Um confronto de datas põe em xeque a versão dada pelo presidente Michel Temer (PMDB) para justificar por que recebeu, fora da agenda oficial, no final da noite, o empresário Joesley Batista. Em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada nesta segunda-feira (22), Temer disse só que resolveu atender ao presidente da J&F porque o empresário insistiu de maneira incessante. O encontro, cujos diálogos foram gravados, ocorreu em 7 de março, no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência. O presidente contou que acreditava que Joesley queria conversar com ele “por questão da Carne Fraca”, operação da Polícia Federal que teve a Friboi, da J&F, como um dos seus principais alvos. O problema, porém, é que a operação que mirou empresas acusadas de adulterar carnes só foi deflagrada dez dias depois, em 17 de março. Ou seja, não havia como o investigado nem o presidente ter conhecimento da investigação àquela altura.
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Fora a inconveniência de um presidente da República receber um investigado na residência oficial fora da agenda, há outra contradição do peemedebista em seu relato à Folha. Ele disse que não sabia, na data do encontro, que o empresário era investigado. Naquele momento, Joesley e seu grupo empresarial já eram alvos de três ações da PF: a Sepsis, a Cui Bono? e a Greenfield. Todas elas amplamente divulgadas pela imprensa.
Veja o trecho da entrevista em que Temer explica por que resolveu receber o empresário, acusado agora por ele de ter “enganado” os brasileiros e “prejudicado” o país, com financiamentos bilionários do BNDES, ao longo dos governos Lula e Dilma – inclusive no período em que ele era vice-presidente da República:
“Mas veja bem. Ele é um grande empresário. Quando tentou muitas vezes falar comigo, achei que fosse por questão da [Operação] Carne Fraca. Eu disse: ‘Venha quando for possível, eu atendo todo mundo’. [Joesley disse] ‘Mas eu tenho muitos interesses no governo, tenho empregados, dou muito emprego’. Daí ele me disse que tinha contato com Geddel [V. Lima, ex-ministro], falou do Rodrigo [Rocha Loures], falei: ‘Fale com o Rodrigo quando quiser, para não falar toda hora comigo.’
Ele buscou o sr. diretamente?
PublicidadeEle tentou três vezes me procurar. Ligou uma vez para a minha secretária, depois ligou aquele rapaz, o [Ricardo] Saud, eu não quis atendê-lo. Houve um dia que ele me pegou, conseguiu o meu telefone, e eu fiquei sem graça de não atendê-lo. Eu acho que ele ligou ou mandou alguém falar comigo, agora confesso que não me recordo bem.
Por que não estava na agenda? A lei manda.
Você sabe que muitas vezes eu marco cinco audiências e recebo 15 pessoas. Às vezes à noite, portanto inteiramente fora da agenda. Eu começo recebendo às vezes no café da manhã e vou para casa às 22h, tem alguém que quer conversar comigo. Até pode-se dizer, rigorosamente, deveria constar da agenda. Você tem razão.
Foi uma falha?
Foi, digamos, um hábito.
Um hábito ilegal, não?
Não é ilegal porque não é da minha postura ao longo do tempo [na verdade, está na lei 12.813/13]. Talvez eu tenha de tomar mais cuidado. Bastava ter um detector de metal para saber se ele tinha alguma coisa ou não, e não me gravaria.
É moralmente defensável receber tarde da noite, fora da agenda, um empresário que estava sendo investigado?
Eu nem sabia que ele estava sendo investigado.
O sr. não sabia?
No primeiro momento não.
Estava no noticiário o tempo todo, presidente [Joesley naquele momento era investigado nas operações Sepsis, Cui Bono? e Greenfield].
Ele disse na fala comigo que as pessoas estavam tentando apanhá-lo, investigá-lo.”
Carne Fraca
Deflagrada dez dias após o encontro de Temer com Joesley, a Carne Fraca acusou as maiores empresas do ramo de alimentos processados e embutidos, como a JBS, dona das marcas Seara, Swift, Friboi e Vigor, e a BRF, dona da Sadia e Perdigão, de adulterar a carne que vendiam no mercado interno e externo.
A operação se debruçou sobre mais de 30 empresas alimentícias do país, acusadas de vender carne estragada, mudar a data de vencimento, maquiar o aspecto e usar produtos químicos supostamente cancerígenos, além de apontar agentes do governo acusados de liberar irregularmente esses produtos. O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, aparece em uma gravação telefônica cobrando de um dos chefes do esquema e principal alvo da investigação Daniel Gonçalves Filho, sobre a fiscalização em um dos frigoríficos envolvidos. Na época do diálogo, Serraglio exercia o mandato de deputado. Ele nega ter atuado para favorecer qualquer empresa.
A Carne Fraca foi intensamente criticada por integrantes do governo e até da PF, que consideraram a operação midiática e repleta de falhas no processo de investigação, a começar por distorções na interpretação de conversas interceptadas.
Temer também manifestou publicamente sua insatisfação com o alarde da operação. “De repente, faz-se um espetáculo com este episódio e cria um problema internacional. Nós exportamos para a China quase US$ 2 bilhões por ano e a China suspendeu agora [a importação da carne brasileira] por uma semana apenas, e apenas relativamente aos 21 frigoríficos [alvos da operação da PF]”, completou Michel Temer. O presidente levou embaixadores a uma churrascaria em Brasília para provar que a carne brasileira era de qualidade.
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