Claudia Spessatto*
O governo do primeiro-ministro do Canadá, Paul Martin, foi derrubado pela Câmara dos Comuns com um voto de não-confiança na última semana de novembro. A crise política que o atingiu é bastante similar à que vem ocorrendo no Brasil e envolve corrupção, políticos, superfaturamento, empresas públicas, agências de publicidade e caixa dois.
Como um dos ministros de finanças mais bem sucedidos do Canadá, Martin foi eleito em 2003 com uma plataforma moderna do Partido Liberal. Nos discursos de campanha, prometeu cuidar da saúde, que deveria ter sido a prioridade número um do seu governo.
Escândalo do patrocínio
A exemplo do que aqui acontece, no Canadá foi descoberto um esquema que beneficiava contratos de agências de marketing com empresas públicas para alimentar o caixa dois de campanhas eleitorais. Já no início do seu governo, Martin foi atingido indiretamente pelas investigações da Justiça Federal do Canadá sobre as denúncias de corrupção feitas pelo publicitário Jean Brault, da GroupAction, que fez relatos sobre o funcionamento dos esquemas de contratos de agências publicitárias com o governo para alimentar o caixa dois das campanhas políticas. Como aqui no Brasil, as agências de lá fecham acordos com empresas públicas em troca de contratos e devolvem parte do pagamento para o partido envolvido.
Autoridade moral
Apesar de ter sido inocentado pelo relatório da Justiça Federal, que investigou os contratos viciados, o primeiro-ministro do Canadá não resistiu à pressão popular, que o considerou sem autoridade moral para liderar a nação. A alegação final e conclusiva é que Martin foi considerado omisso frente à origem dos fundos que mantiveram a sua campanha e à legalidade dos contratos de licitação do seu governo.
Aqui na Terra do Futuro, no entanto, o nosso presidente segue firme ao encontro do próximo pleito eleitoral. As pesquisas o mantêm intocável e colocam-no como forte candidato à Presidência da República.
PublicidadeA diferença é o povo
A corrupção na política é um problema generalizado que atinge a grande maioria dos governos. Aqui não é diferente e a classe política usa de subterfúgios ilegais, desde a fundação da República, para obter fundos que sustentem a subida ao poder.
A diferença está na aceitação silenciosa da população brasileira, que tem memória curta e volta a eleger políticos corruptos e envolvidos em maracutaias. No Canadá, o primeiro-ministro não tem mais autoridade moral. No Brasil, o presidente se pavoneia como único representante petista capaz de conservar o Partido dos Trabalhadores no poder. Segundo declarações recentes, Lula considera-se imprescindível no PT e acredita que sem ele a legenda não se sustentará nas próximas eleições.
O discurso ilusório
O populismo do presidente Lula é o que o mantém intocável. Quando Lula sobe num palanque, ele toca o coração dos mais desavisados. Em seus discursos, Lula fala de trabalhador para trabalhador e de povo para povo. O poder de oratória do nosso presidente vem da sua descendência humilde. Ele é grande conhecedor dos augúrios que atingem a classe pobre brasileira e fala, em seus discursos, diretamente ao cidadão que deverá conduzi-lo ao poder novamente.
Ter o conhecimento exato dos problemas da classe pobre, no entanto, não vem motivando o governo Lula a praticar uma política reparatória. Tirando alguns poucos programas governamentais, o ensino segue sem apoio, a saúde segue a míngua e o crescimento econômico do país, que abriria novos postos de trabalho, deixa muito a desejar.
Por que não caiu
Qual é a grande diferença que sustenta o presidente Lula no Planalto e que provocou o impedimento sumário de Collor? Acordos políticos, reeleição e a figura do vice-presidente, que assumiria o cargo até o próximo pleito. O presidente Collor, a exemplo do atual, confiou excessivamente no seu apoio popular. Collor foi para a briga acreditando que não sofreria impedimento por que contava com grande popularidade junto ao povo brasileiro. Lula também conta com tal apoio. Collor atacava os marajás, Lula é o povo.
Collor, no entanto, confiou exclusivamente na sua popularidade para se manter na presidência. Lula foi mais esperto e firmou acordos, que o mantém firme no cargo. Parece que a oposição ao governo Lula confiou que a crise política se encarregaria de derrubar qualquer possibilidade de reeleição. O tiro vem saindo pela culatra já que, segundo pesquisas eleitorais, Lula tem grandes chances de se reeleger.
O que sustenta o Presidente no cargo atualmente une vários fatores construídos erroneamente. O instituto da reeleição, trazido pela oposição, volta-se desta vez e morde o pé de quem não quer ver José Alencar no poder. A possibilidade de o vice assumir, baixar os juros, promover o crescimento econômico esperado e ser reeleito, assusta até os mais descompromissados.
A oposição deve estar matutando sobre se fez um bom negócio quando decidiu apoiar a blindagem do presidente. Os motivos para um impedimento presidencial já foram contabilizados, mas a sucessão ainda não foi bem aceita. Alencar ainda atemoriza e a classe mandatária brasileira não consegue se decidir entre correr o risco de ter um Lula no Palácio novamente ou precisar engolir um Alencar desgovernado.
O poder é o povo
Nas próximas eleições todas estas questões serão respondidas. A população irá às urnas e elegerá, não só o seu presidente, mas também dirá, subjacentemente, se concorda com a prática de caixa dois, com a compra de votos e com contratos governamentais escusos.
Teremos, em nosso rol de escolha, que escolher entre o velho poder e a nova forma de praticar a má política. Não se apresentou, infelizmente ainda, um candidato que prometa trabalhar pelo Brasil e que, depois de eleito, cumpra fielmente as promessas eleitoreiras. Mas isto também não é um problema
exclusivamente brasileiro, em todo o mundo políticos prometem o que querem e o povo soberano os faz cumprir, ou elege a desfaçatez e o populismo. Assim caminha a humanidade, vagarosamente, voltando e avançando, a procura de meios mais justos e equânimes de exercer a política.
* Claudia Spessatto, natural de Uruguaiana (RS), é jornalista e artista plástica. Atua profissionalmente em Brasília, no Congresso Nacional, desde 1982.
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