Voltando à organização da minha primeira obra de não ficção, Politicamente incorreta – que aliás está dando um trabalho do capeta e eu estou adorando (um pouco de Sacher-Masoch é inevitável, meu bem), e como eu já disse, será um livro bastante indexado, uma vez que os temas são muitos. No momento, estou preparando a parte que chamei GENTE, uma das mais complexas até porque nem todos são politicamente incorretos, nem políticos nem corretos ou incorretos. Porque “politicamente incorreta” é a minha abordagem, meu estilo, minha maneira de vê-los, compreendê-los e passar essa visão adiante.
Até agora, incluí 18 nomes: Paulo Francis, Chico Buarque, Truman Capote, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Ignácio de Loyola Brandão, Vargas Llosa, Caio F., Jorge Amado, Antonio Cândido, Antonio Carlos Jobim, Carlos Drummond, Gore Vidal, Marcelo Mirisola, Ítalo Moriconi, Luís Fernando Veríssimo, Fausto Woolf, Noam Chomsky.
Nesta coluna, vou pinçar alguns deles & seus melhores momentos (em publicidade, isso se chama “teasers”, as chamadas para leitura que, em geral, se bota na quarta contracapa, mas dane-se!). Ia esquecendo: a seleção acima ainda pode mudar – aumentar ou diminuir – conforme a edição. E o tesão. Outra coisa: vou manter os títulos originais.
Algumas coisas que eu sei sobre Paulo Francis
“Então, numa manhã de julho de 1983, li no Diário da Corte, FSP: “Li uma escritora brasileira que sabe escrever. Se chama Márcia Denser. Tem um cuidado com a palavra que sempre imaginei morto aí, onde nossos escritores ou contam histórias ou propõem teses para nos salvar do capitalismo. Ela tem uma cabeça capaz de criar o que vê, como é, sem adornos. Parabéns.” Foi a primeira nota crítica, mas haveriam outras. Futuramente.
Nesse dia, passei a ter uma idéia precisa do seu poder de fogo: o telefone não parou de tocar a partir das sete da manhã lá em casa, a começar por – pasmem – Raduan Nassar! “Já leu a Folha hoje?” O primeiro a cantar a bola. O resto, vocês podem imaginar. Pensando bem, não. Não podem. Não sabem o que significa tornar-se o alvo permanente duma inveja unânime, espessa, letal. Anônima e coletiva. Mas, como crítico, Francis me consagrou. Irrevogável e definitivamente.
Ah, sim, vivíamos conversando por telefone, quer dizer, ele me ligava de Nova York. Previsivelmente tímido, várias vezes visitou a cidade, mas jamais teve coragem de me encontrar. Assim como voltar ao Brasil: “Vão me comer vivo!”
Algumas Coisas Que Sinto Por Oswald de Andrade
“Certa vez, numa matéria que escreveu para o JB, o escritor Nelsinho de Oliveira definiu Hilda Hilst, a mim e Marcelo Mirisola como a avó, a mãe e o filho da mãe, uma linhagem literária que primaria pela arrogância, irreverência e deboche, trinca à qual eu acrescentaria Oswald de Andrade como avô-muso de nós três, paulistanos, sobretudo porque Oswald é paulistano de quatro costados (e paulistano é a única criatura deste planeta que não fica louvando a própria terra, algo unânime em todas as partes do mundo, de Belo Horizonte a Pago-Pago). Não que sua literatura nos tenha influenciado (aposto que, como eu, Hilda deve tê-lo lido por alto, ligeiramente, sorrido e passado adiante. E Mirisola também), não se trata exatamente de influência ou incorporação (claro que se ele ou Mário [de Andrade] não tivessem existido nossa história literária seria outra), contudo, a relação é antes de identidade, sintonia e, naturalmente, território.
É muito engraçado comparar as versões – ou leituras – que tiveram dele, digamos, o sociólogo Sérgio Miceli, Sérgio Porto (o bom e velho Stanislaw Ponte Preta), Antonio Cândido, Haroldo de Campos e Affonso Romano de Sant’Anna – porque são pessoas que nada têm a ver uma com a outra, mais lembrando um saco de gatos!
