Os escândalos que abalaram o Congresso nos últimos 15 meses não foram o bastante para minar o financiamento das campanhas de sanguessugas e mensaleiros. Pelo contrário, os envolvidos conseguiram preencher ainda mais o caixa este ano – pelo menos se levados em conta os dados oficiais disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os sanguessugas reeleitos em outubro declararam arrecadação 84,81% maior que em 2002. No caso dos mensaleiros, a receita foi 159,89% superior à das eleições anteriores.
Os cinco deputados citados no relatório final da CPI dos Sanguessugas que conseguiram um novo mandato informaram à Justiça Eleitoral uma arrecadação bruta de R$ 2,304 milhões – bem acima do R$ 1,247 milhão de 2002. Já os sete envolvidos com o valerioduto que retornam à Câmara no próximo ano declararam receita de R$ 6,51 milhões, contra R$ 2,5 milhões no pleito anterior. Vale ressaltar que as contas de Pedro Henry (PP-MT), que figura nos dois escândalos, foram incluídas em ambos os grupos.
Em números percentuais, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), foi quem teve maior crescimento em relação a 2002. Acusado de ter levado R$ 50 mil do valerioduto, ele informou que suas receitas cresceram para R$ 1,35 milhão – 402% a mais que em 2002.
Em dados absolutos, Sandro Mabel (PL-GO) foi quem declarou o caixa mais recheado entre os mensaleiros: R$ 1,677 milhão, contra R$ 444,7 mil das eleições passadas. Apesar disso, fechou a eleição devendo mais de R$ 100 mil. No rol dos envolvidos no escândalo dos sanguessugas, o maior crescimento foi de Wellington Fagundes (PL-MT), que informou ter arrecadado 143% a mais que nas últimas eleições.
Gastos também subiram
O aumento das receitas veio acompanhado de um crescimento expressivo nos gastos da campanha. A despesa dos mensaleiros eleitos este ano passou de R$ 2,5 milhões para R$ 6,7 milhões. Entre os sanguessugas, ela pulou de R$ 1,2 milhão para R$ 2,3 milhões.
Na prestação de contas de 2002, o ex-presidente da Câmara informou ter utilizado não mais do que R$ 210,7 mil para se eleger. O retorno ao Congresso, porém, custou R$ 1,59 milhão – seis vezes mais. Nesse quesito, Mabel também não fica atrás. Em 2002, declarou 300% menos despesas que nas eleições deste ano. Na lista dos sanguessugas, Fagundes foi o que mais gastou nessas eleições: duas vezes a mais que na corrida anterior.
PublicidadeO dado, à primeira vista, soa contraditório, já que o Congresso aprovou, em maio deste ano, uma minirreforma eleitoral justamente para baratear os custos das campanhas. A nova lei proibiu, entre outras práticas, a distribuição de brindes e a realização de showmícios.
Para o jurista e ex-ministro do TSE Walter Costa Porto, a diferença nos números não ocorreu graças a um aumento nos custos das campanhas, mas sim devido ao rigor dos órgãos de fiscalização após a crise política, cujo estopim foi a descoberta de um milionário caixa dois montado pelo PT com recursos que até hoje não se sabe de onde vieram.
Segundo o especialista, temendo a ação da Justiça eleitoral, do Ministério Público e de outras instituições, os políticos e partidos tornaram suas contas mais transparentes. "Há uma evolução no cuidado com a captação e com a prestação de contas. Os candidatos entenderam que era melhor dizer o que de fato foi usado na campanha", afirma o ex-ministro.
O deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), reeleito em outubro, concorda. Na opinião dele, as campanhas deste ano estão longe de superar os gastos estratosféricos das mega-campanhas de 2002. A comparação dos números das duas campanhas, acrescenta o parlamentar, permite concluir que houve caixa dois na eleição passada.
Sub-relator da CPI dos Correios, que também investigou o mensalão, o pefelista enfatiza que os escândalos levaram a Justiça eleitoral a adotar a cultura da prevenção. "Os tribunais foram mais velozes e criteriosos no acompanhamento dos gastos. Houve uma preocupação preventiva para evitar o caixa dois. Acho que, nesse ponto, essa série de escândalos foi positiva", reforça.
O único dos reeleitos envolvidos em escândalos que declarou gastos de campanha abaixo dos registrados nas eleições passadas foi Vadão Gomes (PP-SP), acusado de receber dinheiro do valerioduto. Ele informou que desembolsou R$ 364,1 mil este ano para vencer a disputa, 7,86% menos que em 2002.
Faturamento em alta
Os petistas envolvidos no mensalão e que conseguiram outro mandato são, de longe, os que declararam o maior aumento nas doações recebidas. Além de João Paulo, o paraense Paulo Rocha, que renunciou no ano passado após ser acusado de participação no escândalo, informou uma elevação de 321% na arrecadação de campanha este ano, passando dos R$ 140,8 mil obtidos em 2002 para R$ 594,1 mil em 2006.
