Márcia Denser
O segundo turno dessas já históricas eleições de 2006 deixa um saldo importante, de forma que, fazendo uma espécie de balanço, gostaríamos de apontar algumas conclusões:
(1) Assim como a esquerda revelou-se corrupta, tanto ou mais que a direita, esta, por sua vez, perdeu a vergonha ou “má consciência” de se assumir como direita, defendendo com unhas e dentes seus interesses e privilégios de classe, aliciando um coro de adeptos ferozes entre as classes médias onde é mais espessa a inconsciência perversa, burra e antidemocrática, com tolerância zero à opinião discordante. Mas a esquerda, por outro lado, prossegue reincidindo em velhos erros históricos, tais como o divisionismo, a exemplo de Heloísa Helena e Cristovam Buarque, e divisionismo burríssimo porque se repete sempre e sempre, feito cachorro que morde o rabo, impedindo-a eternamente de se tornar hegemônica. Finalmente, todas essas questões indicam que o confronto esquerda e direita talvez já não funcione mais como referencial político imediato, pois apesar de continuar em movimento, ele agora parece girar em falso.
(2) Porque, em menor escala, a polarização que se verifica em nossa sociedade, representada pela oposição Lula X Alckmin, reflete a “mudança de paradigma”, tão discutida na universidade, a indicar que o mundo não mais se divide em direita e esquerda, socialismo e capitalismo etc., pois desde o colapso da União Soviética e do socialismo real e graças à difusão ao “pensamento único”, o conflito verticalizou-se, repartindo-se em Norte-Sul, os de cima e os debaixo, pobres e ricos, centro e periferia, os países ricos do hemisfério Norte e os países pobres do hemisfério Sul, o últimos constituindo o G-20, composto por países como Brasil, China, Índia etc., em oposição ao G-8, o jet set do planeta.
(3) A síndrome que podemos chamar de “watergatização” da grande mídia, ou seja, “vamos derrubar o governo Lula porque temos poder para isso”, como observou o jornalista Luís Nassif, desta vez não funcionou: a grande imprensa bateu tanto em Lula que literalmente o “martirizou”. Cada vez que ela proclamava a vitória de Alckmin nos debates, dias depois era desmentida pelas pesquisas de opinião. Mas a falta de respeito, desconsideração e preconceito para com Lula (vide o famoso pontapé na capa da Veja) , na linha ” mesmo presidente da República, ele continua pobre e ignorante”, pesaram definitivamente na balança.
(5) A questão do confronto entre indivíduos, conforme a abordagem da imprensa burguesa – que, histórica e estrategicamente, não contrapõe idéias ou movimentos ou causas coletivas, apenas pessoas – foi outro tiro pela culatra. Segundo o jornalista Flávio Aguiar, não se tratou apenas de um confronto psicológico. Lula destruiu o ethos da candidatura Alckmin. Este se viu obrigado a trair seu ideário, sendo advertido pelos próprios aliados. Mas a pecha de privatista foi fatal.
(6) Porque à mídia conservadora, que louvou as privatizações como “o que de melhor foi feito na economia brasileira durante o governo FHC”, escapou um pequeno detalhe, que agora ficou claro: 70% da população disse não às privatizações. Antes, Alckmin jurou que não privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, enquanto as privatizações do Metrô paulistano e da Nossa Caixa prosseguem a todo vapor, encobertas por uma mídia que hipocritamente silencia a respeito.
Publicidade(7) E mais: Alckmin chegou a posar como antiprivatista (quando esta coluna desde janeiro deste ano já havia assinalado essa questão em seu programa, segundo declarações do próprio ex-governador), adotando para si todos os programas do adversário, como o Bolsa Família, pretendendo até ampliá-los (sic). Diante dessa, Nassif não resistiu: “Bom, se ele vai adotar os mesmos programas do Lula então mantenha-se o original!”. Assim, a candidatura Alckmin sucumbiu às suas próprias contradições.
(8) Ainda segundo Flávio Aguiar, Lula conseguiu ocupar todo o espaço político, neutralizando a aversão que os rentistas tinham (e têm) por ele, bem como os banqueiros. Manteve o apoio de vários setores dos trabalhdores organizados, atraindo as bases empobrecidas no Nordeste que no passado eram massa de manobra do PFL, além de parte considerável do eleitorado de classe média. Para Aguiar, essa é a principal razão do ódio que se percebe em muitos eleitores anti-Lula: eles tiveram de “optar” por um candidato sem carisma e cuja campanha não os satisfazia. Essa ocupação do espaço político também faz entender o despeito dos próprios ex-petistas que optaram pelo voto nulo e assim “se anularam” do cenário político.
(9) Por derradeiro conclui-se que um certo modo de vida abominávelmente paulistano – careta, conservador, que não bebe, não fuma etc. e come frutos do mar à provençal com guaraná, que é o “núcleo duro conceitual” expresso no picolé de chuchu diet – definitivamente não é exportável para o resto do Brasil, graças a Deus, aleluia!
Deixe um comentário