Como todo bom médico, a análise política deve começar por um diagnóstico o mais próximo da realidade possível.
Nessa época de hiperativismo online, onde a reflexão é baixa, as discussões rasas e as opiniões expostas em 280 toques do Twitter, talvez seja mais importante fazer as perguntas essenciais, antes de avançar nas respostas.
Qual é o estado da arte do Brasil no início de 2019?
Como dizia Ulysses Guimarães, vamos a V. Excia. “os fatos”. A não ser que também se queira brigar com a realidade. O desemprego continua altíssimo. As desigualdades ainda são escandalosas. Crianças e jovens são formados num sistema educacional com graves problemas de qualidade. Os vazios assistenciais do SUS são enormes. O crime organizado estabelece ordem constitucional própria paralela. O crescimento econômico é pífio. A década de 2010 está perdida. O crescimento médio será de cerca de 1%. Os governos estão falidos, sufocados por grave crise fiscal. O IBOPE registra queda súbita de popularidade de Bolsonaro. Ufa… Precisa mais?
A clássica pergunta: O que fazer? A quem cabe dar uma guinada? Às instituições, ao sistema decisório, portanto, aos políticos.
“Mas os políticos não prestam”. “Não tem um que salve”. “Não queremos experiência, vivência, biografia, legado”. “Queremos uma nova política”. Estes não foram os bordões de 2018? Não há velha ou nova política, existe boa e má. E mais, fora da democracia não há salvação.
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Mas o que a “nova política”, inaugurada em 2019, tem nos oferecido?
A temperatura da Marcha da Insensatez subiu muitos graus nos últimos dias. O Presidente não consegue descer do palanque e largar o celular. Cutucou Temer e Lula numa fala para empresários, portanto alfinetou MDB e PT. Ele e sua turma assestaram baterias em cima de Rodrigo Maia, que heroicamente tenta suprir o déficit de articulação política do governo.
O ápice foi a espetada de Bolsonaro relacionando a derrota na votação da PEC que engessou ainda mais o orçamento – espetacular irresponsabilidade da Câmara para impulsionar a Nau dos Insensatos – com abalos pessoais por conta da prisão de seu quase sogro Moreira Franco. A resposta dura de Maia foi: “São 12 milhões de desempregados, 15 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza e o presidente brincando de presidir o Brasil”. Será que o Presidente quer aprovar as reformas no Congresso ou não entende nada de articular base de apoio, após 30 anos de vida parlamentar?
Parou aí? Não. A ênfase nas comemorações do golpe de 1964, assunto já pacificado pela anistia, jogou mais lenha na fogueira. O núcleo de ministros discípulos de Olavo continua produzindo gestos inúteis a cada dia. Paulo Guedes, por quem torço radicalmente, acendeu os sinais amarelos do mercado ao dizer que só queria servir e que “se ninguém quiser o serviço, vai ser um prazer ter tentado”. Mas também errou ao caracterizar no Senado o governo FHC – do Plano Real, da responsabilidade fiscal e das privatizações – como socialista.
O Governo tem que governar, é óbvio. Mas não parece para Bolsonaro. A tarefa número um é fazer as reformas. Mas o próprio governo em uma semana cutucou MDB, PT, Rodrigo Maia e seus inúmeros liderados, PSDB, a “velha política” supostamente encastelada no Congresso.
A marcha da insensatez e sua nau têm dificultado enormemente aqueles que se esforçam para serem otimistas.
O problema é que o governo enxerga com distinção as diversas camadas da população e aplica a cada uma delas uma diferente reforma. Deste modo o governo não convence nem os idiotas, pois privilegia alguns setores e massacra outros vergonhosamente. Faz o papel do tigrão/tchutchuca.