Edson Sardinha |
Industrial bem-sucedido – a fábrica de biscoitos da família dele está entre as três maiores do país no ramo alimentício –, o líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), quer que o governo reduza a preocupação com a questão fiscal e direcione todos os esforços para a política de investimentos. “Não estão se contentando em comer os ovos, já estão comendo o ovo dentro da galinha. Com a velocidade com que conduzem o processo, logo vão comer a galinha também. Aí não teremos mais quem ponha ovos. É isso que estão fazendo com as empresas”, diz. Mabel está no PL há pouco mais de um ano, depois de exercer um mandato federal pelo PMDB e voltar a Brasília pelo PFL. Ele admite que não abraça qualquer ideologia. Votou em José Serra para presidente da República, mas diz que descobriu no presidente Luiz Inácio Lula da Silva um homem bem-intencionado e sincero. Publicidade
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O compromisso em defender qualquer governo “que possa criar políticas que melhorem a vida da população, gerem renda e levem o país para o desenvolvimento” o teria levado a responder pela vice-liderança do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, a trocar o PFL – partido que o levou a votar em José Serra (PSDB) em 2002 – pelo PL e a assumir um dos postos mais estratégicos para o Palácio do Planalto no Congresso. O partido, que se desligou recentemente do bloco governista no Senado, tem direito a 44 votos na Câmara. Mabel garante que o PL está satisfeito com o tratamento dispensado pelo Palácio do Planalto, mas admite que a legenda negocia a participação em novos postos da administração federal. PublicidadeCongresso em Foco – Parlamentares da base governista têm se queixado da atenção dispensada pelos ministros ao Congresso. O PL também sente essa dificuldade? Sandro Mabel – Esse problema existe, mas já está sendo resolvido. Há dois meses o presidente tem chamado os ministros e tentado enquadrá-los, mostrando que os parlamentares precisam ser atendidos. O presidente viu que o parlamento não pode ficar relegado a segundo plano. Ele sabe que quando há um excesso de queixas é preciso tomar uma providência. Ele já tomou. A cada mês o governo se envolve em uma polêmica ou crise gerada na própria base, quando não no próprio Palácio do Planalto. Por que tamanha suscetibilidade? O próprio governo vem de partidos críticos e que sempre carregaram bandeiras. Hoje as cores dessas bandeiras têm de ser mudadas, como ocorreu no caso da reforma da Previdência. Quando se passa a governar, vê-se que as coisas não são como se imaginava. O PT deixou de ser estilingue e passou a ser vidraça e teve de mudar a sua postura. O problema é que na base há parlamentares que não mudam, porque vivem desse passado. O senador Paulo Paim (PT-RS), por exemplo, muda de partido, mas não troca de bandeira, que é a do salário mínimo. Afinal, foi isso que sempre deu vitória a ele. O senhor foi vice-líder do governo Fernando Henrique na Câmara. Por causa dessas dificuldades internas enfrentadas atualmente pelo Palácio do Planalto, o senhor considera mais difícil defender o governo Lula? Estou disposto a defender qualquer governo que possa criar políticas que melhorem a vida da população, gerem renda e levem o país para o desenvolvimento. Não tenho ideologia de defender bandeira de esquerda ou direita, mesmo porque o PL é um partido que não tem linha ideológica definida. Ele tem bandeiras alinhadas ao desenvolvimento. "Não tenho ideologia de defender bandeira Mas era mais fácil defender o governo Fernando Henrique? O governo Fernando Henrique era mais organizado, porque já tinha uma estrutura pronta. O governo Lula é novo, está mudando todo mundo nos ministérios, tirando gente técnica e colocando outras pessoas que não têm tanto conhecimento e isso atrasa todo o processo. Não concordo integralmente com essa prática. Profissionais técnicos não têm mesmo que ter partido. Por isso, não se pode trocar um técnico por uma pessoa que tem apenas a cor partidária. "O governo Fernando Henrique era mais Diante desse quadro, o PL está satisfeito com o espaço que ocupa no governo? O PL foi contemplado com o Ministério dos Transportes. Existem outras coisas que o partido tem acertado com o governo, outras posições que poderão ser ocupadas pelo PL, mas estamos satisfeitos com a atenção dada pelo presidente Lula. O senhor se refere a novos ministérios? Mais espaço em ministério sempre cabe e interessa a qualquer partido, mas tenho uma análise um pouco diferente sobre o assunto. Se algum dia tivesse a oportunidade de ser presidente da República ou governador faria um teste para ver se o indivíduo tem capacidade ou não para ocupar o cargo. Na formação da equipe, há um componente político, mas tem de haver um componente técnico para fazer a coisa andar. Por isso, entendo que o partido está politicamente bem atendido em termos de ministério. Se tiver outro, tanto melhor. "O PL está politicamente bem atendido em termos O senhor endossa as críticas feitas pelo presidente do seu partido, o deputado Valdemar Costa Neto (SP), à política econômica e, mais especificamente, ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles? O presidente do partido tem a visão dele. Nós temos defendido que tudo que cria obstáculo para o desenvolvimento tem de ser mostrado e combatido. O