Edson Sardinha |
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) não vai discutir a reforma trabalhista em gestação no Fórum Nacional do Trabalho (FNT) enquanto o Congresso Nacional não aprovar o novo modelo sindical. Segundo o presidente da entidade, Luiz Marinho, a mudança na estrutura das entidades representativas é condição para o início das discussões sobre eventuais ajustes na legislação trabalhista. Em entrevista ao Congresso em Foco, Marinho defende o fortalecimento das centrais sindicais e dos acordos coletivos de trabalho e o governo Lula. “As negociações no Brasil são fictícias, são muito fragilizadas”, afirma. O sindicalista diz que a CUT não aceita sequer discutir a flexibilização dos direitos dos trabalhadores e a possibilidade de os acordos prevalecerem sobre a legislação vigente, embora reconheça que o relacionamento com a administração federal tenha melhorado. Leia também Publicidade
Entre outras mudanças, a proposta de reforma sindical consolidada pelo FNT, instância composta por representantes dos trabalhadores, dos empresários e do governo, acaba com o poder normativo da Justiça do Trabalho, incentiva a arbitragem em casos de conflito, reconhece legalmente as centrais sindicais e permite a existência de mais de um sindicato por categoria num mesmo município, desde que sejam garantidos determinados parâmetros de representatividade. O presidente da CUT critica as confederações sindicais, responsáveis por uma proposta paralela apresentada ao Congresso há um mês, e afirma que o novo sistema vai fortalecer a representação dos trabalhadores. “Quem é contra essa mudança gostaria que as centrais nunca tivessem existido ou que mantivessem aquela visão atrasada do modelo corporativo que prevalece desde a década de 40”, diz. Publicidade
Governista, não Vista sob desconfiança desde que o PT chegou ao poder, a CUT ainda tenta se livrar do rótulo de braço sindical do governo, por causa da ligação umbilical da Central com o Partido dos Trabalhadores. Marinho não só nega a relação de subordinação como garante que o número de greves lideradas pela entidade nos primeiros dois anos do governo Lula é, proporcionalmente, maior do que o verificado na era Fernando Henrique Cardoso. PublicidadeEnquanto na gestão tucana, o desafio era garantir a reposição da inflação e os direitos trabalhistas, o objetivo perseguido agora é obter ganho real nas negociações salariais, considera o presidente da CUT. “Está claro que há um processo de recuperação da economia que cria condições para o trabalhador ir à luta. Nenhum governo tem de ceder para este ou aquele segmento, mas para o conjunto da sociedade. Cabe a nós, do movimento sindical, criar as condições das nossas reivindicações”, diz. Que avaliação o senhor faz da reforma sindical que está pronta para ser enviada ao Congresso? Luiz Marinho – A reforma tem a nossa participação e o nosso apoio. Não é a proposta da CUT, mas também não é a proposta originária de nenhum participante do Fórum. É o resultado de um entendimento possível de ser construído naquela composição. A partir desse entendimento, o que é possível mudar na prática? Se o Congresso Nacional aprovar o conjunto das propostas saídas do Fórum, a organização sindical brasileira mudará substancialmente, criando-se condições para fortalecer o movimento sindical e o processo de negociação entre as partes, a partir da diminuição do papel do Estado na interferência com o trabalho – especialmente com a retirada do poder normativo da Justiça do Trabalho – e das mesas de negociação. A obrigatoriedade das negociações e, acima de tudo, a possibilidade de os sindicatos se organizarem a partir do local de trabalho são importantíssimas nesse modelo. Outra mudança está relacionada à sustentação financeira, com o fim do imposto sindical, que ajudará no fortalecimento da representação das entidades. Que relação existe entre o fortalecimento das entidades e o fim do imposto sindical? O sistema atual, estimulado pelo imposto sindical e pela idéia de se poder separar e dividir os sindicatos até se chegar no limite da base territorial de um município, levou a um processo de fragmentação muito grande. Em vez de delegar essa decisão aos trabalhadores, a legislação remete o poder para o Judiciário, que, muitas vezes, não compreende bem o processo organizativo dos trabalhadores e acaba dando razão para uma entidade que não tem representatividade, mas que está dividindo espaço porque a lei assim a autoriza. “O sistema atual, estimulado pelo imposto sindical e pela idéia de se poder separar e dividir os sindicatos até se chegar no limite da base territorial de um município, levou A CUT defendia o fim da unicidade sindical, mas a proposta acabou não prevalecendo… Na verdade, ficou um meio-termo. Não se acaba com a unicidade sindical, mas com essa terminologia, e cria-se a representatividade exclusiva. Uma entidade pode ter exclusividade desde que tenha representatividade, conforme decisão em assembléia. Hoje, independentemente de se ter representatividade ou não, há exclusividade por causa da unicidade sindical. Essa mudança ajudará e muito o processo de transição dos sindicatos para aquilo que eles deverão ser no futuro. O Fórum Sindical dos Trabalhadores (formado por 16 confederações e 264 federações) alega que o fim da unicidade vai pulverizar a representação