Márcia Denser*
Com esta provocação, encerrou-se a VI Bienal Internacional de Livros de Pernambuco da qual participei de vários eventos incluindo a palestra “Literatura & Política”. Sem nada a fazer no vôo de ida (que levou “séculos” só pra decolar) mandei bala num texto que reproduzo aqui – aliás, um bom exemplo desses escritos quando se está encurralado, sem outra opção além de escrevê-lo e pronto e chega.
Literatura para quê? Pra começar, para não enlouquecer, não perder o sentido duma vida que atualmente anda cada vez mais sem sentido. Porque nesse caso não é só a literatura, são todas as artes que, despojadas de valores simbólicos, de qualquer dignidade (naquele sentido kantiano), valendo unicamente pela sua cotação de mercado, também deixam de ter propósito, finalidade, objetivo, porque se a Bruna Surfistinha pode ser considerada tão escritora quanto Clarice ou Lygia Fagundes ou Hilda Hist ou eu mesma, então é melhor quebrar o lápis e parar.
Quer dizer, a menos que você se identifique ideologicamente com Ivete Sangalo ou Hebe Camargo e esteja cansado de não entender absolutamente nada do que realmente está se passando no mundo. Não é possível que TUDO esteja errado, afinal não existem pessoas notáveis tais como políticos, empresários, gestores do caralho a quatro, banqueiros, médicos, advogados, professores pensando por você? Trabalhando por você? Planejando seu futuro, cuidando do seu bem-estar na face da terra, porque quanto ao céu sempre se pode contar com Edir Macedo, padre Marcelo Rossi ou a bispa Sônia? Hem?
Afinal, o objetivo do ser humano não é ser feliz? Quer dizer, individualmente, e os outros que se lixem?
Mas aí a literatura vai mal porque literatura não tem nada a ver com felicidade, nem com saldo bancário, nem com Ilhas Cayman, nem ticket com Disneylândia, nem com pneus radiais, nem com Renan, nem com Mônica Veloso, mesmo porque literatura não tem nada a ver com esquecimento, nem conteiners, nem lixo, nem reciclagem, nem obsolescência, nem bobagens, nem irrelevâncias, nem clodovis, nem coisas de somenos – que andam de somais – embora tudo isso possa fazer parte da literatura. Também. Como assunto. Num certo nível. Percebem?
Literatura que defino como a empresa de conquista verbal da realidade.
Pois, ao contrário das outras artes que colocam objetos no mundo – como quadros, esculturas, filmes, catedrais –, a literatura vai se apropriando pouco a pouco de todas as coisas – e nomear não é apreender.
PublicidadeEsta é uma guerra, senhores, estamos nela para ganhar, conquistar mais e mais consciência – tomá-la à força se preciso, violentamente, porque isso ninguém nos dá de presente, porquanto é preciso apropriar-se, através da literatura, da realidade, como Prometeu, roubando o fogo dos céus, posto que o objetivo é promover a ampliação do campo da consciência.
Acender a luz.
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