Lúcio Lambranho *
“Este país não aguenta um morto mais”. A frase dita por Sergio Ramírez, ex-vice-presidente da Nicarágua, dá uma dimensão humana ainda pouco explorada pela mídia sobre o agravamento da crise de Honduras desde que o Brasil recebeu o presidente deposto Manuel Zelaya na nossa embaixada em Tegucigalpa.
Na entrevista que concedeu ao Congresso em Foco, em uma das reportagens da série Nicarágua 30 anos, Ramírez fala do seu país. A Nicarágua, porém, teve em Honduras o vizinho que serviu de base para os “contra”, grupo paramilitar financiado pelos Estados Unidos que combateu os sandinistas logo após a derrubada da ditadura de Anastácio Somoza, em 19 de julho de 1979.
Desde então as feridas do conflito estão abertas nos dois países. Só em 1998 se negociou o cessar-fogo entre a cúpula dos contra e os revolucionários sandinistas. A intromissão norte-americana também prosseguiu depois que a Nicarágua celebrou suas primeiras eleições democráticas em mais de 50 anos.
Seja apoiando os contra, seja fornecendo ajuda econômica aos partidos políticos de oposição aos sandinistas, os Estados Unidos tiveram papel fundamental na vitória de Violeta Chamorro contra a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), em 1990.
O Tribunal Internacional de Haya condenou a atuação dos Estados Unidos no conflito e determinou que os danos causados pela guerra civil deveriam ser indenizados pelo governo norte-americano.
A indenização a pagar deveria ser de US$ 17 bilhões. Os Estados Unidos desconsideraram a decisão, e, em 1990, Violeta Chamorro resolveu perdoar a dívida, sob a justificativa de que o mais importante seria restabelecer a paz no país.
Naquele mesmo ano, foi descoberto o escândalo Irã-Contra, depois que a Câmara dos EUA proibiu o uso de recursos públicos para fomentar os contra. A população nicaraguense sofria sérios racionamentos de produtos básicos e de petróleo. A energia elétrica era racionada devido às sabotagens dos contra nas torres de alta tensão.
Foram mais de 45 mil mortos em quase dez anos de guerra, na qual civis dos dois países foram as maiores vítimas.
O que a diplomacia brasileira talvez ignore quando dá permissão para que Zelaya atue politicamente dentro da embaixada, o que é totalmente contra as regras de conduta que se exigem internacionalmente de refugiados políticos, é a violência que um novo conflito armado pode causar, mais uma vez, na região.
Por isso, a estratégia brasileira está no olho do furação da política externa internacional. É preciso saber se esse risco foi calculado quando o presidente Lula decidiu mediar o conflito dessa forma mais efetiva.
Politicamente e nas relações econômicas, a região está sob forte influência do governo venezuelano de Hugo Chávez.
Será que o Brasil aceitou Zelaya apenas para tentar diminuir essa ligação e estabelecer um laço mais efetivo com Nicarágua, Honduras e demais países da América Central?
É a vaga no Conselho de Segurança da ONU que seduz o governo a bancar essa empreitada cercada de riscos?
São perguntas ainda sem respostas e, neste momento, o Congresso brasileiro deve exigir que os esclarecimentos do Itamaraty logo apareçam nas comissões que tratam do tema, tanto no Senado quanto na Câmara.
Se hondurenhos e nicaraguenses estão fartos de tantas mortes no passado recente, o que dirá o cidadão brasileiro que desde o fim da guerra do Paraguai, em 1870, nunca mais precisou pensar sobre o envolvimento do país em conflitos armados nas Américas? Devemos botar as barbas de molho, assim como os nossos deputados e senadores, que precisam exigir explicações mais objetivas da diplomacia brasileira neste momento.
* Lúcio Lambranho é repórter especial do Congresso em Foco e esteve em Honduras logo após o golpe de estado em julho deste ano. Leia aqui todas as reportagens produzidas sobre o tema pelo Congresso em Foco.
Deixe um comentário