, a polícia de Serra entra em prontidão para atacar os estudantes da USP – aqueles que conseguiram, por mérito, vencer a disputa do vestibular mais concorrido do país.
PublicidadeDonde se conclui que o ódio da direita não se refere apenas ao pobre, ao negro, à mulher, ao homossexual, ao índio, ao velho, até porque a nossa direita – tão criativa! e que adjetivo tão pós-moderno! – já está providenciando a inclusão (olha só, quem falou que eles só excluem?) de novas categorias tais como “Universitários da USP”. Ou “Moradores próximos à linha 4 do Metrô Pinheiros-Vila Madalena”. Ou “Todos os rappers presentes, passados e futuros”. Quem lembra mais? Sugestões a esta coluna.
[1] Duns tempos para cá, sinto ódio de ser paulistana, condição que passa por um processo de “desidentificação”. Safa!
[2] Publicado no blog Entrelinhas Mídia e Política, 21/5/2007.
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