Ricardo Ramos
Poupado pela oposição e cortejado pelo governo, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, parou a sessão de ontem do Senado para falar o que bem quis sobre as denúncias de corrupção contra ele e responder a perguntas sobre a condução da política econômica.
Durante quase dez horas de audiência na Comissão Assuntos Econômicos (CAE), o ministro classificou como “falsas” as acusações de que teria participado da arrecadação de caixa dois para a campanha do presidente Lula e de propina em sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto (SP).
Palocci gastou a maior parte do tempo citando números e “conquistas” de sua política econômica e mandou um recado para o presidente Lula e para a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), que recentemente o criticou: é ministro para fazer “esta política, e não outra”.
Irritada por não ter sido consultada a respeito da antecipação do depoimento de Palocci, a oposição decidiu não questioná-lo sobre as denúncias de corrupção. Com maioria na CPI dos Bingos, os oposicionistas dão como certa a convocação do ministro para depor lá nas próximas semanas. “As dúvidas persistem, os esclarecimentos não foram convincentes”, disse o presidente da CPI, Efraim Morais (PFL-PB). "Ficamos com a obrigação de convocá-lo a depor na CPI dos Bingos", afirmou o relator da comissão, Garibaldi Alves (PMDB-RN).
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Dilma
O ministro rebateu as críticas de Dilma ao plano de ajuste fiscal de longo prazo elaborado pela equipe econômica. Ao alertar sobre os riscos de se abandonar esse projeto, Palocci disse que a colega “está errada”. De acordo com ele, esse ajuste, que inclui a limitação das despesas correntes da União, é o que vai permitir que o Brasil reduza juros, cresça efetivamente e não retome a prática de aumento de impostos.
A ministra da Casa Civil atacou publicamente esse plano na semana passada, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ao classificar a proposta fiscal de longo prazo como rudimentar. “Não estamos enxugando gelo, como acreditam alguns. Estamos trabalhando com afinco em cada um dos pontos que estruturam a estabilidade da economia”, alfinetou Palocci, ao recorrer a uma expressão usada pela colega em sua crítica.
O ministro também rendeu elogios aos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e José Sarney. “Os ganhos da política econômica foram resultado dos esforços de mais uma década do país”, afirmou. Palocci destacou a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, a opção pelo câmbio flutuante e a criação do Plano Real e do Tesouro Nacional como importantes contribuições dos antecessores do presidente Lula para a atual estabilidade econômica.
“Todas essas medidas tomadas por diferentes partidos e diferentes lideranças em nosso país têm parte no resultado positivo que nós estamos tendo. Os ganhos da política econômica são resultado de um esforço de mais de uma década deste país. As responsabilidades das conquistas devem ser divididas”, disse.
Operação Palocci
Os governistas montaram uma operação de guerra para a ida do ministro ao Senado. Após ter afinado o discurso com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o secretário-executivo de sua pasta, Murilo Portugal, Palocci chegou à comissão às 15h27, rodeado de assessores e do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Mas só começou a falar às 16h19, após a discussão entre a base aliada e a oposição, capitaneada pelo PSDB e pelo PFL, acerca de perguntas sobre corrupção. Os oposicionistas anunciaram, então, que não iriam questioná-lo sobre as denúncias. “Nós colocaremos ao ministro (apenas) questões econômicas”, afirmou o Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB no Senado. “Enquanto se julga se vale ou não convocar o ministro para a CPI dos Bingos”, emendou o tucano, antes da exposição de Palocci.
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), contudo, criticou a conduta da oposição. E pediu para Palocci “falar à nação”. “Responda a essas questões com transparência”, afirmou Mercadante.
Durante parte dos 50 minutos de sua exposição inicial, o ministro negou enfaticamente que a campanha de Lula tenha recebido recursos de caixa dois. “Não há recursos de Cuba na campanha do presidente Lula, não há recursos de Angola na campanha do presidente Lula, não há recursos das Farc na campanha do presidente Lula”, disse. “Afirmo isso com segurança, porque participei da campanha. Sei que essas coisas não ocorreram”, acrescentou.
Ele rechaçou também acusações de corrupção em sua gestão à frente da prefeitura de Ribeirão Preto. “Vou reafirmar aqui o que disse há dois meses quando se falava em mensalinho, mensalão ou caixa dois. Aquela acusação de que uma empresa dava R$ 50 mil ao PT, tirados do serviço prestado à prefeitura, é falsa e não será comprovada, porque é falsa”, declarou. “Eu digo e repito porque sei o que fiz e o que não fiz. E isso eu não fiz", afirmou.
Mais uma vez sem dar nomes, o ministro criticou o “interesse político” do Ministério Público Estadual e da Polícia Civil de São Paulo em divulgar informações de sua suposta participação em casos de corrupção antes da conclusão das investigações. No entanto, Palocci ressalvou que não critica o papel da imprensa, que fez sua parte ao noticiar esses casos.
