Um projeto de lei que anistia multas por desmatamento, uma proposta de decreto que torna inválidas normas mais rigorosas contra crimes ambientais e um projeto que abre a possibilidade de municípios diminuírem áreas de preservação permanente. Essas são algumas das respostas que o Senado pode dar à sociedade no momento em que se discute a necessidade de instrumentos mais eficientes de prevenção dos desastres em áreas de risco. Incoerência ou, como alegam os que defendem os projetos em discussão, simples adaptação à realidade, uma vez que as normas que existem hoje não são cumpridas?
As propostas estão na lista de projetos e outras proposições legislativas sobre desastres naturais, mudanças climáticas e habitabilidade em tramitação no Senado. A lista, divulgada pela Casa na semana passada, traz ao todo 68 proposições. Entre projetos que deduzem do Imposto de Renda doações a fundos de defesa civil ou outros que propõem sorteios exclusivos da Megasena para angariar recursos para vítimas de enchentes, estão também propostas que tornam mais flexíveis a legislação ambiental.
Uma delas, o PLS 144/2010, tenta ajustar as dimensões da reserva legal à realidade no campo, o que pode ocasionar a perda de áreas de floresta no país. Em propriedades na Amazônia Legal, por exemplo, onde a legislação atual prevê reserva legal equivalente a 80% da área da terra, o projeto propõe que essa reserva possa ser de apenas 25%, quando a posse tiver ocorrido pela primeira vez até 14 de setembro de 1965.
Essa proposta, na realidade, busca uma solução para um impasse existente há anos no meio rural. Por muito tempo, homens do campo foram incentivados a desmatarem suas terras para terem o direito de permanecer na propriedade. Mas, ainda que busque modificar distorções, o projeto traz pontos anacrônicos como a anistia total e irrestrita a desmatamentos ilegais, sem especificar critérios.
Outra proposta também polêmica, o PDL 2007/2008, suspende os efeitos do decreto de crimes ambientais (Decreto 6.514/2008), que torna mais rigorosas as punições para aqueles que desmatarem, que traficarem animais, que depredarem patrimônio cultral ou cometerem outros crimes contra o meio ambiente. O projeto torna inválido o processo administrativo federal para apuração dessas infrações ambientais, previsto no decreto.
Também questionável é o projeto de lei que retira do Código Florestal (Lei 4.771/65) a prerrogativa de delimitar os limites de áreas de preservação permanente em municípios. O PL 107/2009 propõe que a delimitação de APPs em zonas urbanas passa a ser regida pelos planos diretores de leis de uso do solo dos respectivos municípios. Na prática, a proposta possibilita diminuir áreas de preservação, o que pode trazer consequências.
Anistiar multas por desmatamento ilegal, tornar menos rigorosa a legislação ambiental e abrir brechas para reduzir áreas de preservação em municípios seriam respostas coerentes do Congresso aos desastres ambientais que todos os anos assolam o país? Projetos como esses sinalizam descompasso com políticas de prevenção de tragédias ou vale mesmo o argumento de que são simples adequação das normas à realidade?
Nas últimas semanas, diversas análises e constatações têm sido feitas a respeito da relação das tragédias na região Sudeste do país com a legislação ambiental brasileira. As leis que regem o meio ambiente no Brasil são consideradas as mais rigorosas do mundo, mas, apesar disso, o país – por histórico comportamento de descumprimento de leis e por incapacidade dos gestores de efetivarem as normas – não tem tornado concretas as medidas de prevenção previstas na legislação ambiental brasileira.
Mudar essa legislação para adequá-la à realidade seria uma medida coerente do Congresso? Será mesmo que a resposta que deputados e senadores devem dar à sociedade é tornar menos rígidas as normas ambientais, diante da constatação de que elas não são cumpridas? Ou o fato de adequar as leis à realidade é uma decisão necessária para reduzir distorções existentes no sistema legal brasileiro? O Congresso Nacional precisa aprofundar esse debate e a sociedade tem pressa.
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