Antes de se iniciar na vida política, o hoje deputado distrital Chico Leite era promotor de Justiça. E, como promotor, atuou no caso do assassinato do estudante Marco Antônio Velasco, em 1993. O caso chocou a cidade. Com apenas 16 anos, Marco Antônio foi espancado até a morte por uma gangue. Animais. Quem espanca alguém até a morte não pode ser chamado de ser humano. Mas eram animais de classe média. Que tiveram bons advogados. Apesar da comoção que o caso criou, da pressão exercida pela sociedade, não foi fácil condenar os integrantes da gangue. Ao final de um processo custoso, porém, Chico Leite e os demais integrantes da acusação conseguiram condenar os assassinos de Velasco a 21 anos de prisão. Infelizmente, a Justiça brasileira é permissiva e frouxa, e os assassinos já estão soltos. Mas a condenação na Justiça aconteceu.
Hoje na Câmara Legislativa, Chico Leite encontra algumas semelhanças entre o caso que lhe deu notoriedade como promotor e o que enfrenta agora como deputado, desde que os vídeos produzidos por Durval Barbosa escancararam o esquema de mensalão montado pelo governador José Roberto Arruda para encher de propina os bolsos de boa parte dos deputados da sua base de sustentação, de variados partidos. Agora, a comoção é política. Uma população indignada pelas imagens dos vídeos. Por mais que Arruda distribua aos funcionários do GDF adesivos pedindo que ele fique, é a população mesmo, ou ele não teria caído nas pesquisas de mais de 40% das intenções de voto para pouco mais que 5% (é muito mais fácil a população ter visto a edificante imagem dele recebendo uma bolada de Durval do que estar informada do fato de que ele não pode mais ser candidato em outubro).
Manifestações variadas contidas de forma violenta pela polícia. E, de novo, dificuldades semelhantes, ou mesmo bem maiores, de condenação. Arruda não apenas tem condições de pagar bons advogados. Mas tem o poder de manter uma base de sustentação fiel, que tem se mostrado capaz de tudo na Câmara Legislativa para protegê-lo. Como levar Arruda agora à condenação, é no que tem pensado Chico Leite.
De novo, como no caso Velasco, a comoção pública parece um fator fundamental para possibilitar a condenação. Valéria Velasco, a mãe de Marco Antônio, e outras mães que perderam seus filhos em casos incompreensíveis de violência, hoje estão organizadas em associações que lutam para evitar que novas tragédias aconteçam, e para fazer com que a Justiça, de forma mais dura, puna para valer os agressores. Agora, condenar Arruda, possibilitar a sua punição política e tentar fazer com que ele e os demais envolvidos paguem pelo que aconteceu, vai depender da pressão da sociedade.
Chico Leite considera extremamente difíceis as possibilidades de sucesso da empreitada na atual conformação da Câmara. A maioria governista é muito ampla. A oposição tem apenas cinco deputados. Chico tem defendido uma tese que vai tentar emplacar agora, com o fim do recesso do Judiciário. Baseado no que aconteceu em Rondônia, quando 23 dos 24 deputados estaduais estavam envolvidos numa denúncia de corrupção, Chico quer levar adiante a tese de que a abertura de processo contra Arruda pode ser autorizada pelo Judiciário sem necessidade de aprovação da Câmara Legislativa. A ideia é usar como jurisprudência o que houve em Rondônia.
No caso de Rondônia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a prisão dos deputados envolvidos sem necessidade de licença da Assembleia Legislativa. Afinal, se 23 dos 24 estavam no rolo, o resultado de qualquer pedido de licença já era conhecido antes mesmo do julgamento: evidentemente, seria negado. No recurso, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento do STJ.
Em Brasília, podem não ser todos menos um. Mas é quase isso. Os deputados da base governista têm demonstrado uma disposição sem limites para inocentar Arruda, não importando o tamanho do ônus que isso possa provocar na opinião pública. É um reflexo do tamanho do esquema e da proporção do envolvimento. Se, num ano eleitoral, deputados parecem não se importar com o desgaste das atitudes que têm tomado na defesa de Arruda é porque, provavelmente, ainda há muita coisa grave para vir à tona, que eles se empenham em esconder. Esse empenho sem limites e a maioria folgada de Arruda geram situação semelhante à de Rondônia: se o colegiado perdeu a isenção para julgar o caso, que se dispense o colegiado.
Chico Leite diz que tem conversado com juristas sobre a tese, e acha que ela vem ganhando força. Ao contrário de Joaquim Roriz, Arruda não teria o mesmo domínio sobre o Judiciário (na verdade, ao que parece, a força de Roriz no Judiciário ele herdou do amigo que o indicou governador do Distrito Federal pela primeira vez, José Sarney). Haveria melhor possibilidade de as coisas evoluírem bem ali.
A busca dessa solução pela Justiça não inibe, porém, as tentativas pela via política, apesar da dificuldade. Chico imagina que, mesmo ali, a posição de Arruda possa se enfraquecer à medida em que for se aproximando a eleição. Não apenas pela pressão da sociedade, mas pelo fato de que Arruda, sem partido, perde vigor na correlação de forças. “O único caminho possível de sucesso conjuga pressão popular, manutenção das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público (que podem gerar fatos novos e aumentar o desgaste), e interlocução permanente com o Judiciário. A coisa já é difícil. Se torna impossível se uma dessas três peças falhar”, considera Chico Leite.
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