Com a eleição de Obama e a morte festejada do neoliberalismo em todo mundo, a esquerda estadunidense vive um momento efervescente e renovador. Razões de sobra para a revista The Nation realizar o fórum Reimaginando o Socialismo para debater a situação da esquerda na atualidade e suas perspectivas diante da falência do neoliberalismo, conforme publicado pela Agência Carta Maior. Participaram intelectuais e professores dos EUA, como Immanuel Wallerstein, Robert Pollin, Vijay Prashd, cujos depoimentos resumimos abaixo, salvo o texto de Eric Hobsbawm, extraído de entrevista recente ao jornal argentino Página 12.
O evento chamou minha atenção porque vem se somar a formulações antineoliberais que ultimamente vêm se multiplicando e impondo em artigos e livros que recebo de várias fontes, ou seja, a freqüência, a ocorrência e – sobretudo – o volume ensurdecedor das críticas à hegemonia ideológica do Pensamento Único que, até poucos meses atrás, seriam indexadas como impensáveis-indizíveis-impublicáveis-interditas pela censura econômica midiática onipresente. Que agora nos chegam da própria universidade e mídia norte-americana. E de lambuja, com referências elogiosas à América Latina em geral e ao Brasil em particular, que emergem como “locus”pioneiro da resistência política mundial ao capitalismo selvagem pós-2000, conferindo ao Cone Sul uma relevância global sem precedentes em sua história. Contra os fatos não há argu.
Os Dragões Devem Ser Acorrentados
“O neoliberalismo está morto. O neoliberalismo sucumbiu às suas próprias contradições. O domínio das finanças, sempre uma casa vazia, finalmente se desfez. E ainda não estamos preparados. Mesmo com o levante da esquerda na América Latina, com um novo populismo em Beirute, Bagdá, Teerã, Bangkok. Mas os Dragões da velha ordem permanecem no poder. Eles resistiram à crise econômica, mantendo sua autoridade legitimada. Eles fazem, com temeridade, essa ou aquela concessão (mesmo à idéia da nacionalização dos bancos), mas sabem muito bem que seus opositores estão irritados, ávidos. As forças que mantêm os gastos públicos domados são poderosas demais para serem afetadas por qualquer coisa, salvo um grande levante na sociedade. Em síntese, os Dragões devem ser acorrentados.”
(Vijay Prashd, professor do Trinity College, NY – The Nation)
O MST poderia ser um bom exemplo para a esquerda estadunidense.
“A crise estrutural do capitalismo, como sistema mundial, enfrentará sua extinção nos próximos vinte ou quarenta anos. O problema que a esquerda está enfrentando não é nada novo. Situações como essa acontecem como padrão. Roosevelt, em 1933, Attlee em 1945, Mitterand em 1981, Mandela em 1994, Lula em 2002, foram todos Obamas em seus momentos e lugares. Em minha opinião, a única atitude sensata é aquela tomada pelo grande, poderoso e militante Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no Brasil. O MST poderia ser um bom exemplo para a esquerda estadunidense, se tivéssemos qualquer coisa comparável em termos de um movimento social forte. Nós não temos, mas isso não deveria nos impedir de tentar nos juntar e fazer o melhor que podemos para pressionar Obama como faz o MST, aberta, pública e pesadamente – o tempo todo e é claro apoiando-o com entusiasmo quando o governo acerta. O que nós queremos de Obama não é transformação social. Tampouco ele quer, ou pode, oferecer-nos isso. Queremos dele medidas que venham a minimizar a dor e o sofrimento da maioria das pessoas agora. Isso ele pode fazer, e é aí que a pressão sobre ele pode fazer uma diferença.
O que está em curso é a desintegração do capitalismo como sistema mundial, não porque ele não pode garantir o bem-estar da imensa maioria (ele nunca pôde isso), mas porque ele não pode mais assegurar que os capitalistas terão uma acumulação sem fim do capital como sua razão de ser. O que nós podemos fazer? Antes de qualquer coisa, devemos ter clareza a respeito do que se trata essa batalha. Esta é a batalha entre o espírito de Davos (por um novo sistema que não é o capitalismo, mas é apesar disso hierárquico, explorador e polarizador) e o espírito de Porto Alegre (um novo sistema que é relativamente democrático e relativamente igualitário)”.
(Immanuel Wallerstein para The Nation)
O Consenso de Washington morreu
“Não quero cair em slogans, mas é indubitável que o Consenso de Washington morreu.
A desregulação selvagem já não é somente má: é impossível. Há que se reorganizar o sistema financeiro internacional. Minha esperança é que os líderes do mundo se dêem conta de que não se pode renegociar a situação para voltar atrás, senão que há que se redesenhar tudo em direção ao futuro. Porque com liberdade absoluta para o mercado, quem atende aos pobres?
Essa política, ou a política da não-política, é a que se desenvolveu com Margareth Thatcher e Ronald Reagan. Em períodos de grande descontentamento como o que começamos a viver, o grande perigo é a xenofobia, que alimentará e será alimentada pela extrema direita. E quem essa extrema direita buscará? Buscará atrair os “estúpidos” cidadãos que se preocupam com seu trabalho e têm medo de perdê-lo. E digo estúpidos ironicamente, porque aí reside outro fracasso evidente do fundamentalismo de mercado. Deu liberdade para todos, e a verdadeira liberdade de trabalho? A de mudá-lo e melhorar em todos os aspectos? Essa liberdade não foi respeitada porque, para o fundamentalismo de mercado isso se tornou intolerável. Também é politicamente intolerável a desregulação absoluta em matéria laboral. Eu temo uma era de depressão.
Porque não há volta atrás para o mercado absoluto que regeu os últimos 40 anos, desde a década de 70. Já não é mais uma questão de ciclos. O sistema deve ser reestruturado.
Porque esse modelo não é apenas injusto: agora é impossível. As noções básicas segundo as quais as políticas públicas deviam ser abandonadas, agora estão sendo deixadas de lado.
Num sentido, essa crise é pior do que a de 1929-1933, porque é absolutamente global. Nem os bancos funcionam. Se olharmos a história e o presente, não há dúvida alguma de que os problemas principais, sobretudo no meio de uma crise profunda, devem e podem ser solucionados pela ação política. O mercado não tem condições de fazê-lo.”
(Eric Hobsbawm para o jornal Página 12)
Seja utópico: exija o que é realista
Um dos slogans mais estimulantes que emergiram do levante de 1968 na França foi “Seja Realista, Exija o Impossível”. Eu estou mais inclinado a adotar essa imagem no espelho como um guia para se movimentar em direção ao presente. Quer dizer, “Seja Utópico, Exija o que é Realista. O capitalismo neoliberal – cujas características definidoras foram a ganância de Wall Street e a dominação dos grandes negócios sobre as políticas dos governos – está morto. Mas o que vem a seguir? Solidariedade, igualdade e liberdade têm sido sempre princípios fundamentais que animam a esquerda. É desde esses princípios que a esquerda construiu suas diversas perspectivas de uma verdadeira, democrática, igualitária ordem social – i.e., o único tipo de sociedade que merece ser chamada de “socialista”. Dado o colapso do neoliberalismo, a esquerda não deveria agora avançar em vista de um socialismo com carga tota
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