Cláudio Versiani*
Jack Abramoff era o lobista mais poderoso de Washington. Cobrava US$ 750 por hora e se gabava de ter os melhores contatos da capital americana. Abramoff foi preso em novembro, acusado de conspiração, fraude e evasão de impostos, em Washington e na Flórida (ele comprou um navio-cassino por US$140 milhões, uma transação fraudulenta). Está em liberdade, mas seu destino é a prisão. Fez um acordo com os promotores federais, vai colaborar e denunciar como funcionava o esquema de corrupção em Washington. Se fosse condenado, pegaria 30 anos de prisão. Como fez o acordo, parece que irá pegar 10 anos, no máximo.
Abramoff disse que está falido, mas dinheiro nunca foi preocupação do lobista. Ele declarou certa vez: “O meu trabalho político é direcionado por interesses filosóficos, não pelo desejo de ficar rico.” O fato é que ele ficou muito rico. E ficou rico num governo republicano que partilha de suas convicções filosóficas – conservador é pouco!
Para agradar aos seus clientes, deputados, senadores e funcionários federais, o lobista oferecia camarotes em quatro diferentes arenas esportivas. Patrocinava caras e luxuosas viagens aos mais exclusivos clubes de golfe pelo mundo afora e ainda era dono de um restaurante em Washington, onde os amigos não precisavam se preocupar com a conta.
Jack Abramoff, o todo poderoso, tinha como principais clientes quatro tribos de índios americanos, todas elas com grandes cassinos, grandes interesses e muito dinheiro. Como os índios têm legislação especial, eles podem operar cassinos dentro de suas reservas, mesmo que o estado em que esteja a reserva proíba o jogo.
Os índios andaram se metendo em confusões com o governo americano. Eles vendem cigarros e remédios caros como o Viagra por exemplo, pela internet. Como não pagam impostos, o preço é convidativo. O sucesso das vendas incomodou o governo e gerou uma grande disputa legislativa/judicial. Como já se foi o tempo em que índio era bobo, eles aprenderam a se servir dos serviços de gente como Jack Abramoff. Só que o lobista fraudou, enganou e literalmente roubou os índios. Vai ter de devolver uma boa parte do dinheiro que cobrou, US$ 25 milhões. Faz parte do acordo. Além de mais US$ 1,7 milhão para o imposto de renda.
O homem que cobrava fortunas para dar conselhos parece que está, quem diria, sem assessores. Ele apareceu no tribunal de capa preta e um chapéu da mesma cor, vestido como um autêntico gangster, desses que a gente só vê em filme, mas que na América existem de verdade. O homem se disfarçou de Jack Abramoff, o bandido, seu personagem na vida real.
PublicidadeA história provocou um terremoto no Congresso americano, principalmente na base republicana. Abramoff é muito ligado ao republicano Tom Delay, ex-líder da Câmara dos Deputados, também indiciado duas vezes no ano passado por violar a legislação eleitoral (contribuições ilegais), conspiração e lavagem de dinheiro. Delay, se condenado, pode pegar muitos anos de cadeia. Caixa dois aqui não é perdoado.
Abramoff doou muito dinheiro para as campanhas políticas. Para a reeleição de Bush foram mais de US$ 100 mil. Ele foi convidado para três recepções na Casa Branca. Mas a presidência disse que eles nunca se encontraram pessoalmente. Há um surto de amnésia em Washington. Ninguém conhece o lobista que um dia foi o todo poderoso e patrocinou viagens, jantares e doou milhões de dólares para as campanhas políticas.
Bush está devolvendo US$ 6 mil que recebeu diretamente de Abramoff, ou melhor, está doando para a Associação Americana do Coração. A Casa Branca não disse o que vai fazer com o resto do dinheiro. Vários parlamentares também estão devolvendo ou doando o dinheiro que receberam do lobista. Até quinta-feira passada, 24 parlamentares estavam tentando se livrar do dinheiro maldito, mais de US$ 500 mil. Agora é tarde, quem recebeu está carimbado.
Em Washington, corre-se de Abramoff como o diabo corre da cruz. Mas se alguém já está pregado na cruz, esse alguém é Tom Delay.
Abramoff e Delay mantêm laços estreitos. O lobista tinha mais de uma empresa, como é comum em esquemas de corrupção. O ex-chefe de gabinete de Tom Delay, Edwin Bucham também é ligado a Abramoff. A mulher do deputado estava na folha de pagamento de Abramoff. O dinheiro seguia um caminho tortuoso até chegar ao bolso do lobista. Um esquema para não deixar rastros, mesmo porque a corrupção não dá recibo. Porém, na era da internet, a correspondência eletrônica revela tudo, ou quase tudo.
Abramoff não se limitou a Washington, ele ofereceu seus serviços ao presidente do Gabão. Além do lobby na capital americana, ele acenava com a possibilidade de um encontro privado com o presidente Bush. Preço da brincadeira: US$ 9 milhões. Dez meses depois da oferta, Bush recebeu no Salão Oval, em maio de 2004, o presidente Omar Bongo, do Gabão. A Casa Branca, que sempre criticou a política de direitos humanos do país africano, disse que foi um encontro de rotina. Não há registro que Abramoff tenha arranjado o encontro ou mesmo assinado o contrato com o Gabão. Abramoff também fez lobby para o presidente Mobutu Seko, do Congo, mais um país que não prima pelo respeito aos direitos humanos.
Um outro sócio de Abramoff era um ex-funcionário federal. David Safavian foi preso em setembro passado por obstrução da Justiça e falso testemunho. O lobista adorava uma sociedade ou um testa-de-ferro. Michael Scanlon, também sócio, declarou-se culpado de tentativa de suborno e fez acordo. Ele foi porta-voz e assessor de imprensa de Tom Delay. Foi denunciado ao FBI pela ex-noiva depois que ele rompeu o noivado. Alguém já viu esse filme?
Scanlon aceitou devolver US$ 19,5 milhões às tribos que ele enganou. Abramoff vai devolver outros US$ 25 milhões. Os dois lobistas cobraram mais de US$ 80 milhões dos índios ao longo de três anos.
Washington está em pânico. Pelo menos 12 congressistas estão na linha de tiro. Até agora, 17 funcionários do Congresso e mais dois da administração Bush estão sob investigação federal. Tem gente abrindo o bico, na esperança de diminuir o tempo de condenação. Analistas políticos dizem que esse pode ser o maior escândalo dos últimos 50 anos, mais de 60 pessoas estariam envolvidas no esquema.
Os democratas estão adorando, menos alguns poucos que receberam doações de campanha dos amigos de Abramoff. A líder dos democratas na Câmara, Nancy Pelosi, acusou os republicanos de instalarem uma cultura de corrupção. Ela acrescentou: “Este Congresso republicano é o mais corrupto da história”. 2006 é ano de eleição para o Senado e a Câmara, que serão renovados parcialmente por aqui. Os democratas estão sentindo que podem retomar o controle das duas casas.
No Senado, o cenário para os republicanos não é melhor. O líder Bil Frist também está sob investigação. Andou vendendo ações de uma empresa de hospitais antes que elas coincidentemente se desvalorizassem. Ainda assim ele se sentiu à vontade para votar assuntos relacionados à saúde pública.
Qualquer semelhança com mensalão, Marcos Valério e dólar na cueca não é mera coincidência. Na América, money é coisa séria e dá cadeia, pelo menos pra uns.
Deixe um comentário