Outro campeão de arrecadação é José Mentor (PT-SP), também acusado de envolvimento com o valerioduto. O processo no Conselho de Ética e a exposição negativa na mídia não impediram que o petista arrecadasse R$ 914 mil para a campanha deste ano – 134% a mais que em 2002.
O deputado Professor Luizinho (PT-SP), também atingido em cheio pelo escândalo, informou um reajuste considerável na arrecadação. O petista, que nas eleições passadas disse ter recebido R$ 206,4 mil de seus apoiadores, juntou R$ 848,5 mil este ano – quase quatro vezes mais. O montante, porém, não fez com que ele saísse vitorioso nas urnas.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que reconheceu ter recebido recursos não contabilizados para sua campanha em 2002, elegeu-se deputado federal em outubro passado com despesas 88,4% maiores que no pleito anterior. Valdemar, assim como o correligionário Mabel, encerrou a corrida eleitoral no vermelho. A arrecadação declarada à Justiça, de R$ 826,6 mil, também foi quase o dobro das eleições passadas, porém insuficiente para cobrir os custos da campanha.
Aliás, uma prática pouco observada nas prestações de contas dos candidatos este ano é a coincidência entre os valores das receitas e despesas – curiosamente tão presente nas declarações passadas. Em 2002, a balança do mercado eleitoral fechava sem lucros e sem prejuízo. A conta era exata inclusive em relação aos centavos.
João Magalhães (PMDB-MG), citado no relatório da CPI dos Sanguessugas, informou na declaração anterior ter investido na campanha somente o arrecadado: R$ 190.510,93. Neste ano, registrou uma receita de R$ 408.290 – 114,35% maior – e um gasto total de R$ 407,977. Assim como ele, Mabel, Paulo Rocha, João Paulo, Mentor e Valdemar também fecharam as contas em cima da risca em 2002.
O Congresso em Foco tentou entrar em contato com os parlamentares citados nesta reportagem para lhes dar a oportunidade de falar sobre o aumento na arrecadação e nos gastos das campanhas eleitorais deste ano. Dois deles – José Mentor e Sandro Mabel – atenderam à ligação, mas não se dispuseram a falar sobre o tema. O restante não foi encontrado nos gabinetes.
Os números das campanhas
Confira os gastos dos candidatos mensaleiros e sanguessugas em 2002 e em 2006:
MENSALEIROS
Sandro Mabel (PL-GO)
2002
Receita: R$ 444.733,07
Despesas: R$ 444.733,07
2006
Receita: R$ 1.677.669,87 (+277,23%)
Despesas: R$ 1.788.812,29 (+302,22%)
João Paulo Cunha (PT-SP)
2002
Receita: R$ 270.726
Despesas: R$ 270.726
2006
Receita: 1.359.044,72 (+402%)
Despesas: 1.594.209,48 (+488,86%)
José Mentor (PT-SP)
2002
Receita: R$ 390.048,44
Despesas: R$ 390.048,44
2006
Receita: R$ 914.040,61 (+134,34%)
Despesas: R$ 919.617,61 (+135,77%)
Valdemar Costa Neto (PL-SP)
2002
Receita: R$ 443.498,79
Despesas: R$ 443.498,79
2006
Receita: R$ 826.687 (+86,40%)
Despesas: R$ 835.910 (+88,48%)
Vadão Gomes (PP-SP)
2002
Receita: R$ 395.290,37
Despesas: R$ 965.204,73
2006
Receita: R$ 674.736 (+70,69%)
Despesas: R$ 364.137 (-7,86%)
Paulo Rocha (PT-PA)
2002
Receita: R$ 140.810,33
Despesas: R$ 140.810,33
2006
Receita: R$ 594.172,65 (+321,96%)
Despesas: R$ 733.780,07 (+421,11%)
Pedro Henry (PP-MT)*
2002
Receita: R$ 420.000
Despesa: R$ 419.787,82
2006
Receita: R$ 464.177,65 (+10,51%)
Despesa: R$ 464.177,77 (+10,57%)
* Envolvido nos dois escândalos
SANGUESSUGAS
João Magalhães (PMDB-MG)
2002
Receita: R$ 190.510,93
Despesas: R$ 190.510,93
2006
Receita: R$ 408.290,90 (+114,35%)
Despesas: R$ 407.977,85 (+114,14%)
Marcondes Gadelha (PTB-PB)
2002
Receita: R$ 129.025
Despesas: R$ 128.178,57
2006
Receita: R$ 260.103,70 (+101,59%)
Despesas: R$ 260.073,30 (+102,89%)
Wellington Fagundes (PL-MT)
2002
Receita: R$ 411.690
Despesas: R$ 411.543,01
2006
Receita: R$ 1.001.011 (+143,14%)
Despesas: R$ 1.000.744,30 (+143,16%)
Wellington Roberto (PL-PB)
2002
Receita: R$ 95.890,51
Despesas: R$ 95.869,22
2006
Receita: R$ 171.329,88 (+78,67%)
Despesas: R$ 171.167,82 (+78,54%)
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