Luís Cláudio Guedes*
A desilusão do eleitorado com os seus eleitos e, o que é pior, a ameaça de omissão diante da tarefa sempre cansativa de consolidar o processo democrático no país são alguns dos efeitos previstos para esse período pós-crise política do mensalão. Os candidatos a deputado já começaram a bater perna por aí, vendendo o peixe de suas promessas para um público frio e pouco receptivo, nauseado que está com o odor desagradável que exala das nossas casas legislativas – Congresso Nacional à frente.
Cabalar votos será uma rotina mais árdua para o pessoal do PT, pela óbvia necessidade de explicar as más condutas de gente como Delúbio Soares e Sílvio Pereira e a metamorfose do partido após chegar ao poder central, mas não é só. Os políticos perderam a sintonia com a opinião pública. Logo eles, responsáveis que são pela missão de incutir na consciência nacional o otimismo no porvir e a crença de que há, sim, caminhos possíveis para um país melhor e mais justo.
Começam a ganhar corpo em certos setores da classe média as campanhas para a anulação do voto nos deputados. É gente que tem acesso à informação do dia-a-dia da vida nacional e à internet, instrumentos que utiliza para realizar correntes em que denuncia as malandragens dos políticos e a pregação do voto nulo nas eleições proporcionais. Notícias de que os deputados e senadores recebem 15 salários por ano e ainda contam com a remuneração extra pela convocação extraordinária circulam como rastilhos de pólvora e colaboram para levar a indignação dessa parcela do eleitorado a níveis nunca vistos.
Um dos fatores a inibir a pregação do voto nulo, porém, é uma certa convicção de que tais iniciativas não animam aquelas camadas da população mais expostas às facilidades oferecidas pelos candidatos, os velhos favores e benefícios em troca do voto de que se utiliza um certo tipo de vigaristas da política – gente que sempre dispõe dos "argumentos" que lhes permite comprar o passaporte para o mandato parlamentar, paraíso da imunidade para bandidos e espertalhões que se travestem de representantes do povo.
Achar que o eleitorado mais pobre não sabe votar é argumento falacioso, já que nenhum cuidado na escolha garante o atestado de boa conduta que se espera dos eleitos. Todo voto embute esse risco, o que não deve servir como peça de defesa aos que pregam a saída sempre mais fácil da omissão no processo eleitoral.
E aí surge uma questão de suprema importância: em vez da recusa pura e simples da participação no processo democrático, do uso legítimo do direito ao voto, não seria melhor partir para o trabalho da escolha mais cuidadosa dos candidatos em quem votar? Uma saída possível seria não votar em quem já tem mandato como forma de se promover a renovação total do parlamento, mas ainda assim injusta com o muito de trigo que busca a reeleição e se perde em meio ao joio da nossa política.
PublicidadeA questão crucial que se coloca é a de que o eleitor que se diz indignado a ponto de se negar o direito ao voto é quem mais pode colaborar para a mudança desse estado de coisas e a conseqüente redução dessa indignação. Virar as costas para o problema vai agravá-lo ainda mais, sem contar que o eleitor mais instruído está, em tese, menos vulnerável aos aventureiros de plantão.
É gente que pode, só para ficar num exemplo concreto, caçar nas urnas o direito a um novo mandato para o atual deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), réu confesso de ter recebido dinheiros do esquema Marcos Valério e que foi poupado pelo espírito de corpo dos seus pares (parceiros talvez fosse mais exato) na Câmara dos Deputados. Ou ainda impedir o retorno de Severino Cavalcanti e Waldemar Costa Neto e outros tantos que utilizaram o recurso da renúncia ao mandato para fugir da cassação – confiantes na pouca memória do eleitor e no poder financeiro nas campanhas eleitorais.
A boa notícia é que pode haver luz no fim do túnel. O Congresso acaba de votar propostas saneadoras como a que reduz o recesso parlamentar de 90 para 55 dias e a aprovação em primeiro turno do não pagamento para as convocações extraordinárias . O surto moralizador parece ser resultado do que ouviram nas andanças pelas bases: o eleitor está de péssimo humor com a atuação do Congresso, o que fez acender a luz amarela.
Está aí uma mostra de que ninguém deve abrir mão do direito de escolha. Não fazer uso da prerrogativa do voto só vale para situações muito especiais, como foi o caso do período do regime militar aqui no Brasil, quando ir às urnas traduzia um recado à ditadura. Agora não. O voto deve ser utilizado para punir os traidores da nossa confiança. Não é por outra razão que o PT vai sair menor das urnas em outubro próximo.
É certo que sempre há o risco de o próximo Congresso ser ainda pior que o atual. Mas é preciso corrê-lo, pois a democracia é construída na dialética dos nossos erros e acertos. Nossa omissão, ainda que justa, só vai contribuir para pender a balança ainda mais para o lado em que estão nossos desacertos, além de adiar para mais longe o projeto de país com o qual sonhamos.
*Luís Cláudio Guedes é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), ex-repórter do Jornal Opção, de Goiânia, e mantém o blog http://luisclaudioguedes.zip.net.
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