Celso Lungaretti*
Em nome do Opportunity, Maria Amalia Coutrim (diretora) e Elisabel Benozatti (assessora de comunicação) enviaram-me uma longa mensagem alegando que, como eu citei Daniel Dantas em meu artigo “A sociedade do espetáculo e o segredo de Justiça”, gostariam de “fazer alguns comentários na tentativa de mostrar como farsas foram armadas e protegidas sob o manto de operações policiais”.
Não vi pertinência na maioria das suas colocações, até porque o aspecto por mim abordado não se constituiu exatamente numa acusação a DD, como se pode facilmente constatar:
“As irregularidades cometidas no curso dos inquéritos policiais espetacularizados até agora não foram consideradas suficientes para sua anulação, para opróbrio da nossa Justiça e vergonha de todos que nos pretendemos civilizados.
Consentimos em linchamentos, simplesmente, pouco importando se os linchados fizeram ou não por merecer tal sorte…
Já quando o acusado é banqueiro e se chama Daniel Dantas, a Justiça instantaneamente se lembra de que os habeas corpus têm de ser respeitados, não se deve algemar prisioneiros desnecessariamente, é inaceitável a participação no inquérito de unidades policiais estranhas à investigação e de emissoras de TV, etc. Nada contra, salvo que o respeito pelos direitos dos suspeitos deveria ser regra e não uma exceção restrita a vips”.
Protógenes Queiroz: fraudador?
Na verdade, a única objeção real que foi feita ao meu artigo é quanto a DD ter recebido ou não tratamento vip.
É claro que recebeu! Pelo menos da parte dos altos escalões do Judiciário, pois as irregularidades cometidas no encaminhamento do seu caso dificilmente seriam levadas em conta se fosse um acusado qualquer.
O fato de ter existido um esquema rival cometendo tais irregularidades não anula as evidências de que Gilmar Mendes saiu em sua defesa com empenho inusitado; e a presença de estranhos no ninho da investigação certamente passaria despercebida se o prejudicado fosse um zé ninguém.
Mesmo assim, democraticamente, vou publicar suas considerações e encaminhar este texto a todos que reproduziram meu artigo. Darei o mesmo tratamento ao Protógenes Queiroz ou qualquer outra pessoa por elas citada que queira refutar o posicionamento do Opportunity.
A resposta do Opportunity:
“Acusações infundadas ancoradas em crimes inexistentes tornaram-se ingredientes desse roteiro ‘político-jurídico-policial’ com ampla cobertura mediática.
A Operação Satiagraha foi uma fraude armada para atender a interesses privados e políticos. O objetivo era prender, mesmo após as investigações policiais constatarem a inexistência de crime por parte do Opportunity, o que está comprovado em documentos. Quanto aos interesses que levaram à execução da operação fraudada, as investigações ainda em andamento devem apontá-los.
Diante da inexistência de crimes, era preciso armar uma ‘ação controlada’ fraudada para se atingir a meta: as prisões. Nunca houve flagrante de oferta de suborno como quis fazer parecer imagens editadas.
A cena do jantar entre Humberto Braz, consultor do Opportunity, Hugo Chicaroni, amigo do delegado Protógenes Queiroz, e o delegado, que se passava por advogado, Vitor Hugo, não foi filmada pela Polícia Federal, e sim pelo produtor e cinegrafista da Rede Globo de televisão.
A fita usada como prova foi adulterada.
No áudio, foram inseridas falas que não existiam.
O dinheiro foi apreendido na casa do professor Hugo Chicaroni, amigo de Queiroz. O rastreamento do dinheiro, que poderia determinar a sua origem, foi inviabilizado pela própria equipe de acusação. As cédulas foram depositadas, desconsiderando as normais legais, e as cópias das notas não foram apresentadas à defesa. Destruiu-se a prova.
O delegado Protógenes Queiroz, que conduziu a Satiagraha, foi condenado por fraude processual. Eleito deputado federal em razão da sobra de votos do palhaço Tiririca, passou a ter foro privilegiado. O Ministério Público entendeu também que, Protógenes deve responder pelos crimes de prevaricação e corrupção passiva. Vai ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (em função de ter foro privilegiado).
Ao colocar a Abin para investigar, a Satiagraha transformou-se numa ação de espionagem contratada a custo baixo: os passos do Opportunity nos negócios eram reportados aos seus concorrentes com o uso do aparelho do Estado. Em síntese, uma operação paga com dinheiro público, que rendeu e serviu a interesses privados.
As prisões de Daniel Dantas foram consideradas ilegais pelo Supremo Tribunal Federal por 9 votos a 1. Sua condenação foi anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de 7 de junho último.
Longe de receber tratamento VIP, Daniel Dantas e os executivos do Opportunity foram algemados, maltratados, humilhados em cadeia nacional.
Foram necessário três anos para que a Justiça começasse a reconhecer as fraudes e os crimes cometidos pelos ‘agentes da lei’.
