Sou quase capaz de apostar um almoço com os meus leitores que o Congresso Nacional não irá aprovar nenhum dos projetos de reforma política que foram recentemente enviados pelo Palácio do Planalto: o financiamento público das campanhas eleitorais e a lista fechada nas eleições proporcionais.
Assim como as tentativas fracassadas anteriores, a atual peca tanto pelo caráter polêmico das propostas apresentadas, como também por um “timing” inapropriado. Do ponto de vista da opinião pública, a reforma política parece ter sido colocada na agenda somente para desviar as atenções dos escândalos que assolaram o Congresso.
Já manifestei nesse espaço a minha oposição à cogitada adoção do financiamento público das campanhas eleitorais. Temo sinceramente que ele afastaria ainda mais os políticos eleitos dos cidadãos comuns – um dos principais males de que já padece o nosso sistema político. Será que é tão difícil perceber que o financiamento privado das campanhas é um dos mecanismos mais eficazes de “accountability” democrático?
Em compensação, não tenho maiores objeções doutrinárias ao sistema de lista fechada nas eleições proporcionais (deputados e vereadores). O mecanismo já é adotado com sucesso em várias democracias, e é bastante útil para estimular a identificação dos eleitores com os partidos políticos – algo que já vem crescendo espontaneamente no Brasil ao longo do tempo.
Mas preciso confessar que – caso fosse um congressista – eu votaria contra essa proposta específica de lista fechada elaborada pelo governo e defendida pelos líderes dos grandes partidos. No formato em que foi originalmente apresentado, o projeto incentiva ainda mais o indesejável afastamento entre representantes e representados.
Um dos requisitos para que o sistema de lista fechada faça sentido para os eleitores é que ele seja implantado em distritos relativamente pequenos. Nas democracias européias que o adotam, cada distrito eleitoral elege no máximo 5 ou 6 deputados. Assim, cada partido ordena em sua lista apenas um punhado de candidatos – todos de boa visibilidade para o eleitor. No Brasil, os distritos eleitorais (que são os próprios estados da federação) elegem, em média, 19 deputados. Em São Paulo, por exemplo, cada partido teria que ordenar 70 nomes em sua lista de candidatos. Nem mesmo os eleitores mais politizados poderiam se considerar esclarecidos sobre as características da sua lista partidária preferida nessas circunstâncias.
O segundo problema da proposta de lista fechada que está sendo discutida no Congresso é que ela também não oferece aos eleitores qualquer salvaguarda de que poderão interferir no ordenamento dos candidatos em cada lista. As convenções partidárias destinadas a escolher os candidatos a deputado ou a vereador costumam ser totalmente controladas pelas cúpulas partidárias – e fechadas até mesmo para os filiados do partidos. Por que não introduzir por aqui algo parecido com as eleições primárias norte-americanas? A possibilidade de que os eleitores comuns tivessem direito a voto nas convenções para a escolha dos candidatos democratizaria os critérios de ordenamento das listas partidárias.
Ao fim e ao cabo, acredito que essas duas propostas de reforma política acabarão sendo engavetadas pelos parlamentares – mas provavelmente não pelos motivos que expus acima. O instinto de sobrevivência dos deputados falará mais alto. A rigor, nenhum deles sabe se continuará sendo eleito sob a vigência das novas regras. Portanto, é mais racional manter o “status quo”.
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