sindical. Por que o senhor não concorda com esse argumento? De maneira alguma. Pulverizados estão hoje. Além da limitação por município, há limitações em função de categorias diferenciadas. Precisamos delegar poder aos trabalhadores para acabar com o processo de pulverização e criar condições de reestruturação dos sindicatos a partir das unificações e, portanto, do fortalecimento dos sindicatos regionais com mais representatividade e força. Quem diz que a proposta da reforma pulveriza é o grande defensor da manutenção do imposto sindical, que vive do oportunismo da divisão de sindicatos no Brasil inteiro. Já tentaram até criar um sindicato dos trabalhadores em confecção de roupa branca. È um absurdo. “Quem diz que a proposta da reforma pulveriza é o grande defensor da manutenção do imposto sindical, que vive do oportunismo da divisão de sindicatos no Brasil inteiro” A proposta limita o número de dirigentes sindicais com direito a estabilidade e permite a organização por local de trabalho, desde que não tenha caráter sindical. Esses pontos também representam um avanço para os trabalhadores, na sua avaliação? Isso ainda não está totalmente fechado. Há um debate presente no Judiciário brasileiro se dirigentes têm ou não garantias de emprego a partir da estabilidade sindical. É uma discussão que ainda não está terminada. Quem levanta esse argumento para ser contra a proposta deveria atentar que o número hoje garantido pelo Judiciário é menor do que aquele previsto na reforma. O que muda com a organização por local de trabalho? Hoje, os sindicatos estão impedidos de estar nos locais de trabalho. Com as raras exceções em que os trabalhadores conseguiram conquistar esse direito na marra, os sindicatos estão ausentes do local de trabalho. Essa presença é muito importante porque determina o enraizamento e o fortalecimento dos sindicatos a partir de sua representatividade. Determina a intervenção ou não dos sindicatos no processo de reestruturação, estruturação produtiva, inovação tecnológica e também no processo de organização do conjunto da categoria. O movimento sindical brasileiro hoje é uma árvore sem raiz. A continuar assim, seus frutos não serão dos melhores. “O movimento sindical brasileiro hoje é uma árvore sem raiz. A continuar assim, seus frutos não serão dos melhores” O FST também critica… Esse Fórum é formado por quem? Pelas confederações antigas, sem nenhuma representatividade, que só sobrevivem por conta do repasse obrigatório do imposto sindical e da unicidade sindical, e pelo pessoal que é contra não sei por qual razão filosófica, como o PSTU. No mais, não há gente representativa defendendo pra valer o atual sistema. Tem gente defendendo por certo oportunismo, com medo de saber o que vai mudar. Mas no Congresso Nacional há parlamentares envolvidos com a proposta do FST, como o deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG), o senador Paulo Paim (PT-RS)… Infelizmente, o Paulo Paim tem uma visão conservadora do movimento sindical. O senador deveria, pela sua origem como membro da Executiva Nacional da CUT, espelhar-se em sua própria participação histórica no movimento sindical e não se apegar à visão atrasada que ele infelizmente expressa neste momento (leia mais). Mas a CUT também não está dividida quanto a essa proposta? A CUT não está dividida. Ela tem resoluções claras quanto a isso. Há eventuais visões minoritárias que expressam dúvidas em relação a essa questão. Mas a Central tem decisões claras de convicção sobre a proposta, tanto nas instâncias congressuais quanto nas de direção. Uma das críticas recebidas pela proposta é que ela estaria hipervalorizando as centrais sindicais, em detrimento dos sindicatos de base. Isso ocorre? É preciso valorizar as centrais sindicais mesmo. Aliás, a estrutura hoje não contempla a existência de central sindical. Uma das mudanças é a incorporação das centrais sindicais a essa organização. Quem é contra essa mudança gostaria que as centrais nunca tivessem existido ou que mantivessem aquela visão atrasada do modelo corporativo que prevalece desde a década de 40. O papel das confederações está esvaziado por causa da presença das centrais sindicais. Essa é, na verdade, a grande divergência. Só que ninguém tem coragem de dizer isso. Quem defende essa visão acredita que as centrais não deveriam sequer existir. “Quem é contra essa mudança gostaria que as centrais nunca tivessem existido ou que mantivessem aquela visão atrasada do modelo corporativo que prevalece desde a década de 40” Mas a proposta não restringe a uma ou outra as centrais sindicais com poder de representação? Ela não restringe nem proíbe. As entidades sindicais em todos os seus níveis têm de ter representatividade, o que me parece um bem para um processo de representação. Hoje um grupo monta uma entidade qualquer, pega a sua garantia cartorial e, a partir daí, os trabalhadores estão obrigados a acatar aquela entidade, mesmo que ela não tenha representação nenhuma. Elas podem existir, só que não terão a manutenção dessa garantia de representação na medida em que não tiverem representatividade. Do ponto de vista do fortalecimento democrático, isso é muito importante. “Hoje um grupo monta uma entidade qualquer, pega a sua garantia cartorial e, a partir daí, os trabalhadores estão obrigados a acatar aquela entidade, mesmo que ela não