ARBITRARIEDADES
Segue um resumo das arbitrariedades sofridas pelo Opportunity em duas operações policiais: a Satiagraha (2008) e a Chacal (2004).
SATIAGRAHA
Em 8 de julho de 2008, o delegado federal Protógenes Queiroz veio a público para dizer que um consultor do Opportunity, Humberto Braz, tentara corromper um delegado em nome de Daniel Dantas. Como prova da acusação, a PF apresentou uma filmagem sem falas do encontro entre Braz, o delegado Victor Hugo Ferreira, que se passava por advogado, e o professor Hugo Chicaroni. O áudio foi captado em separado do vídeo por meio do celular do delegado que participou do jantar.
Filmagem O vídeo do único encontro ocorrido entre Humberto Braz e o delegado Ferreira foi realizado por um produtor e um cinegrafista da Rede Globo. Em juízo, os responsáveis afirmaram terem sido chamados por fontes da polícia para documentar um ‘flagrante’ de corrupção. Como não se pode dar o flagrante, pois não houve a oferta ou entrega de dinheiro, a Polícia recorreu a artifícios para incriminar Braz e Daniel Dantas.
Áudio – Perícia feita pelo Instituto Brasileiro de Peritos em Comércio Eletrônico e Telemático revela que o áudio do jantar fora mutilado, tratado digitalmente. As transcrições foram distorcidas e as datas de arquivamento manipuladas. Em trechos de grampos telefônicos, houve a inserção do nome de Daniel Dantas onde ele não era citado.
Outro laudo do perito Ricardo Molina, professor da Unicamp reconhecido como um dos maiores especialistas brasileiros em fonética forense, mostrou que a polícia deixou de transcrever 78,7% da conversa ocorrida no restaurante e atribuiu falas a Humberto Braz que não eram dele.
Valores apreendidos – Para garantir o clima condenatório, o material foi vazado à imprensa junto com a imagem de maços de dinheiro apreendidos na casa de Hugo Chicaroni, amigo do delegado Protógenes Queiroz, apresentado pela mídia como um ‘negociador de Daniel Dantas’. A Polícia Federal, inexplicavelmente, depositou o dinheiro e não disponibilizou à defesa cópias dos números de série das cédulas. Destruiu a prova da origem dos valores, impedindo a defesa de demonstrar a fraude da imputação.
Qual o motivo? Com certeza, os policiais envolvidos não agiram assim para beneficiar Daniel Dantas.
CHACAL – TELECOM ITALIA
Em 2004, Daniel Dantas e Carla Cico, executiva da Brasil Telecom, foram acusados de contratar a agência de controle de riscos, a multinacional Kroll, para ‘espionar executivos da Telecom Itália e o alto escalão do governo Lula’ em razão da disputa pela Brasil Telecom, operadora de telefonia fixa. Essa disputa societária envolvia a Telecom Itália e os fundos de pensão brasileiros de um lado, e o Opportunity e o Citigroup de outro.
Quem entregou o CD com o Caso Kroll à Polícia Federal foi Angelo Jannone, ex-carabinieri, e à época chefe de Segurança da Telecom Itália para a América Latina. A denúncia dos italianos deu origem à Operação Chacal e fez com que a sede do Opportunity no Rio de Janeiro e os apartamentos de Dantas e Cico fossem invadidos pela Polícia Federal, em outubro de 2004.
Desde 2006, a Divisão Anti-Máfia da Procuradoria de Milão cuida de um inquérito contra executivos e prestadores de serviços da Telecom Itália. O grupo é acusado de espionagem empresarial, realização de grampos ilegais e venda de informações sigilosas.
As provas italianas mostram que a Operação Chacal derivou de uma armação da Telecom Itália. No âmbito do processo, dezenas de pessoas foram presas. Várias confessaram que a Telecom Itália pagou autoridades e prepostos no Brasil para prender Daniel Dantas e favorecer a Telecom Itália na disputa pela Brasil Telecom.
Testemunhas também admitiram que a Telecom Itália entregava malas de dinheiros a autoridades brasileiras e que foram aliciados agentes da polícia.
A Justiça de Milão reconheceu Daniel Dantas e o Opportunity como vítimas da Telecom Itália, habilitando-os a pedir reparação pelos danos sofridos. Daniel também testemunhou aos procuradores de Milão e teve acesso aos documentos que constam dos autos italianos.
Em abril de 2010, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no Brasil trancou a maior parte do processo movido contra Daniel Dantas e os envolvidos no Caso Kroll, estopim da Operação Chacal, deflagrada pela Polícia Federal em 2004.
AS MENTIRAS SOBRE CRIMES FINANCEIROS
Em relação aos supostos crimes financeiros, as acusações não passam de uma tentativa de requentar denúncias falsas, há muito arquivadas pela própria PF e pelos órgãos fiscalizadores do mercado financeiro.
