Marcos Magalhães*
Parece uma daquelas coincidências interessantes. Um dia depois de o jornal Correio Braziliense publicar na primeira página uma charge que mostrava um ansioso Luiz Inácio ao lado do telefone, o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, finalmente ligou para o presidente Lula e estabeleceu um primeiro contato com seu colega brasileiro. Isso depois de já haver conversado por telefone com chefes de Estado e de governo de 15 outros países, entre os quais Egito, Coréia do Sul e Polônia.
Durante cerca de 15 minutos, os dois trocaram impressões sobre a crise financeira mundial e estabeleceram a primeira ponte política. Obama elogiou a política econômica brasileira e ressaltou sua disposição em levar adiante a cooperação bilateral na área de biocombustíveis. Lula, por sua vez, convidou o presidente eleito a visitar o Brasil – o que, segundo Obama, ocorrerá na “primeira oportunidade” que aparecer.
Se tudo der certo, os dois presidentes poderão no mínimo repetir o bom relacionamento que tiveram até hoje Lula e o atual presidente George W. Bush. Quem diria que Lula e Bush, com histórias política e de vida tão diferentes, iriam se dar tão bem? Quem diria que a durona Condoleezza Rice, principal assessora de Bush para a área externa, aproveitaria a boa maré na relação bilateral para passear na Bahia? Pois é, agora Lula terá pela frente um político diferente, dono de uma história de conquistas até semelhante. Obama, primeiro presidente negro. Lula, primeiro presidente operário.
Lula já foi até chamado de “Obama do Brasil” pelo jornal norte-americano Christian Science Monitor. E este líder de esquerda que veio das camadas mais pobres da sociedade brasileira, disse o jornal em editorial, teria “uma ou duas coisas a ensinar a Obama”. Entre elas, talvez o que o Monitor chama de “soluções práticas” que agradam tanto aos investidores globais como à maioria da sociedade brasileira.
Como vai fluir essa nova química, esse contato pessoal entre Lula e Obama, só o tempo vai dizer. Tem tudo para dar certo. Mas nem sempre as boas previsões se confirmam. De certa forma, porém, a longa espera de Lula tem duas histórias a contar. A primeira é a do isolamento da América do Sul. Lula foi o primeiro líder sul-americano a receber um telefonema do presidente eleito dos Estados Unidos, que já havia distribuído chamadas para diversos outros países. Na América Latina, só o presidente mexicano Felipe Calderón havia sido lembrado antes. A outra história é a da iniciativa norte-americana de fortalecer a liderança brasileira na América do Sul, especialmente em contraposição ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Em uma de suas primeiras declarações sobre países sul-americanos, Obama deixou claro que trabalhará no sentido de reduzir a dependência de seu país em relação ao petróleo comprado de produtores como a Venezuela. Bush e Chávez nunca tiveram nada em comum, mas o atual presidente norte-americano nunca havia anunciado publicamente uma proposta como a de Obama.
PublicidadeAo isolar Chávez e se aproximar de Lula, Obama de certa forma sinaliza a manutenção, em seu governo, do bom relacionamento existente até hoje entre Lula e Bush. O pragmatismo brasileiro – apesar da retórica muitas vezes semelhante à de Chávez, como assinala o Christian Science Monitor – parece ter conquistado Washington.
Antes, no Brasil, se mediam as chances de uma boa relação bilateral pelo grau de protecionismo do presidente eleito dos Estados Unidos. Os republicanos, nessa ótica, sempre saiam na frente por serem teoricamente mais ligados ao livre comércio. Mas acabavam mantendo medidas quase sempre tão protecionistas quanto as de seus adversários democratas. A agenda se ampliou. Agora existem muitos outros temas em jogo – do futuro da energia à segurança mundial. E os dois presidentes ainda terão muito que conversar.
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