Paulo Kramer*
Toda eleição confirma uma verdade que desafia os cientistas políticos: a política está mais para arte do que para ciência. Nas experiências de laboratório das ciências naturais, por exemplo, uma mesma fórmula repetida à exaustão, sob as mesmíssimas condições, leva necessariamente à produção dos mesmos resultados. Já aquela receita adotada como remédio milagreiro numa campanha eleitoral pode se converter, ainda que aplicada na mesma dosagem, no mais letal dos venenos em outra disputa.
Afinal, em que manual de culinária eleitoral é possível encontrar a dose exata de simpatia e ousadia numa campanha? Nunca se sabe, porque toda eleição é diferente da anterior e da que está por vir. A rigor, há apenas duas regras básicas para se ganhar uma eleição. A primeira é válida para qualquer dos turnos: vence quem oferece melhor visão de futuro. A outra se aplica sob medida para a disputa em segundo turno: ganha quem joga mais lama no outro e consegue se enlamear menos.
Um exemplo clássico do primeiro caso explica a eleição, em 1980, do ex-presidente Ronald Reagan nos Estados Unidos. Reagan, canastrão hollywoodiano, talvez um intelecto de segunda, mas decerto um temperamento de primeira, bem avaliado como governador da Califórnia nos anos 60, derrotou ninguém menos do que o respeitado Jimmy Carter (1977-1980), candidato à reeleição. Admirado por seus princípios éticos, Carter reunia as mais diversas habilidades para continuar à frente do cargo mais poderoso do mundo. Versado em teologia bíblica, ex-oficial de Marinha e engenheiro mecânico, tinha conhecimento para tratar com profundidade qualquer assunto, de questões ambientais a políticas de combate à pobreza.
Mesmo com menos instrução, Reagan soube, melhor do que Carter, oferecer ao eleitor uma perspectiva de futuro. E o fez por meio de uma mensagem que não poderia ser mais simples e eficiente: com a sua eleição, o cidadão norte-americano se sentiria mais próspero no plano doméstico e mais seguro e respeitado na esfera internacional. Ou seja, deu voz a tudo o que os norte-americanos queriam ouvir naquele momento.
Não podemos nos esquecer de que, no início dos anos 1980, os Estados Unidos vinham de três traumas: o escândalo de Watergate, que resultou na renúncia de Richard Nixon, a desastrosa guerra do Vietnã e o seqüestro de 52 cidadãos norte-americanos na embaixada do país em Teerã. Drama este, aliás, que só veio terminar após sofridos 444 dias, exatamente na posse de Reagan. Se Carter falhava no enfrentamento ao governo dos aiatolás, Reagan convencia o eleitor de que, com ele, a história seria outra.
Pensador político brilhante e historiador das idéias dos mais eminentes do século XX, o leto-britânico Isaiah Berlin (1909-1997), de Oxford, foi preciso ao assinalar que a política, na prática, pouco tem a ver com ciência positiva e muito com arte sutil, concluindo que o superior preparo intelectual do príncipe não é condição suficiente para assegurar seu sucesso na vida pública.
No ensaio "Discernimento político" (publicado em O sentido da realidade, Civilização Brasileira), Berlin sustenta que, se a política pudesse se resumir exclusivamente a uma ciência, os melhores acadêmicos dessa disciplina seriam necessariamente os candidatos mais fortes à Presidência ou ao Congresso norte-americano.
PublicidadeNesse mesmo texto, Berlin alude a dois dos políticos que mais admirava: o ex-presidente norte-americano Franklin Roosevelt e o ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill. Ávidos leitores de biografias de políticos, os dois souberam com raro talento conciliar o respeitável conhecimento que acumulavam à prática política, coisa que nenhum cientista político é capaz de ensinar.
Mas as sutilezas dessa arte nem sempre são percebidas pelos mais estudiosos. O dom artístico, é imperativo reconhecer, está muito menos distribuído do que a capacidade científica. Isso pode ser percebido facilmente na prática. É muito tênue, por exemplo, a fronteira entre o sucesso e o fracasso do candidato que adota uma postura agressiva nos debates na TV.
Vamos a um exemplo: restaurante Carpe Diem, Brasília, 1998. As mesas lotadas de petistas explodiam a cada estocada que o então governador Cristovam Buarque (na época, no PT), candidato à reeleição, desferia contra um abobalhado Joaquim Roriz (PMDB). Os gritos de "já ganhou" romperam aquela madrugada para tristeza de um ilustre petista, o deputado Sigmaringa Seixas.
Político dos mais experientes, Sigmaringa deixou o ambiente cabisbaixo, estampando um semblante que contrastava com a euforia dos companheiros, com a convicção de que a nítida supremacia de Cristovam sobre Roriz provocaria exatamente o efeito contrário ao pretendido. "Perdemos a eleição", confidenciou a um amigo. Não deu outra. O peemedebista virou uma eleição que parecia perdida porque o eleitor entendeu que o professor Cristovam havia abusado no debate. Deu-se ali um exemplo do que chamamos de síndrome do underdog (sub-cachorro). Muitos eleitores se identificaram com Roriz, a partir da percepção de que também não conseguiriam dialogar com o intelectual Cristovam, cujo comportamento lhes soou arrogante.
É do conjunto de experiências concretas como essas que os marqueteiros tiram suas conclusões. Mas o candidato só vai saber se usou a dose certa após o resultado das urnas. Mesmo porque o Sobrenatural de Almeida, responsável pelo inexplicável no futebol na visão de Nelson Rodrigues, também apronta das suas pelos campos da política. Como explicar, por exemplo, que o eleitor acreano tenha mantido a tradição de votar maciçamente nos candidatos petistas para governador e senador e dado a vitória, na eleição presidencial, a Geraldo Alckmin (PSDB) no primeiro turno?
Há quem atribua a votação expressiva de Alckmin no Acre à forte chuva que impediu os moradores das regiões mais isoladas de chegarem até o local de votação. Pobres, dependentes do Bolsa Família, seriam votos certos para Lula. Mas como explicar, porém, que essa mesma classe média acreana que teria depositado uma enxurrada de votos no tucano também tenha elegido, no mesmo instante, o governador Binho Marques (PT) e o senador Tião Viana (PT)?
Não é por outro motivo, senão pelas múltiplas possibilidades do imponderável, que, a 11 dias das eleições, nenhum especialista se arrisca a cravar o resultado do próximo dia 29, em que pese o cenário ser muito mais favorável hoje a Lula do que a Alckmin. Em política, só é possível fazer previsões mesmo sobre o passado.
Deixe um comentário