“Oswald foi uma das obsessões intelectuais de Haroldo, como Pound e Mallarmé, o que, aliás, não significa grande coisa, até porque os concretistas do núcleo duro – Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos – são, foram e serão eternamente obcecados por certo cânone fora do qual, segundo eles, não existe vida inteligente.”
Algumas Coisas Que Eu Sei Sobre Truman Capote
“Mas é por aí, digamos, Holcomb no Kansas, que Truman Capote irá detectar a falha no sistema, graças à nova forma literária proposta – o romance jornalístico e sua linguagem no registro (aparente, ilusório) da cultura de massa. A Sangue Frio marca as mudanças da sociedade norte-americana pré-Vietnã, pré-movimentos hippie, feminista, etc., quando então seus valores seriam totalmente questionados – é esta sua importância literária fundamental!
No entanto, Capote, o filme, preferiu reduzir esse grande painel realístico-metafórico, bem como a relevância do escritor e sua obra, a questões miúdas de decadência moral, bloqueio criativo e do envolvimento afetivo de TC com um dos assassinos, numa caracterização super-hiper-gay de Hoffman, jogando, quero crer que involuntariamente, Capote no ridículo. Passando a mensagem: “Não acreditem em nada do que ele escreve, não vêem que não passa dum pobre veado bêbado e drogado?” Na mesma linha “do pobre filha-da-puta”, aplicada a Scott Fitzgerald, reduzido a um roteirista alcoólatra e mendicante, que perambulava por Hollywood pouco antes de morrer.
Malditos puritanos! Como se fosse possível ser cristão ignorando-se o ideal de igualdade e fraternidade existente no centro do cristianismo. A diferença entre as duas sociedades é que a de 1960 se conhecia pela “Falsa Consciência” – a consciência envergonhada das próprias injustiças -, enquanto a de 2000 se conhece pela “Consciência Perversa”, que não só ignora a desigualdade social, como quer mais é que você se foda.”
O Inconsciente Colonial (Jorge Amado)
“Tudo muito exótico, baby. Mas o problema é esse, baby, Jorge é – foi vendido como – um escritor pitoresco, um produto rigorosamente desonesto. Na época. Yes, nós tínhamos. Do que nos ufanávamos. Como do Jorge, cujo pornoerotismo de cama & mesa era apreciadíssimo pelo nosso inconsciente colonial – o mulato inzoneiro, não é mesmo? O professor Antonio Cândido diz algumas coisinhas nada lisonjeiras a respeito. Quer dizer, nada lisonjeiras para nós, todos nós. Se nos pretendemos povo, país, nação, civilização – macaqueações à parte. Pornoerotismo que hoje qualquer aspirante a escritor de quinta da internet (mas com vários jabutis e petrobrases no currículo) executa com louvor e dá dez a zero no Jorge. Bom.
Nos romances dele, as mulheres ou são putas ou cozinheiras ou ambas, porque todas são mucamas ou yayás ou ambas. Legal. Até aí, nada contra. A grande arte está acima dos modismos filosóficos idiotas da vez, politicamente corretos mas esteticamente nulos. Se ele escrevesse como Cortazar ou Borges ou Faulkner ou Clarice Lispector. Como Henry Miller ao menos! Nada. Negativo.
De forma que a recepção da reedição da obra do Jorge será um bom sismógrafo, não para a Crítica Literária (que essa já está careca de saber que ele dançou), talvez para a Sociologia conferir o que persiste no Brasil de Casa Grande & Senzala, ou seja, a quantas anda o nosso inconsciente colonial, tão exótico e proxeneta.”
Que fique bem claro: a idéia não é fazer perfis, antes traçar a geografia de suas idéias & idiossincrasias e – sobretudo – captar as razões essenciais pelo fato de essa gente haver deixado sua marca no mundo. Preferencialmente em 1.200 palavras.
Com os meus cumprimentos.
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