O Opportunity Fund é um fundo de investimentos criado em 1992, com sede nas Ilhas Cayman. A captação de clientes do Opportunity Fund, pessoas físicas e jurídicas, é feita por bancos estrangeiros. Os dados são mantidos pelo Banco RTA – ‘agente de registro e transferência’ do fundo também situado em Cayman. O Banco RTA, assim, é o responsável pela verificação, o controle e aguarda da documentação cadastral dos investidores. É ele também quem cuida da aplicação dos procedimentos ‘conheça seu cliente’ e de combate à lavagem de dinheiro.
A ideia da evasão de divisa foi subsidiada por laudos encomendados por Protógenes Queiroz. Nesses laudos, os técnicos cruzaram dados do Opportunity Fund com informações de investidores que aplicavam nos fundos do Opportunity que funcionam no Brasil.
O perito L. Nelson Carvalho, presidente do grupo Intergovernamental de Especialistas em Padrões de Contabilidade e em Relatórios Financeiros da Unctad, analisou os laudos feitos pela Polícia Federal. Concluiu que a confusão entre as bases de dados invalidava todo o trabalho dos peritos.
Destaque-se que o Opportunity Fund só aceita aplicações de bancos provenientes de países que fazem parte do ‘Schedule 3 Countries’ – aqueles que possuem legislação e procedimentos de combate à lavagem de dinheiro reconhecidos internacionalmente.
O Opportunity não envia recursos de seus investidores para o exterior. O Opportunity é gestor de fundos nacionais e estrangeiros. As aplicações feitas por clientes no Brasil em fundos nacionais não são enviadas tampouco remetidas para o exterior. Os recursos são investidos em títulos e valores mobiliários negociados exclusivamente na Bovespa.
Abaixo, a lista de fundos de investimentos em Cayman que, mesmo com atuação similar à do Opportunity, podem atuar livres da perseguição policial disfarçada de investigação (foram alinhavados 88 fundos).
E aqui ficamos à disposição para esclarecer e documentar qualquer dúvida ou curiosidade que, porventura, tenham sobre as atividades do Opportunity e Daniel Dantas, vítima de uma das mais caras e ilegais operações polícias já realizadas no país.
Atenciosamente…”
A resposta do Opportunity e a opinião do articulista:
Ao receber um educado (já que eufemístico) pedido de direito de resposta do Opportunity, avaliei: se tanto cobro da grande imprensa que cumpra as boas práticas jornalísticas, jamais poderia desconsiderar o pleito, mesmo achando que o banco, fiel ao seu nome, aproveitou uma oportunidade para desfiar um rosário de protestos de inocência e de queixas contra seus inimigos. Há evidente desproporção entre o parágrafo em que citei Daniel Dantas e os 34 (!) parágrafos da resposta.
Quanto ao cerne da questão, desde o primeiro momento afirmei que a Operação Satiagraha não era uma cruzada justiceira, mas sim o enfrentamento de dois esquemas igualmente nocivos e corruptores, no qual todos os personagens importantes (salvo, talvez, o delegado Protógenes Queiroz e o juiz Fausto De Sanctis) defendiam apenas seus interesses mesquinhos.
De um lado, Daniel Dantas e seus aliados, dos quais o mais saliente foi Gilmar Mendes.
Do outro, a concorrência que aspirava tomar-lhe negócios no mercado de telecomunicações, tendo como escudeiro Paulo Lacerda (antigo chefão da Polícia Federal que, em seu novo posto na Abin, continuou sendo a eminência parda das investigações contra DD) e como grande aliada a Rede Globo.
Admito a possibilidade de que o delegado Protógenes estivesse sendo movido por lealdade a Lacerda e por espírito de justiça; e que o juíz De Sanctis se visse mesmo como um paladino do combate à corrupção. Prefiro pensar sempre o melhor das pessoas, quando não tenho certeza do pior.
Mas, a Operação Satiagraha veio apenas confirmar minha convicção de que a corrupção é intrínseca ao capitalismo e jamais a extirparemos enquanto a grande prioridade e motivação maior dos indivíduos continuar sendo o enriquecei! capitalista.
Se os seres humanos são tangidos a uma corrida de ratos, à competição amoral e insana por riqueza e privilégios, a hipótese de que a Polícia consiga refreá-los, impedindo-os de cometer ilegalidades, não faz o menor sentido.
A lógica é que aconteça exatamente o oposto: a Polícia se tornar partícipe das refregas entre os grandes criminosos, corrompida até a medula.
Então, nunca vi motivo para tomar partido em guerras de gangstêres, pois pouco me importa que o mercado seja controlado por Al Capone ou por Lucky Luciano. Não tenho dúvida de que, sob o capitalismo, será sempre um gângster quem controlará o mercado.
Eu quero é construir uma sociedade que gângster nenhum consiga controlar.
*Jornalista e escritor. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com
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