tenha representação nenhuma” Com a substituição do imposto sindical pela chamada contribuição negocial, o volume de recursos repassados aos sindicatos deve crescer. Pela proposta, o que vai mudar na gestão desse dinheiro? Não sei se vai aumentar o nível de recursos. Isso só vai ocorrer se os sindicatos tiverem a capacidade de elevar o índice de sindicalização. Pelo novo sistema, o volume das verbas cobradas hoje compulsoriamente – imposto sindical, contribuição especial e contribuição federativa – será diminuído. Não é à toa que havia central sindical querendo que o limite fosse muito maior do que foi apresentado pela proposta. Entidades que de forma oportunista abusam dessas taxas terão repasse diminuído. Já os sindicatos que têm processo de grande representação vão manter o nível de arrecadação existente. Está faltando mais compromisso do governo com a reforma sindical? O governo está liderando o processo de debate. Vamos ver como vai ficar quando a proposta chegar ao Congresso. Por enquanto, não está claro se está ou não faltando interesse por parte do governo. Vamos ver, então, qual será a dedicação do governo. Espero que ele o faça, porque seria desmoralizador para o presidente da República concluir seu mandato sem fazer uma reforma sindical que corresponda com a história de vida de Lula. “…seria desmoralizador para o presidente da República concluir seu mandato sem fazer uma reforma sindical que corresponda com a história de vida de Lula” O Fórum Nacional do Trabalho começou a discutir a reforma trabalhista este mês. O senhor acredita que seja possível enxugar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) sem tirar direitos dos trabalhadores? As comissões técnicas do FNT estão começando o debate. Nós não faremos o debate pra valer da reforma trabalhista enquanto não se concluir a reforma sindical. Não podemos fazer uma discussão sobre a reforma trabalhista sob o foco da flexibilização e da retirada de direitos. Ela tem de ser feita para fortalecer uma legislação democrática, que garanta direito e seja moderna, e para facilitar as negociações, não para flexibilizar direitos. “Não podemos fazer uma discussão sobre a A partir da reforma trabalhista, os acordos terão um peso maior na relação entre empregador e empregado? A negociação tem de ter um peso maior. Afinal de contas, as negociações no Brasil são fictícias, são muito fragilizadas. Prevalecendo inclusive sobre a legislação? Não tem essa de o acordo prevalecer sobre a legislação. Hoje ele pode prevalecer desde que seja vantajoso para o trabalhador. Um acordo coletivo jamais poderá ser superior a uma lei. Por isso, é fundamental que haja a reforma sindical primeiro. “Não tem essa de o acordo prevalecer sobre Por causa de sua identificação com o PT, a CUT tem recebido críticas desde a posse do presidente Lula. Ela teria se tornado uma central governista. Como o senhor reage a esse tipo de questionamento? Isso é falta de argumento. A CUT mantém a tradição de se orientar a partir dos trabalhadores por ela representados. Não deixamos de encaminhar nenhuma luta contra a instituição pública porque se trata do governo Lula. Da mesma forma, não abraçamos nenhuma luta contra a instituição pública porque se tratava do governo Fernando Henrique. Nós estamos encaminhando mais greve no governo Lula do que no governo Fernando Henrique. O que estimula as greves é o momento econômico que o país está vivendo. Como a economia está em recuperação, a gente vê a possibilidade de realizar as greves em busca de aumento real de salário e de outras conquistas. “Nós estamos encaminhando mais greve no governo Por que esse aumento justamente no governo Lula? No governo Fernando Henrique, a pressão e a ameaça de desempregos eram maiores. Em oito anos, dobrou o número de desempregados no país e piorou muito o desempenho da economia, dificultando o papel de reivindicação dos trabalhadores. Trabalhava-se muito para preservar direitos e corrigir a inflação, não havia espaço para ir além. Neste momento, estamos encontrando espaço para avançar e cobrar a recuperação da economia conduzida pelo governo. Em nenhum momento, alguém vai ver a CUT defendendo o governo contra os trabalhadores. “Neste momento, estamos encontrando espaço para avançar e cobrar a recuperação da economia conduzida O governo Lula tem feito uma administração para os trabalhadores? O governo Lula tem feito uma administração dirigida para o país e não para os trabalhadores ou qualquer outro segmento. Está claro que há um processo de recuperação da economia que cria condições para o trabalhador ir à luta. Nenhum governo tem de ceder para este ou aquele segmento, mas para o conjunto da sociedade. Cabe a nós, do movimento sindical, criar as condições das nossas reivindicações. Não esperamos nenhuma dádiva do governo, nem um favor. Sabemos que nossa vida será difícil independentemente de quem estiver no poder. Quando se olha para a relação capital e trabalho, em que o governo é empregador do funcionalismo, nós temos mais condições para travar uma negociação democrática com a atual administração federal do que com FHC, Sarney e Itamar. Em relação aos governos militares e Collor, nem se fala. Pela primeira vez na história do funcionalismo público, o governo fez um acordo com a categoria. Há uma diferença para melhor na relação com os trabalhadores. |