O desembarque de Joaquim Barbosa da corrida presidencial, poucas semanas depois de ter se filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), como o próprio ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou na terça-feira (8), causou alívio entre políticos. Em geral de forma reservada, parlamentares das mais diversas correntes políticas ponderaram que o temperamento difícil do ministro, que tem uma personalidade explosiva e demonstrou grandes dificuldades para se relacionar com autoridades e mesmo com advogados e jornalistas durante sua passagem pelo STF, era um fator de preocupação.
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Os temores se deviam, de um lado, ao alto potencial eleitoral que Joaquim demonstrava nas pesquisas presidenciais e, de outro, aos problemas que um chefe de governo inábil pode criar em um país complexo como o Brasil, conforme indicam a ascensão e a queda dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff, ambos considerados inaptos para a arte do diálogo.
Nem por isso o fantasma do presidente “pavio curto” foi afastado do cenário eleitoral. Para analistas políticos, um dos efeitos colaterais da retirada de cena de Joaquim Barbosa é o possível crescimento da candidatura da ex-ministra Marina Silva (Rede), que, embora alvo de muitas críticas, jamais teve sua imagem associada a um temperamento imprevisível. No entanto, também devem ser favorecidos, acreditam os analistas, dois candidatos com postura de confronto, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT).
Sem sequer ter iniciado atos de campanha, Joaquim apareceu com até 10% das intenções de voto na mais recente pesquisa Datafolha, bem acima de Ciro e de antigos pretendentes, como o ex-governador paulista Geraldo Alckmim (PSDB). Segundo uma importante liderança do Congresso, o seu “desequilíbrio” representava uma séria ameaça à estabilização política do país.
“Aqui pra nós, eu vi a decisão dele com alívio. Como presidente do Supremo, Joaquim Barbosa chegou a dizer, em tom de ameaça, que teria muito a revelar. Imagine eleito presidente da República…”, declarou a liderança, sob condição de anonimato, referindo-se ao episódio em que o então ministro do STF, filiado ao PSB desde 6 de abril, sugeriu saber de muitos “podres” da República. Joaquim jamais cumpriu a ameaça de revelar o que quer que fosse, mas elevou a temperatura de um ambiente político já tenso, no qual a instabilidade tem sido apontada como um dos grandes entraves para a retomada dos investimentos produtivos e do desenvolvimento econômico e social.
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A mesma liderança do Congresso lembrou à reportagem que Joaquim Barbosa deixou crescer por meses, tanto no PSB quando no próprio eleitorado, as expectativas sobre sua candidatura. Uma figura sem vínculo com a classe política tradicional – categoria extremamente rejeitada em nível nacional, com apontam todas as pesquisas de opinião –, mas que experimentou a atmosfera eleitoral sem sequer ter se dedicado à tarefa de construir pontes, em âmbito partidário, para viabilizar seu grupo político na corrida presidencial.
“Ele não tem equilíbrio [para a Presidência da República], não quer conversa com político. Graças a Deus, desistiu da eleição”, concluiu a fonte.
Mais contido na avaliação dos pontos vulneráveis de Joaquim Barbosa, o líder da minoria do Senado, Humberto Costa (PT-PE), concorda que Joaquim Barbosa acerta ao deixar o páreo, uma vez que não seria talhado para a lida político-eleitoral. “Era uma coisa esperada. Apesar de ser uma pessoa que se tornou uma celebridade, que tem uma respeitabilidade na sociedade, é alguém completamente fora da política, sem qualquer experiência administrativa. Sem qualquer perfil que permitisse administrar as contradições políticas que existem no Brasil. Acho que ele tomou uma decisão racional, inteligente”, arrematou o senador.
Em março, o comando petista recebeu pesquisas e análises de cenários que apontaram Joaquim Barbosa como o nome com mais potencial para frustrar as pretensões eleitorais dos demais concorrentes em 2018. Devido à sua trajetória de sacrifícios e à origem humilde, além do “perfil de centro-esquerda”, o ex-ministro figurou como o candidato com mais chances de atrair inclusive o eleitorado de um PT às voltas com a situação judicial do ex-presidente Lula, preso desde 7 de abril e que deverá ser impedido de se candidatura por causa da Lei da Ficha Limpa. O resultado da análise foi adiantado pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em 23 de março.
Raiva e messianismo
A decisão de Joaquim pegou de surpresa a própria direção do PSB, que já articulava uma equipe de campanha para Joaquim, e revirou o xadrez pré-eleitoral a cinco meses do primeiro turno. A depender dos parlamentares e cientistas políticos ouvidos pela reportagem, a desistência acirrará ainda mais a disputa por votos em uma corrida presidencial marcada pela revolta popular contra corruptos dos mais diversos partidos. Nesse sentido, os pré-candidatos Bolsonaro e Ciro Gomes, nomes de “pavio curto” como Joaquim, podem lucrar com o vácuo eleitoral.
