Celso Lungaretti*
As “formigas” da Seleção Brasileira estão fazendo covarde jogo de bastidores contra a convocação da “cigarra” Ronaldinho Gaúcho, indiscutivelmente nosso mais refinado talento futebolístico da atualidade.
Nas entrevistas, fazem elogios convencionais ao craque do Milan. Mas, quando batem papo descontraído com jornalistas, defendem o direito adquirido de quem ralou pela vaga desde o último Mundial, nas eliminatórias, na irrelevante Copa América e nos amistosos caça-níqueis.
O veterano Gilberto Silva, nada além de um volante mediano e aplicado, é dos que consideram preferível prestigiar o armário Júlio Batista. Os limitados são aliados naturais.
Assim como limitado era o futebol de Dunga, tão rústico que serviu como pejorativo para designar a performance retranqueira e burocrática com a qual a Seleção Brasileira não passou das oitavas-de-final no Mundial de 1990.
Dunga continua procurando até hoje o craque Maradona, que já estava em franca decadência mas ainda conseguiu driblá-lo facilmente e armar um fuzuê na defesa brasileira, colocando Canniggia cara a cara com Taffarel.
Há quem o considere redimido pela esforçada participação no Mundial de 1994, conquistada bem ao seu feitio: nos pênaltis, após 120 minutos de chatíssimo 0x0 contra a Itália.
Para mim, foi a Copa de Romário, o único fora-de-série e, não por acaso, o jogador brasileiro que fez a diferença.
Como técnico, é compreensível seu preconceito contra um dos que, na atualidade, mais se assemelha ao Maradona dos gramados. Humilhação como a da Copa de 1990 não se supera facilmente – ainda mais quando acrescida de um baile como o que Ronaldinho lhe aplicou no GreNal decisivo do Campeonato Gaúcho de 1999.
Veja os dribles de Ronaldinho em Dunga no GreNal
Dunga revela insensatez e obtusidade, pois pode estar semeando nova derrota acachapante. Em partida decisiva, eu não apostaria num Brasil sem Ronaldinho contra uma Argentina com Messi.
“Este grupo só aceita quem se entrega totalmente”, diz Dunga. É a apoteose da transpiração, em detrimento da inspiração. Serve para exércitos. Futebol costumava ser outro departamento.
A vitória a qualquer preço, no peito e na raça, fornece satisfação medíocre, que se dilui com o tempo.
As conquistas de que os brasileiros mais nos orgulhamos são as dos Mundiais de 1958 e 1970, em função das atuações artísticas, deslumbrantes; em segundo plano, as de 1962 e 2002, que marcaram mais pelos lampejos geniais; a de 1994 fica no fim da fila, com o anticlimax na partida final sendo lembrado de forma até constrangida.
Também são deploráveis os resmungos moralistas de Ricardo Teixeira (logo quem!), recriminando as baladas atribuídas a Ronaldinho.
As cervejinhas não impediram Sócrates de dar títulos inesquecíveis ao Corinthians, como o do bicampeonato paulista de 1983, quando fez o único gol do time nos quatro jogos decisivos (1×1 e 1×0 contra o Palmeiras, 1×0 e 1×1 contra o São Paulo) – uma proeza e tanto para um meiocampista!
O maior cartola brasileiro de todos os tempos, Paulo Machado de Carvalho, contando com a cooperação de jornalistas compreensivos, evitou que o decisivo futebol de Garrincha e Didi fosse prejudicado pelo fato de que um era engravidador serial de loiras suecas e o outro não aguentava abster-se da sua caninha.
Já o técnico Telê Santana deixou de conquistar o Mundial que até merecia, entre outros motivos, por não haver feito vistas grossas na hora certa: cortou Renato Gaúcho e Leandro da Seleção de 1986 por terem escapulido da concentração em busca de mulheres, numa noite que não era véspera de jogo nem nada.
Pelos mesmos critérios, não teríamos Garrincha nem em 1958, nem em 1962.
Sabe-se lá se venceríamos sem o Mané. Tudo leva a crer que, no Chile, não.
* Jornalista e escritor. Blogues:
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
Leia a série de Lungaretti sobre as conquistas brasileiras na Copa do Mundo
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