Marcos Magalhães* |
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Uma CPI, com todos os seus encantos policiais e pedagógicos para o país, tem sempre um jeitão de UTI. Quando se chega à terapia intensiva, a saúde está para lá de delicada e, na maioria das vezes, já escorreu muito sangue sem que ninguém soubesse. Dezenas de exames precisam ser feitos, mil cuidados são tomados e, quando se tem sorte, a vida é preservada – apesar da perda de alguns quilos no meio do caminho. Uma comissão parlamentar de inquérito também procura garantir acompanhamento permanente do uso que se faz do dinheiro público. Quebram-se sigilos bancário e telefônico, interrogam-se testemunhas, enviam-se relatórios ao Ministério Público. Com sorte, encontram-se os culpados de desvios de recursos e eles respondem a processos na Justiça. Mas quantos reais já não teriam sido desviados, em cada caso analisado, antes mesmo de alguém pensar na criação da CPI? Publicidade
Em outras palavras, promover CPIs muitas vezes é um ato necessário, embora possa também representar uma certa busca do tempo perdido. No momento em que o país vive uma angustiante falta de recursos para os programas mais básicos de educação, saúde e transportes, por exemplo, seria necessário voltar os holofotes igualmente para uma ação preventiva de salvaguarda do dinheiro dos contribuintes. A palavra-chave aqui deve ser a transparência. O cidadão brasileiro não sabe o quanto paga de impostos e conhece menos ainda onde são aplicados os reais que deixa todos os meses nos governos municipal, estadual e federal. Publicidade
Uma recente exposição promovida por entidades empresariais demonstrou o susto que os brasileiros levam quando conhecem o valor dos impostos embutidos em cada produto que adquirem. Esses impostos camuflados levam para os cofres públicos recursos que, algumas vezes, podem cair nas mãos de funcionários envolvidos em negócios obscuros como os que serão agora investigados pela CPI dos Correios. O ciclo de transparência poderia começar com a garantia a cada cidadão de saber o quanto paga de impostos aos governos – nos três níveis – em cada transação que faz. Seja na farmácia, no supermercado ou mesmo na criação de uma pequena empresa. Cada nota fiscal, por exemplo, poderia indicar o imposto embutido no valor do produto comprado na esquina. Vários outros países já adotam esta prática. PublicidadeUma outra medida poderia ser a divulgação obrigatória, pela internet, de todas as despesas realizadas por uma prefeitura, um governo estadual ou pelo governo federal. Compram-se 50 carteiras escolares? Os contribuintes interessados saberão. Investe-se na recuperação de uma rodovia? Quem tiver o acesso a um computador poderá saber por quanto e a quem se pagou. Dá trabalho? Certamente. É claro, também, que, mesmo no momento em que uma grande estrutura de divulgação como essa for montada, surgirão sempre novos meios de tentar esconder a corrupção. Mas provavelmente valeria a pena tentar. No mínimo, poderia se estimular a criação, no país, de grupos formais ou informais de vigilantes da atuação de cada governo. Poderia se tentar um terceiro movimento. Se os recursos são escassos para os programas mais emergenciais deste governo, dos anteriores e, provavelmente, dos próximos, pode ser o momento de se deixar claro para a sociedade quais pessoas, instituições e organizações deixam de recolher parte de seus impostos e contribuições – e com que finalidade. Existem no Brasil inúmeras modalidades de incentivos e renúncias fiscais. Mesmo que todos esses recursos sejam utilizados com a finalidade prevista na lei, ainda assim poderia ser útil conhecer quanto deixou de ser arrecadado e para quê. Um caminho para isso seria a criação de orçamentos públicos – da União, dos estados e dos municípios – destinados unicamente a informar à sociedade o montante de recursos que não estarão à disposição de cada governo para colocar em prática as suas políticas, mas sim nas mãos dos beneficiados pelos incentivos. Nenhuma dessas iniciativas poderá, naturalmente, tomar o lugar das comissões parlamentares de inquérito. Se as CPIs procuram, porém, corrigir distorções em casos agudos de desvios de recursos, como em uma UTI, essas e outras medidas de transparência que puderem ser imaginadas e implantadas ao longo dos próximos anos poderiam garantir maior transparência da arrecadação e do gasto do dinheiro do contribuinte desde o primeiro momento. Como em um envidraçado berçário. |
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