Identificado com o combate à corrupção principalmente por antipetistas, o relator do mensalão do PT no Supremo é lembrado pelos discursos duros contra desmandos na administração pública e pelos confrontos, por exemplo, com colegas de toga como Gilmar Mendes durante julgamentos de plenário. Com sua saída do pleito, deixa “órfãos” eleitores que nele viam uma voz contra a classe política desviada e, nesse sentido, pode favorecer candidatos de campos extremos, uma vez que o eleitorado votará “com raiva”. A opinião é do professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Kramer, para quem a eleição de 2018, “infelizmente”, será marcada pelo voto de revolta contra o status quo.
“A gente precisa entender que a cabeça do eleitor mediano, como gosta de dizer a Ciência Política, ao menos no caso do Brasil, não se orienta por referenciais ideológicos clássicos, de direita ou esquerda, por exemplo. O eleitor, nesta eleição, está se orientando – ou se desorientando – pela raiva. Raiva dos políticos, da política, dos partidos, do Congresso etc. É o grande combustível do debate político-eleitoral deste ano”, observa Paulo Kramer, acrescentando que o fenômeno é compreensível.
Para o professor da UnB, os “órfãos” da natimorta candidatura do PSB deixarão sequelas. “Nunca antes na história do Brasil, como dizia alguém que está preso agora, o povo brasileiro teve tanto acesso a uma massa, a um bombardeio tão grande de informações sobre os malfeitos dos políticos e autoridades em geral. Isso gera essa raiva, e essa raiva gera uma demanda por messianismo”, acrescentou o cientista político, referindo-se à frase que Lula usava com frequência. Assim, avalia Paulo Kramer, candidatos como Bolsonaro e Ciro, conhecidos por seus discursos radicais nos respectivos campos ideológicos, podem ser beneficiados com a desistência de Joaquim Barbosa.
“A maior parte desse espólio [de votos] vai se dirigir, digamos assim, para candidatos mais extremados. Mas sempre sobrará alguma coisas para aquelas candidaturas mais mornas, tépidas, como a de Marina Silva, de um lado, e a de Geraldo Alckmin, de outro”, completou o professor.
No caso do último, contudo, o professor Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política da UnB, faz uma ressalva: “Se há uma candidatura frágil hoje, entre todas elas, de longe é a do Geraldo Alckmin. Ele conseguiu tirar o processo da Lava Jato para o Tribunal Superior Eleitoral, provisoriamente, mas o Ministério Público de São Paulo já pediu nova condenação dele por improbidade administrativa. E detalhe: ele está sem foro privilegiado. Então pode ser levado preso a qualquer momento”.
Joaquim longe da pancadaria
Se há concordância quanto ao fato de que a saída de Joaquim Barbosa do páreo é um fato relevante, que impactará fortemente os rumos da campanha presidencial, também existe consenso de que o cenário continua sendo bem mais imprevisível do que o das últimas seis eleições presidenciais, nas quais a disputa ficou polarizada entre PSDB e PT. Pela primeira vez desde 1994, os dois partidos correm o risco de ficar fora do segundo turno. Alkimin, pelas razões já citadas. O petismo, pelo veto legal à candidatura de Lula.
Ricardo Caldas acredita que, sem Joaquim e sem Lula na disputa, Bolsonaro e a ex-ministra Marina Silva tendem, ao menos num primeiro momento, a despontar na liderança das intenções de voto.
“Tem muita água ainda por rolar. Pesquisas realizadas ontem, com Joaquim Barbosa, já não servem mais. Meu cenário principal é uma contínua queda na intenção de voto no Lula, o que já se verificou na pesquisa Datafolha. Ele sai de um patamar de 35%, 36%, o que eu sempre achei um pouco inflacionado, para alguma coisa mais realista, em torno de 30%. Minha expectativa é que ele fique entre 26%, 27%, e se estabilize nessa faixa. Em relação aos demais, a tendência neste momento é uma estabilização do Bolsonaro e da Marina na liderança”, avalia Ricardo Caldas, para quem algumas fusões de candidaturas devem ocorrer nos próximos meses.
Quanto aos índices de Lula, seriam o patrimônio que ele tentaria, mais na frente, transferir para outro candidato, do PT ou não.
