O noticiário dos últimos dias aponta um caminho para as eleições presidenciais que será, no mínimo, divertido e curioso de se acompanhar. Pelo que se viu, vai ganhar a eleição aquele que conseguir administrar melhor seu casamento. Hoje, PSDB e DEM farão uma festa de confraternização na qual celebrarão as suas bodas. Se exagerarem na bebida, periga virar uma peça de Nelson Rodrigues: um jurando amores à cunhada, o outro passando uma cantada inoportuna na vizinha. Pelo menos, nesta altura do campeonato, os dois ainda podem arriscar uma festinha juntos. Porque, por agora, não se aconselha convidar para a mesma mesa o presidente Lula a e o presidente do PMDB, principal parceiro de Dilma em 2010, Michel Temer.
Comecemos pela briga mais feia. A frase de Lula sobre o PMDB, sugerindo que o aliado que ele mesmo escolheu para sua candidata, Dilma Rousseff, não tem o direito de impor quem será o vice, foi um ato falho que revela o verdadeiro sentimento que Lula sempre teve com relação aos peemedebistas. Lula sempre morreu de medo de ficar refém do PMDB. Se ele ainda acha que o Congresso tem 300 picaretas, pode ter certeza de que ele inclui boa parte deles no partido que pertenceu a Ulysses Guimarães. Esse medo da tutela peemedebista está, inclusive, na raiz da criação do mensalão. Vamos à história.
Logo depois das eleições de 2002, ainda na montagem do novo governo, o então futuro ministro da Casa Civil, José Dirceu, pregava que Lula deveria formar um governo de coalizão com o PMDB. Os demais partidos, acreditava ele, adeririam por gravidade. Parceiro formal do PMDB, pensava Dirceu, Lula teria a tranquilidade necessária para governar. A aliança chegou a ser anunciada. Na hora H, Lula refugou. Deixou o PMDB de fora. Sem garantir uma maioria formal, trabalhou a formação de alianças eventuais, pegando partes de partido. No caso do PMDB, essa tática deixava de fora Michel Temer, que, no comando do partido, fora derrotado na sua estratégia de apoiar José Serra, e elegia como parceiros José Sarney e Renan Calheiros. Para atrair parceiros eventuais, fora das alianças formais, montou-se o mensalão. Deu no que deu.
Com o governo esfrangalhado após o mensalão, Lula tirou Dirceu, mas acabou encampando a sua tese inicial. Chamou o PMDB formalmente para a base. Renan e Sarney perderam a importância que tinham como aliados preferenciais – até por conta dos rolos em que se meteram. E Temer, que passou o primeiro governo alijado, tornou-se o interlocutor de fato e de direito com o governo. Lula quer o PMDB. É sua a tese de tê-lo como o aliado de Dilma. Mas, lá no íntimo, certamente ele continua pensando o mesmo de Michel Temer: alguém que preferia ter visto José Serra no lugar dele no comando do país, e que aderiu mais tarde apenas por conveniência. Precisar dele, Lula precisa. Mas com o cabresto curto: exercendo um controle permanente.
No caso da oposição, a incompatibilidade de gênios começa dentro do próprio PSDB. José Serra e Aécio Neves nunca morreram de amores um pelo outro. A briga remonta especialmente ao processo de eleição de Aécio Neves como presidente da Câmara em 2001. Serra, já candidato à Presidência da República, queria que o PSDB apoiasse a eleição para a Câmara de Inocêncio de Oliveira, então no PFL, já como um gesto de aproximação com os pefelistas com vistas à eleição. Na época, convenceu o então presidente Fernando Henrique Cardoso do mesmo. Aécio correu por fora, fechou uma aliança com o PMDB e tornou-se presidente da Câmara. Começou a se consolidar aí uma impressão recíproca de que um sempre atrapalha o outro.
A briga entre os dois extrapola para o DEM. Explicitou-se há algumas semanas uma divergência entre o presidente do Democratas, Rodrigo Maia, e seu antecessor no comando do partido, o ex-senador Jorge Bornhausen. Rodrigo defendendo apoio a Aécio, Bornhausen a Serra. As feridas dessa disputa no DEM ainda não cicatrizaram completamente. E é preciso de novo puxar um pouquinho o fio da história. Em 2002, parte do PFL atribuiu a Serra a ação da Polícia Federal que detonou o comitê de campanha de Roseana Sarney, achando uma bolada de dinheiro de caixa dois. Roseana acabou tendo de desistir da candidatura e ela e seu pai apoiaram Lula. Hoje, Roseana não está mais no DEM, mas a sequela e as desconfianças de Serra ficaram. Até porque muita gente – Bornhausen, inclusive – desconfiou que estava sendo grampeada pela PF a mando de Serra. Da parte do PSDB, começa a crescer a ideia de deixar o DEM fora da chapa, se o partido se enrolar mais com a história do mensalão do Arruda no Distrito Federal.
Enfim, o fato é que, em nenhum dos dois principais casamentos propostos para outubro de 2010, os noivos amam de verdade seus parceiros. Vamos ver quem vai conseguir se aturar. Pelo menos, até que as urnas os separem.
Os leitores e a ética
O artigo da semana passada acabou gerando um debate interessante entre os leitores. Eu, ainda novato nessas ondas da internet, adorei acompanhar. A maior parte, como Chacal, Melo e Sidney, se mostrou bastante cética sobre a hipótese, por mim colocada, de que ainda haverá espaço para a discussão da ética na política nas eleições do ano que vem, um tema que sempre pautou nossas discussões eleitorais. Quero dizer a eles que a minha primeira sensação também era de ceticismo. Foi meu amigo, o cientista político José Luciano Dias, quem me convenceu do contrário. De qualquer modo, fica a provocação: fazer valer ou não essa discussão só depende de cada um de nós.
O Eduardo sugeriu como caminho que o Congresso em Foco reproduzisse as listas de políticos com processos de corrupção para orientar o leitor na hora da votação. Não se preocupe, Eduardo. O Congresso em Foco é pioneiro na publicação dessas listas, e vai manter essa tradição.
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