Renato Casagrande*
A onda de denúncias e acusações que se abateu sobre o Senado Federal está causando grave efeito colateral: multiplicam-se no país propostas de mudança no atual sistema bicameral, com a extinção da chamada Câmara Alta. Críticos apressados ou mal intencionados confundem, assim, causa e efeito, e colocam em risco instituição fundamental para o equilíbrio federativo. O que vivemos hoje, no Senado, é uma crise ética, administrativa e política. São graves as denúncias que pesam sobre o presidente Sarney, assim como são inaceitáveis as práticas que se desenvolveram fora do controle da sociedade e à margem do Regimento. Mas, ao combater essas práticas, não podemos permitir que o remédio mate o doente.
Em uma república federativa como a que temos, e em país com as dimensões territoriais e as desigualdades regionais do Brasil, o que garante o equilíbrio da representação estadual é justamente o Senado. Na Câmara, essa representação é proporcional à população de cada estado. Assim, São Paulo, por exemplo, tem bancada de 70 deputados, enquanto o Espírito Santo conta com apenas dez. É no Senado que se compensa essa desigualdade, com três representantes para cada unidade federada. De maneira quase simplista, é possível dizer que na Câmara se expressa a vontade dos eleitores, enquanto no Senado ouve-se a voz dos estados. Por isso, acabar com essa instância do Legislativo seria condenar estados com menor densidade populacional, como o Espírito Santo, a posição eternamente periférica, tanto no debate dos grandes temas nacionais quanto na disputa por projetos e recursos federais. Sem falar que essa discussão pode ocultar risco ainda maior. Como disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, a proposta de extinção do Senado pode derivar para um movimento pelo fim do próprio Parlamento, o que só interessa aos inimigos da democracia.
Precisamos, sim, fechar os ralos da corrupção e da leviandade administrativa, acabar com privilégios e construir mecanismos eficientes para que a sociedade fiscalize atos e práticas do Legislativo, em todas as instâncias. Mecanismos como o Portal da Transparência, proposto por nós e já implantado pelo Congresso Nacional. Da mesma forma, precisamos ter a firmeza necessária para romper com o espírito corporativo que acoberta desvios éticos, aplicando com o devido rigor os instrumentos punitivos de que já dispomos.
São decisões necessárias e urgentes, que vão fortalecer o conjunto do Legislativo e a própria democracia brasileira, garantir o equilíbrio da representação federativa e firmar condições para que a vontade dos eleitores seja efetivamente respeitada. Já a proposta de unificação do Parlamento federal, com extinção do Senado, ecoa apenas as vozes da discriminação, que gostariam de dar aos grandes estados do Sudeste poder ainda maior para definir os investimentos públicos e a distribuição da riqueza produzida no país, em prejuízo de estados e regiões de menor densidade populacional ou que foram deixados à margem do processo de desenvolvimento nacional.
*Renato Casagrande é senador da República pelo PSB do Espírito Santo.
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