Cercado de presidentes
Na sessão que se arrastou por quase dez horas, o ministro ficou bastante à vontade. Tanto que, antes de questioná-lo, o senador Jefferson Peres (PDT-AM) brincou com o tratamento dispensado a ele no encontro. “Nunca vi uma mesa com tanto presidente”, disse. Na maior parte do tempo, dividiram a mesa com o ministro o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), além do presidente da comissão, Luiz Otavio (PMDB-PA).
Palocci também havia sido convocado para ir à comissão especial que analisa a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) na Câmara. Mas o encontro foi remarcado de ontem para a próxima terça-feira, dia 22.
O mercado financeiro também reagiu bem à ida espontânea do ministro ao Senado. O índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) subiu, o dólar recuou e o risco-país terminou o dia estável.
Veja os principais pontos do depoimento de Palocci à CAE:
“Acusação não será comprovada porque é falsa”
Segundo Palocci, a acusação de que havia pagamento de propina na prefeitura de Ribeirão Preto, quando ele administrou a cidade, “não será comprovada porque é falsa”.
O ministro atribuiu a “interesse político” as denúncias que o ligam à corrupção e ao financiamento ilegal do PT. “Sou pela apuração rigorosa dos fatos, mas devemos ter muito cuidado para não cometer injustiça”, afirmou.
Atuação política do Ministério Público e da Polícia Civil
Criticou o Ministério Público Estadual e a Polícia Civil de São Paulo por divulgarem acusações contra ele sem provas. “Disseram que havia provas secretas”, disse. “Se havia, deveriam ter mandado para as autoridades superiores, mas hoje (ontem) vi na Folha de S.Paulo essas mesmas autoridades dizendo que não têm provas contra mim”.
Ele enfatizou que “devassa não é método constitucional para investigações”. “Quando isso acontece enxergo interesse político por trás da instituição, e isso devemos combater”, disse Palocci. “Não me considero acima de qualquer suspeita. Estou acostumado a ter na minha cidade, depois que deixo a administração, investigações desenfreadas com interesses políticos claros que se fazem contra a minha pessoa”, acrescentou.
O ministro reclamou ainda da decisão de delegados de Ribeirão que pediram à prefeitura a remessa de todos os contratos assinados por Palocci. "Isso caracteriza devassa, não investigação. Investigação deve ter foco. Devassa não é um critério constitucional para se fazer investigação, mas isso tem sido feito", declarou.
Palocci disse que contribuirá com as investigações e afirmou estar à disposição para prestar informações consideradas necessárias para as investigações. "Estou à disposição de qualquer instância desta Casa”, afirmou.
Recado para Lula
O ministro disse que está no cargo para fazer “esta política, e não outra”. A afirmação foi interpretada como um recado ao presidente Lula, que hoje é pressionado por aliados a afrouxar o controle monetário e fiscal com objetivo de aumentar os investimentos em seu último ano de mandato.
Ele observou, porém, que não percebe no presidente Lula nenhuma indicação de que pretenda mudar os rumos da economia. “O presidente Lula tem sistematicamente dado seu apoio à política econômica”, afirmou.
"A ministra (Dilma) está errada"
Primeiro senador inscrito a fazer perguntas a Palocci, Jefferson Peres (PDT-AM) o aconselhou a deixar o governo se for novamente desautorizado por críticas de colegas do ministério. "No próximo petardo, peça o boné", sugeriu o pedetista.
Foi uma referência às declarações contrárias à política fiscal feitas na semana passada pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).
Embora tenha dito que Dilma estava “errada”, Palocci qualificou como "divergência política" o desentendimento com a ministra e garantiu que mantém um bom relacionamento com ela. “Tenho com ela o máximo de amizade e companheirismo. Penso diferente dela nessa questão, que é fundamental, mas trata-se de um tema que continua afeta à equipe econômica.”
“Nós não estamos enxugando gelo”
Em um depoimento morno e que não apresentou informações novas, mesmo sobre a economia, o ministro disse que o esforço fiscal feito ao longo de dez anos não pode ser torpedeado por políticas econômicas heterodoxas. "Nós não estamos enxugando gelo", afirmou.
Segundo ele, para diminuir a dívida pública, que beira a casa de R$ 1 trilhão, os juros caírem e o Produto Interno Bruto (PIB) crescer com consistência, é preciso "consolidar e melhorar o quadro fiscal do Brasil". "Nosso esforço é razoável", considerou.
“Não fiz qualquer acordo”
Disse que não houve "acordo" para ele depor na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) de Senado. "Quero pedir permissão para os senadores e senadores do PFL e do PSDB para esclarecer alguns pontos, mesmo que não definitivamente", afirmou ele, ao anunciar que não restringiria seu depoimento a temas econômicos.
Ao se referir às denúncias de corrupção que envolvem seu nome, Palocci optou por um tom emocional: "(São) questões que ferem nossa honra, como pessoa, como pai e como profissional dedicado à vida pública". Ele acrescentou que está pronto para atender a outros convites para depor no Congresso.
Elogios a Lula, FHC, Itamar e Sarney
Lembrou as medidas econômicas dos últimos décadas e fez um elogio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva “pela sua coragem política”. Também citou os acertos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e José Sarney. “Os ganhos da política econômica foram resultado dos esforços de mais uma década do país”, afirmou.
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