Istoé
Quem tem medo de Cachoeira
Nas últimas semanas, a revelação das conexões do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com políticos, empresários e policiais estremeceu a capital federal. O arsenal de informações contidas no inquérito da Operação Monte Carlo foi tão devastador que conseguiu silenciar uma das principais vozes da oposição, o senador Demóstenes Torres (DEM/GO). O parlamentar, porém, pode não ser o único a cair em desgraça sob a acusação de manter ligações perigosas com o contraventor. Para tentar entender por que Cachoeira atemoriza tanta gente, mesmo isolado numa pequena cela do presídio federal de Mossoró, Rio Grande do Norte, ISTOÉ ouviu pessoas ligadas a ele. Os relatos dão conta de um esquema milionário que abasteceu o caixa 2 de diferentes partidos. Os pagamentos eram acertados pelo próprio Cachoeira com os arrecadadores de campanha. E o que mais provoca temor em seus interlocutores e comparsas: a maioria dessas negociatas foi devidamente registrada pelo empresário da jogatina.
Em pouco mais de uma década, o bicheiro acumulou um vasto e explosivo acervo de áudio e vídeo capaz de comprometer muita gente graúda. Na operação de busca e apreensão na casa de Cachoeira no início do mês, a PF encontrou dentro de um cofre cinco CDs avulsos.
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No entanto, outra parte do material – ainda mais explosivo – estava escondida em outro lugar, uma chácara em Anápolis (GO). O local sempre serviu como espécie de quartel-general para reuniões do clã Cachoeira, além de esconderijo perfeito para seu acervo de gravações. Conforme apurou ISTOÉ, nos vídeos que ainda estão em poder de Cachoeira não constam apenas reuniões políticas ou pagamentos de propina. Lá há registros de festinhas patrocinadas por ele com a presença de empresários e políticos. Uma artilharia capaz de constranger o mais desinibido dos parlamentares.
Desemperra Gurgel
PublicidadeMais de quatro mil processos estão paralisados no gabinete do procurador-geral, o que atrapalha as investigações contra políticos acusados de corrupção. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, ficou conhecido como o engavetador de processos e denúncias contra políticos e gente graúda. Nas suas mãos, tudo parava e a sensação era a de que quem tinha poder jamais se tornaria réu. Nove anos se passaram desde que Brindeiro deixou o cargo, mas o enredo de lentidão – e consequente impunidade – nos processos se repete. Agora sob o comando de Roberto Gurgel, o Ministério Público Federal volta a ser visto como um obstáculo ao desfecho das ações penais. A diferença entre o procurador escolhido por FHC e o indicado pela presidenta Dilma Rousseff está na forma de agir. Enquanto o primeiro arquivava os inquéritos sem constrangimentos com uma simples canetada, Roberto Gurgel fica inerte diante das acusações encaminhadas pela Polícia Federal. No caso relacionado ao senador Demóstenes Torres (DEM-GO), Gurgel só agiu depois de pressionado pela opinião pública.
Na mesa do procurador-geral da República estão parados 4.346 processos. Entre eles, ações movidas pela PF contra pelo menos dois governadores e uma dezena de parlamentares. Um dos processos envolve o governador Pedro Dias (PP), do Amapá. Em setembro de 2010, a Operação Mãos Limpas levou-o para a cadeia sob a acusação de chefiar um esquema de desvio de recursos públicos. A operação vai completar dois anos sem que Gurgel sequer tenha oferecido denúncia contra a suposta quadrilha comandada por Dias. No Distrito Federal, o ex-governador José Roberto Arruda também segue a vida com tranquilidade graças à inação da procuradoria. Em novembro de 2009, um vídeo no qual Arruda aparecia recebendo R$ 50 mil resultou na prisão do político do DEM, que tinha índices de apoio popular que beiravam os 80%. Arruda perdeu o cargo, o partido e a liberdade por dois meses. Hoje, mais de dois anos depois, o símbolo do esquema que abalou o GDF ainda não sofreu nenhuma acusação formal pelo Ministério Público.
As provas sumiram
No dia 19 de outubro de 2011, uma decisão da ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, pôs sob suspeita a segurança do Judiciário na proteção de provas que sustentam processos. O despacho da ministra refere-se à ação penal 605, que investiga o esquema comandado pelo governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), para neutralizar o adversário Semy Ferraz (PT), que disputava uma vaga de deputado estadual e fazia críticas abertas a ele na campanha de 2006. O processo tramitava havia cinco anos no STF, quando a ministra percebeu que as gravações que subsidiavam a denúncia feita pelo Ministério Público Federal haviam sido retiradas da ação e substituídas por dois DVDs vazios. Ao notar o sumiço dos áudios, Cármen Lúcia pediu as cópias das gravações desaparecidas e mandou apurar quem são os culpados pelo extravio de provas em benefício dos acusados. O fato inviabiliza a continuidade das investigações, pois o STF tem de atestar a autenticidade de grampos telefônicos antes de julgar o caso. “Oficie-se à 5ª Vara Federal de Campo Grande, requisitando o envio de cópias das mídias não localizadas e cuja responsabilidade deverá ser apurada”, diz a ministra.
