Em artigo recente[1], Affonso Romano de Sant’Anna relata, sem deixar pedra sobre pedra, a hecatombe que foi a compra da Varig pela Gol, aliás, sentida na pele: indo para Frankfurt, quando pediu algo para comer ao comissário, este lhe ofereceu seu “kit sobrevivência” pessoal: 1 maçã, 2 barrinhas de cereal e 1 pãozinho, que dividiu com Marina Colasanti, sua mulher. Pouco antes, no aeroporto, a companhia os obrigara a mudar suas passagens da classe executiva para a econômica porque: 1) trocara de aeronave; 2) não pode perder dinheiro; 3) junta vários vôos num só; 4) e o passageiro que se lixe. O vôo já estava bastante atrasado, mas ainda fez escala extra em Salvador para reabastecer (lá a gasolina é mais barata).
A Gol, que só oferece barrinhas de cereal, usa os passageiros como faxineiros e explora o nome da Varig. Durante o vôo internacional não passa filme, não oferece música, nem ar refrigerado, pois a saída fora obstruída por uma bola de papel (provavelmente enfiada ali por algum passageiro que não gostou de bancar o faxineiro). Finalmente em Frankfurt, descobrem que haviam perdido a conexão (já paga) para Copenhagen. Daí em diante é indescritível a via-crucis de 48 horas de ambos entre aeroporto/hotel/retorno ao aeroporto/novamente retorno ao hotel, à espera e à cata duma outra conexão. Se perdessem a próxima, perderiam também a viagem de 12 dias de navio, também já totalmente paga (depois se descobriu que se poderia processar a empresa por vários danos).
Nessas idas e vindas, contam sua tragédia a um ex-piloto da Varig, mas a dele é muito pior: fora demitido pela Gol depois de 28 anos de trabalho, sem indenização nem aposentadoria, tendo que recomeçar a vida depois dos 50, pilotando na Coréia e afastado da família. Dos 1.700 pilotos da ex-Varig, 890 trabalham no exterior. Mais: o salário das comissárias de bordo baixou 70% que, além do mais, têm que ficar quietas senão perdem o emprego.
Affonso finaliza: “A bordo desse avião da Gol travestido de Varig, leio uma entrevista do atual proprietário onde fala da ‘cultura da Varig’ e ‘cultura da Gol’. Desculpe, meu caro, mas isso não é cultura, é barbárie”.
Já Ignácio de Loyola na crônica Pessoas numa sala de embarque[2], abordando a questão duma outra perspectiva, elege os passageiros como objeto de análise. E também não deixa pedra sobre pedra.
Indo para Porto Alegre, vôo atrasado, para matar o tempo ocioso, Loyola observa o que fazem as pessoas na sala de embarque: 7 lêem livros, das quais 3 escolheram O Segredo, gênero auto-ajuda, 1 um manual de informática, 1 Luís Fernando Veríssimo, 1 Marçal Aquino e a última Em Busca da Idade Média de Jacques Le Goff, na página que conta o surgimento duma nova categoria, o mercador-banqueiro; 5 mulheres resolvem palavras cruzadas, 2 mais difíceis e 3 mais fáceis; nada menos que 19 liam revistas de fofocas, 12, jornais, sem contar 36 executivos com laptop e celular ligados!
Quanto ao último item, é a melhor parte da crônica, e a crítica mais corrosiva.
Ele comenta que executivos adoram usar laptops e celulares
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