Marcos Magalhães*
A magra vitória de Angela Merkel nas eleições da Alemanha talvez possa indicar algumas pistas dos riscos que temos pela frente, depois de superada a Katrina política dos últimos meses. Por enquanto, o cenário é de inventário de perdas e danos. Investiga-se de onde saíram os recursos do valerioduto, enumeram-se as deserções do partido governista e especula-se se o presidente Lula terá fôlego para cruzar os pântanos que ainda restam do furacão e chegar com saúde política a outubro de 2006.
A prudência manda, porém, que se estenda um pouco o olhar para o que nos espera a partir de janeiro de 2007. E nesse quesito o resultado das eleições alemãs – com virtual empate entre os dois principais partidos, o Democrata-Cristão de Merkel e o Social-Democrata do chanceler Gehrard Schröder – provavelmente terá algo as nos dizer. Ou melhor, a falta de um resultado.
Terceira maior economia do planeta, a Alemanha vive seus dias de crise. O sistema econômico e social montado após a derrota na II Guerra Mundial funcionou muito bem até o começo dos anos 90. A chamada economia social de mercado conseguiu unir patrões e empregados – embora nem sempre de forma pacífica, é claro – em um projeto nacional de crescimento econômico com distribuição de renda e garantia de serviços sociais de qualidade, como saúde e educação.
A queda do Muro de Berlim, momento de enorme entusiasmo político, foi acompanhada de promessas primaveris de extensão do bem-estar econômico e social aos estados que integravam a então República Democrática Alemã. Uma nova potência, ainda mais expressiva, estaria nascendo no coração da Europa unificada. Mas o tempo passou, as promessas foram sendo esquecidas e um certo desencanto tomou o lugar do entusiasmo inicial. A Alemanha parou.
Schröder bem que tentou, nos últimos anos, superar a estagnação. Tomou medidas muito criticadas por parlamentares de sua própria base de apoio. Mas o crescimento permaneceu tímido e o desemprego, bastante falante. Os enormes gastos com a manutenção do sistema social e a falta de flexibilidade da legislação trabalhista acabaram levando investimentos para outros países. E o que fazer para reverter a situação? Reeleger o chanceler? Migrar para a direita?
As perguntas dividiram o país ao meio. A antecipação das eleições, provocada por Schröder, não conseguiu romper o impasse político. Os democrata-cristãos venceram por pouco, mas não conseguem formar maioria para governar nem mesmo aliados aos liberais, como no tempo de Helmut Kohl. Tampouco os social-democratas conseguiriam maioria, mais uma vez unidos ao Partido Verde.
PublicidadeDesta vez, não funcionou bem o mecanismo da cláusula de barreira, tão discutida no Brasil, que limita aos partidos com mais de 5% dos votos a presença no Parlamento. Após a guerra, esse mecanismo ajudou a deixar a extrema-direita e a extrema-esquerda afastadas do jogo político e a montar claras maiorias aos sucessivos governos. Agora, a estagnação econômica embaralhou o jogo. Além dos partidos tradicionais e do Partido Verde, que se firmou nos últimos anos, um novo partido de esquerda chegou ao Bundestag com 8,7% dos votos.
O único caminho para a solução do impasse, segundo analistas alemães, seria o de uma grande coalizão entre democrata-cristãos e social-democratas. Algo impensável há poucas semanas, até mesmo pelos diferentes caminhos apontados para superar a crise na economia. Da mesma forma como soa muito esquisito hoje pensar em um governo de coalizão entre o PT e o PSDB, principais protagonistas do mundo político brasileiro do momento.
Aqui, até hoje, ainda há o agravante de um enorme número de legendas no Congresso Nacional. Cada votação importante precisa ser negociada com pelo menos cinco bancadas, para garantir o sucesso na contagem dos votos. A partir de 2006, teremos no Brasil – salvo mudanças de última hora – o mesmo mecanismo de cláusula de barreira inspirado no modelo alemão. Lá, estão agora representados cinco grupos partidários. Aqui, ainda é difícil prever quantos resistirão ao novo teste. E como o novo sistema ajudará a governabilidade do país.
De qualquer forma, a advertência alemã merece ser analisada. Quando nenhuma força política organizada consegue a maioria necessária para governar, mesmo que aliada a partidos menores, surge o impasse. No parlamentarismo alemão, esse impasse pode vir a ser superado por uma grande coalizão, ainda que breve, ou por novas eleições. No presidencialismo brasileiro, a falta de uma clara maioria seria a senha para uma duradoura crise política.
Se Lula conseguir chegar à outra margem da crise e concorrer com sucesso a mais um mandato, com que forças contaria para um novo governo? Do lado da oposição, já se constrói uma alternativa real de poder? Por enquanto, o instinto de sobrevivência tem levado boa parte dos políticos a pensar no máximo na próxima semana. A nós outros, como dizem os espanhóis, fica reservada então mais uma pulguinha atrás da orelha.
Deixe um comentário