“O quadro eleitoral continua conturbado e marcado por muitas incertezas”, afirma o diretor do Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Ricardo Ismael. Ele compara o fenômeno Joaquim aos rumores em torno da candidatura do apresentador Luciano Huck (TV Globo). No seu entender, no curto prazo, Marina Silva é favorecida pela desistência do ex-ministro do Supremo, até em razão da imagem fortemente associada à integridade (a ex-ministra do Meio Ambiente nunca sequer foi acusada de corrupção). Mas ele acha que o tucano Geraldo Alckmin, mesmo sem o apelo popular de Joaquim Barbosa, também sai no lucro. Em seu favor, sobretudo, a estrutura do PSDB.
“De uma certa maneira, Joaquim Barbosa e Marina Silva têm conversado. Ele pode abrir espaço para alguma transferência de votos para Marina”, avalia Ricardo Isamel, para quem as próximas pesquisas de intenção de voto vão dar mais fundamentação à sua tese. “Eu tenho a impressão de que vai beneficiar a Marina. Agora, no médio prazo, se olharmos a eleição como um todo, e principalmente quando começar a prevalecer a questão dos palanques e dos programas de rádio e televisão, acho que tende a favorecer o Alckmin, que está bloqueado. O Joaquim Barbosa, de certa forma, impedia o crescimento do Geraldo Alckmin. O Alckmin está respirando aliviado [com a saída de Joaquim].”
Ricardo Ismael considera que pode ter pesado na decisão de Joaquim Barbosa o desejo de ficar de fora das baixarias de uma campanha em que todos são acusados de tudo, inclusive de erros e crimes que não cometeram. “O problema de Joaquim Barbosa, também por não ser um político, é que ele estava querendo uma situação mais confortável. Não vai ser de jeito nenhum. A campanha vai ter muita pancadaria, iriam investigar tudo da vida dele. Talvez ele não quisesse isso. Ele teria que lidar com coisas com as quais não está acostumado, com críticas, entrevistas coletivas, debates. Isso é algo meio complicado, pois não haveria como blindá-lo”, analisa o professor.
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“Avisos do coração”
Depois de anunciada a desistência, Joaquim Barbosa disse que há semanas já recebia “avisos” de seu “coração” para deixar a disputa eleitoral. Em entrevista ao colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, o ex-ministro afirmou que vinha evitando ao máximo conversas que sinalizassem confirmação de candidatura. Joaquim relatou ao jornalista que, para não firmar compromisso, se recusou a fazer reuniões com economistas, líderes de movimentos sociais e parlamentares da bancada federal.
“Fiquei receoso que as próximas pesquisas mostrassem que eu estava subindo. Desistir mais tarde seria complicado em todos os sentidos. Acho que tomei a decisão no momento certo”, declarou Joaquim Barbosa, que apontou três receios em relação ao futuro do país: a possibilidade de eleição de Bolsonaro, que lidera em cenários sem Lula; a manutenção do presidente Michel Temer “no poder”; e, dada a conjuntura nacional, o risco de “espaço para um golpe militar”.
Diante das várias especulações sobre o que será o pleito presidencial sem Joaquim, ao menos um consenso existe em torno do ex-ministro. Observadores da cena política são quase unânimes em afirmar que era grande o potencial de crescimento dele na preferência do eleitorado – um capital político que, segundo os congressistas ouvidos pela reportagem, agora é desperdiçado sem muita explicação.
“É uma saída de que nem nunca entrou”, resumiu à reportagem o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), que já disputou eleições presidenciais, em 1989. “Ele nunca teve sua presença, nem partidária, confirmada. Em hora alguma foi sequer lançado. Cogitou-se a possibilidade de seu nome como pré-candidato e ele mesmo já informou que não tem o menor interesse em participar da disputa.”
Humberto Costa também disse ter visto a decisão de Joaquim com naturalidade. Mas, para o senador, a desistência não tem qualquer implicação paras as pretensões do PT, que insiste na candidatura de Lula e tem recusado alianças com Ciro Gomes, por exemplo. “Não acho que a saída nos favoreça. Na verdade, o perfil que Joaquim Barbosa procuraria na campanha seria o de centro-direita. Acho que isso mostra, mais uma vez, a dificuldade de entendimento que as forças que apoiaram esse golpe têm hoje em encontrar candidatos que sejam viáveis e, ao mesmo tempo, confiáveis”, acrescentou Humberto, aproveitando para fazer referência ao impeachment da correligionária Dilma Rousseff.
Líder do MDB no Senado, Simone Tebet (MS) disse ao Congresso em Foco que Joaquim Barbosa vinha se credenciando para o segundo turno com uma marca forte, mas que isso não significa que ele tivesse o monopólio da bandeira do combate à corrupção. Para ela, tudo ainda permanece muito indefinido e o próprio ex-ministro era uma incógnita. Ela pensa que é preciso esperar o desenrolar das articulações da pré-campanha eleitoral e novas pesquisas presidenciais para ter uma ideia mais clara em relação ao futuro que as urnas de outubro reservam para o país.
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