Osvaldo Martins Rizzo*
A confraria financeira internacional está atônita. Um dos maiores bancos de investimento do mundo – o Bear Stearns – entrou em processo de insolvência e faliu em menos de três dias. Enroscado em uma teia de papéis de derivativos de crédito sem lastro, a instituição passou a perder a confiança dos investidores e, em menos de 72 horas, quebrou. Como se sofresse um enfarto fulminante, o quase centenário banco nem chegou a agonizar.
Segundo o FMI, o mercado financeiro internacional gira três vezes mais recursos do que o PIB mundial. Diariamente, papéis representando bilhões de dólares são comercializados com a única garantia implícita de que os participantes da operação honrarão seus compromissos. Quando alguém suspeita de algo, a confiança some instantaneamente e prevalece o “salve-se quem puder”.
Muitos aplicadores que, até às vésperas da bancarrota, possuíam cotas dos fundos mútuos administrados pelo banco, enxergando uma oportunidade de auferir lucros, as venderam e passaram a apostar contra o Bear Stearns acelerando a sua quebra. Como chacais famintos, esses ex-parceiros decidiram que a caça estava ferida e mataram-na, temporariamente saciando sua sede de sangue.
Jogadores compulsivos viciados em carteado, os altos dirigentes do banco falido apostaram pesado em bônus privados de alto risco e perderam. Avaliado em cerca de 10% das reservas brasileiras, o colchão de liquidez do banco foi consumido em menos de 48 horas, revelando-se insuficiente para conter a fuga de capitais. Milhares de pessoas perderam seus empregos.
Para mitigar o risco sistêmico, numa operação de socorro que não se via desde a Grande Depressão da década de 1930, montada em um domingo, o Banco Central dos EUA (o Fed) emprestou dinheiro do contribuinte para que outro banco (o JP Morgan) comprasse as ações do Bear Stearns por um preço inferior ao de um hamburger.
Como um gigante desmorona assim tão rapidamente? O que deu tão errado?
PublicidadeUma das principais características do atual período econômico é a predominância de comportamentos focados na obtenção de ganhos financeiros no curto prazo, o que prioriza a aplicação em papéis de alta liquidez. A enorme e generalizada desconfiança faz com que ninguém queira acabar com o papel micado na mão, daí a exigência pela liquidez imediata. Segundo um ditado árabe “o capital financeiro é como o vento, só entra onde pode sair rapidamente”.
Para tentar saciar a gula dos investidores, alguns pré-enfartados executivos adotam táticas que incluem, até mesmo, fraudar os dados contábeis das empresas visando o anúncio de pseudos lucros suficientes para inflar o valor das ações. Descoberta a fraude, gera-se desconfiança naqueles mesmos que, até então, pressionavam pela obtenção de taxas de retorno acima da média.
Nesse imediatista ambiente de negócios movido pela especulação predatória, e também por vários estimulantes químicos de uso ilegal, não se valoriza a produção; o trabalho árduo e a perseverança em se alcançar metas gratificantes de prazos mais longos. Esses valores são considerados decadentes e, no Brasil, são chamados de “coisas dos anos 50” pelos defensores desse estéril, mas “avançado” modelo.
Entorpecidos pelos efeitos alucinógenos causados pela insana ganância, os financistas estão esquecendo que terras, casas, prédios, máquinas, etc são os verdadeiros e únicos ativos. Os papéis (bônus; ações; títulos; etc) não são bens, mas apenas indicam quem é o proprietário deles num determinado momento histórico. O valor do título de propriedade como objeto é ínfimo perante o bem material correspondente.
A realidade da Petrobras, por exemplo, são as suas instalações fabris (plataformas de extração de petróleo; refinarias; oleodutos; etc) capazes de gerar riqueza, e não as suas ações que trocam de mãos nos pregões todo dia. Se uma praga de traças roesse todas as ações, a Petrobras poderia continuar a produzir. Contudo, se as instalações fossem destruídas por bombardeios aéreos, as ações por si só não gerariam outra petrolífera.
Os ativos reais constituem-se na verdadeira riqueza nacional e o estoque de capital fixo é o resultado da produção passada. Por sua parte, a riqueza financeira representa apenas a maneira como os títulos de propriedade são convencionalmente estabelecidos em relação aos bens reais.
Um grande banco de investimento não existe mais. Certamente a humanidade não sentirá sua falta.
*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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