Osiris Lopes Filho*
Em artigo anterior combati a ousadia indecente e descomunal de se colocar na Constituição o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), denominação encabulada de um tributo que incidiria sobre ele mesmo. Recebi em contrapartida a crítica de que isso não é nada de novo, pois já é assim na lei de regência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).
Trata-se, portanto, de se dar base constitucional para o que já ocorre no ICMS, em que o cálculo é feito por dentro, o que faz com que ele incida sobre si mesmo. O efeito dessa regra é aumentar a alíquota do imposto. Há uma alíquota nominal menor, a prevista na lei, mas a que é cobrada mesmo é a alíquota efetiva, a maior.
Há alguns artifícios introduzidos pela legislação e que terminam tendo eficácia, sendo praticados sem que sejam denunciados ou sofram forte contestação dos setores prejudicados. O ICMS é ilustrativo disso: tem uma alíquota nominal de 15%, mas sua alíquota efetiva tem o peso de 17,25%.
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Sempre me espantou o fato de o setor empresarial (formado por importadores, industriais, produtores rurais, prestadores de serviços), que tem o dever de pagar o ICMS, não protestar com efetividade contra tal empulhação.
É que, possivelmente, eles estiveram impregnados do pragmatismo cínico. Como se trata de imposto indireto que, no término do ciclo econômico, vai onerar o consumidor final das mercadorias e serviços, eles optaram por não contestar a alíquota efetiva. O sacrifício, dessa forma, é destinado ao povo consumidor.
PublicidadeContudo é importante assinalar que, em relação ao novo imposto, o IVA, existe a previsão de ele não ser cumulativo. A sua não-cumulatividade, e a inclusão do imposto na sua própria base de cálculo, estão entre as características que serão constitucionais, caso seja aprovada a tal reforma tributária. É uma contradição gritante. Se esse imposto incide sobre si mesmo, como está proposto, trata-se de clara cumulatividade.
Além disso, há na Constituição um dispositivo que estabelece que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços” (art. 150, § 5º, da C.F.). A camuflagem tributária que pretende esconder esse imposto do consumidor final, com o seu cálculo por dentro, colide com a transparência da tributação consagrada na Constituição.
O surrealismo que caracteriza a atuação de certos setores da nossa realidade me faz dizer que aqui, neste território tupiniquim, o revolucionário, em certas matérias, é cumprir a Constituição. Principalmente em relação à tributação.
O presidente Lula tem oportunidade de fazer uma revolução incruenta, sem paredón ou degola. Basta mandar seus auxiliares cumprirem a Constituição, embora que para isso tenha que haver um passo anterior – estudá-la e, desse modo, respeitá-la.
* Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.
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