Extratos bancários, contas telefônicas e cópias de cheques comprometedores não têm deixado muitos espaços vazios na agenda política. Por isso, pode passar em branco, no Congresso Nacional, o episódio do vazamento das discussões internas do governo a respeito de uma próxima rodada de abertura comercial do país. É pena, porque poucos assuntos terão tanta importância na definição do perfil econômico do Brasil ao longo das próximas décadas.
Segundo proposta inicial elaborada pela equipe econômica, a alíquota máxima do Imposto de Importação cairia dos atuais 35% para 10,5%. Mas isso ocorreria dentro de um período de 10 anos, como parte de um amplo processo de negociação comercial internacional na chamada Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC). A redução de alíquotas teria como contrapartida maior abertura dos países industrializados em relação aos produtos agrícolas.
Logo após a divulgação dos primeiros estudos sobre o tema, industriais de São Paulo reagiram duramente à proposta. Criticaram especialmente o argumento de que a ampliação da abertura ajudaria a tornar a indústria brasileira mais competitiva. Para os industriais, o governo não teria como exigir maior competitividade das empresas nacionais ao mesmo tempo em que as sufoca com uma enorme carga tributária, uma burocracia perversa e juros quase incomparáveis no mundo.
O palco estaria montado para um bom debate, se as atenções não estivessem tão voltadas para mensalinhos e mensalões. De um lado, os chamados nacionalistas – especialmente aqueles mais ligados ao meio industrial de São Paulo, que poderia ter mais a perder com a eventual nova rodada de abertura. De outro, economistas apontados como liberais – ligados a uma escola predominante no Ministério da Fazenda desde a posse do ex-ministro Pedro Malan – e que apostam em maior exposição ao mercado internacional como instrumento de modernização do país.
Até poucos anos atrás, a filiação a uma das duas correntes poderia parecer mais óbvia do que é hoje. Qualquer pessoa com um passado minimamente de esquerda veria com desconfiança qualquer proposta “entreguista” de desmontagem das muralhas protetoras da indústria nacional. Só que agora a sugestão de redução de alíquotas parte de um governo historicamente identificado com a esquerda e enfrenta resistências de empresários supostamente mais ligados ao centro.
A abertura inaugurada por Fernando Collor também foi duramente criticada há 15 anos. E poucos deixarão de notar os enormes ganhos de produtividade da indústria brasileira ao longo de todo esse período. Se o país ainda não alcançou o patamar de emergentes asiáticos como Coréia e China, já se firmou como fornecedor internacional de produtos como aviões e telefones celulares.
Por outro lado, têm razão os industriais quando se queixam dos altos juros, da montanha de diferentes impostos e da burocracia que ainda exige dos candidatos a novos negócios fôlego de maratonista. Se as condições do jogo são tão mais desfavoráveis do que as dos adversários, ficaria mesmo difícil entrar em campo com boas chances de vitória.
PublicidadeFicaria, se as condições não vierem a mudar ao longo dos próximos anos. E aqui estariam os melhores pontos a explorar no debate político sobre o tema. A queda do Imposto de Importação, afinal, seria gradual e lenta, ao longo de toda uma década. Período suficientemente longo para que as indústrias se preparem para a nova onda de abertura. Desde que, é claro, o mesmo período seja utilizado para mudar as regras que deixam em desvantagem as empresas brasileiras.
Os 10 anos da nova abertura deveriam coincidir com uma nova rodada de reformas – destinadas, principalmente, a tornar mais atrativa a vida de quem pretende investir no país. A começar por uma reforma tributária de verdade, destinada não apenas a reduzir o peso dos impostos, mas a simplificar o trabalho de quem os paga. A redução da burocracia deveria ser igualmente levada a sério. E as taxas de juros naturalmente também teriam de encontrar seu caminho de queda, paralelo – se tudo correr bem até lá – à redução do percentual da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
Dois outros pontos seriam obrigatórios nesta nova agenda. Um deles é a urgente necessidade de elevação da qualidade do ensino básico brasileiro – sem a qual nenhum processo de renovação industrial poderá ter sucesso. E o outro é o estímulo à inovação e à pesquisa. Mesmo com juros baixos e impostos camaradas, não terão sucesso em um mercado global ainda mais liberalizado as empresas que não apostarem na inovação tecnológica.
Se o debate sobre a ampliação da abertura econômica conseguir despertar alguma atenção do meio político, neste momento de crise, além de atrair para a agenda nacional a discussão de uma nova onda de reformas, já terá exercido um papel importante na modernização da economia brasileira.