presidente do partido particularmente discorda da política econômica do Henrique Meirelles e da própria figura do Henrique Meirelles. Eu sou amigo particular do Meirelles, somos conterrâneos e fomos inclusive eleitos deputados juntos. Não tenho a mesma veemência do presidente do partido (que já pediu inclusive a demissão do presidente do BC), mas concordo que, no conjunto, a política econômica deve ser melhorada para apressar o desenvolvimento. "A política econômica deve ser melhorada Melhorar em que sentido? Temos de ter uma preocupação menor com a questão fiscal e com a geração de superávit. Poderíamos calibrar esses 4,5% (meta de superávit primário estabelecida em relação ao Produto Interno Bruto) para baixo, para que sobre dinheiro para investimentos. A redução dos juros também é um agente de desenvolvimento de investimentos. "Poderíamos calibrar esses 4,5% (do PIB, A reforma tributária, ainda em discussão na Câmara, vai contra ou a favor dessa direção? Ainda falta definir as novas regras do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por exemplo. As pessoas acham que mudar ICMS é como carregar lata d’água. Não é assim. Trata-se de um imposto muito importante, que modifica a vida dos estados e dos municípios brasileiros. Já está todo mundo tentando se proteger, enquanto se desenha a legislação complementar sobre o assunto. Isso vai gerar uma carga tributária terrível, os estados que estão trabalhando em cima da lei complementar estão se protegendo, ninguém quer perder arrecadação. Essa calibragem está gerando contínuos recordes de arrecadação para o governo. Que mudanças o senhor apóia para o ICMS? Precisamos deslocar o imposto do consumo para a renda, porque hoje o pobre paga mais impostos do que o rico. O consumo não pode ter tantos impostos e não se pode tributar o investimento. O indivíduo que vai comprar uma máquina, por exemplo, já paga imposto, quando deveria ser tributado somente na hora que o maquinário começa a gerar produtos. É preciso ter calma para tratar disso, mas querem passar de afogadilho. A meta do PT é fazer a unificação do ICMS e centralizar isso junto ao governo federal. É mais um projeto de poder do que de economia. "A meta do PT é fazer a unificação do ICMS e Da forma que está, o PL vota contra a chamada emenda paralela da reforma tributária, que está na Câmara? O PL não vota a favor dessa PEC (225/04), na forma que está, de forma alguma. O imposto sobre circulação tem de ser retirado totalmente. Antes eu estava sozinho, era um Dom Quixote. Agora não estou mais, há gente de todos os estados apoiando essa proposta. O senhor prevê dificuldades para o governo na votação do projeto que corrige o imposto de renda, já que o governo resiste a fazer mudanças mais profundas? Se existe inflação e correção de salários, tem de existir correção na faixa do imposto de renda. Não se pode deixar que a arrecadação tome mais uma parte da renda do trabalhador. A voracidade com que os governos – não só deste, porque o governo Fernando Henrique também foi assim – trabalham na arrecadação é uma coisa fantástica. Não estão se contentando em comer os ovos, já estão comendo o ovo dentro da galinha. Com a velocidade com que conduzem o processo, logo vão comer a galinha também. Aí não teremos mais quem ponha ovos. É isso que estão fazendo com as empresas. A reforma tributária está aumentando ainda mais os impostos. É impossível crescer num país dessa forma. Precisamos colocar o viés de impostos e juros todo para baixo. "Se existe inflação e correção de salários, Enquanto governo, o PL se sente constrangido em votar o salário mínimo de R$ 260? O salário mínimo não é do parlamento, nem do PL. É do governo. O presidente Lula e sua equipe econômica definiram que o valor só pode chegar a R$ 260. Tudo o que estamos fazendo no Congresso em relação a esse assunto tem sido de forma irresponsável. O PL entende que tem de haver planejamento. Por isso, propusemos um projeto de lei que reajusta o salário mínimo, além da inflação, em 10,41% ao ano. Com a aplicação desse índice, em sete anos teremos um salário mínimo com poder de compra dobrado. Como sou pragmático, entendo que o governo poderia dar os R$ 260 este ano e planejar para 2005 a reposição da inflação mais 10%. Até lá, teria tempo para cortar despesas e arrumar a Previdência. "O salário mínimo não é do parlamento, Como fazer isso na prática? Quando se conhece o tamanho do abacaxi fica mais fácil se preparar. Já mandamos colocar emendas no PPA (Plano Plurianual) e vamos apresentar emendas no orçamento para isso. Estamos fazendo algo de forma consciente. O que os demais partidos estão fazendo é jogar para a platéia. O trabalhador precisa de medidas objetivas. Se o governo Fernando Henrique tivesse feito esse planejamento, teríamos um salário mínimo dobrado ao final de sua gestão. Se Lula tivesse começado a fazer isso no ano passado, já teríamos quase 30% a mais de salário mínimo agora. Mas, para isso, o governo teria de abrir mão da política de austeridade econômica, coisa que ele não parece disposto a fazer no momento… O Ministério da Fazenda sempre resiste. O que o governo precisa entender é que ele precisa distribuir renda para fazer o dinheiro circular na economia. Não tem jeito de matar o trabalhador. Se você não pagar o trabalhador, não existe consumo. Sem consumo, não existe renda. |