De acordo com denúncia do MP Federal, o governador de Mato Grosso do Sul, seu filho, André Puccinelli Júnior, e seus assessores “idealizaram um plano para imputar falsamente” ao adversário do PT a acusação de crime eleitoral. Nas gravações feitas pela Polícia Federal, Puccinelli Júnior conversava com assessores e com o deputado federal Edson Giroto (PMDB-MS) sobre uma falsa lista de eleitores que seria usada para acusar o candidato do PT de compra de votos. Com base nesses diálogos, em setembro do ano passado o MP pediu a condenação de cinco pessoas por denunciação caluniosa, entre elas o próprio Giroto e o filho de André Pucinelli.
Calote collorido
Aos 47 anos, Rosane Malta é uma mulher decidida a reconstruir a própria vida. Desde que se separou do ex-presidente Fernando Collor, a primeira-dama do impeachment vive uma verdadeira saga. Em busca de uma pensão alimentícia determinada pela Justiça e do direito de dividir com Collor parte do patrimônio milionário acumulado durante o casamento, Rosane moveu, em 2008, duas ações contra o ex-marido. Mas a partir daí começou a provar o gosto amargo de ser adversária do poderoso senador por Alagoas. Advogados abandonaram seu processo sem maiores explicações, magistrados protelaram o desfecho do caso e depois se declararam impedidos de prosseguir com o trabalho e agora o Tribunal de Justiça demora a indicar um substituto para a juíza Nirvana Coelho, a última a desistir da ação. O drama vivido pela ex-primeira-dama é um retrato da influência política na terra dos marechais. “Aqui acontecem coisas muito estranhas, difíceis de acreditar. O Fernando controla tudo de uma forma assustadora. E ninguém tem coragem de enfrentá-lo”, diz Rosane.
A reclamação de Rosane Malta tem razão de ser. Há um ano a Justiça determinou que, na divisão de bens, ela teria direito a dois apartamentos e dois carros de luxo ou a uma indenização estimada em R$ 900 mil. Collor recorreu e o processo parou. Em outra frente, a ex-primeira-dama luta por quase dois anos de pensão alimentícia atrasada e calcula que deveria receber perto de R$ 290 mil. Como se sabe, pensão atrasada é problema sério para um cidadão comum. Mas com Collor tudo é diferente. Os oficiais de Justiça em Alagoas passaram três anos e dez meses sem notificar o atual senador, alegando que ele não estava sendo encontrado. Deram essa justificativa, embora Collor tenha endereço certo, casa de praia e cumpra expediente no Senado da República, onde preside uma comissão permanente.
Na Índia, Dilma nega “guerra” com Congresso e culpa imprensa
A presidente Dilma Rousseff negou nesta quinta-feira (29), em Nova Délhi, a existência de um confronto entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Durante entrevista coletiva, Dilma reagiu ao ser questionada se havia vencido a “guerra” com o Legislativo, após a aprovação, na quarta-feira, do Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais (Funpresp) e da Lei Geral da Copa. “Eu não venci guerra nenhuma”, rebateu.
Segundo a presidente, a crise nunca existiu na realidade, sendo em boa parte criada pela imprensa. “Uma parte disso vocês é que criam, né, gente. Vocês criam, e o que é que eu posso fazer? Vocês chegam à conclusão que tem uma crise e depois têm de resolver como é que ela desapareceu. Aí vem as hipóteses”, criticou.
No início de março, insatisfeitos com o tratamento dispensado pelo Executivo, parlamentares da base aliada rejeitaram, como retaliação, a nomeação de Bernardo Figueiredo para continuar no comando da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O episódio irritou a presidente Dilma que, desde então, trocou a liderança do governo na Câmara e no Senado.
Época
O legislador e o fora da lei
Novos documentos e escutas mostram a intensa troca de favores entre o senador Demóstenes Torres e o bicheiro Carlinhos Cachoeira – da saúde pública às licitações da Copa.
Qual é o papel de um líder? Conseguir que outros o sigam. Inspirar seus subordinados por meio de suas próprias ações. Servir de exemplo para as futuras conquistas de um corpo coletivo. O senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, liderava seu partido no Senado Federal. Suas palavras e atitudes, apoiadas num passado de credibilidade no mundo jurídico e como secretário da Segurança Pública de seu Estado, eram respeitadas na cena política nacional. Não mais. Documentos e escutas telefônicas revelados nas últimas semanas mostram que, em vez de representar seus mais de 2 milhões de eleitores, Demóstenes se concentrou em defender os interesses de um único cidadão brasileiro: o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Demóstenes fez lobby para Cachoeira no Congresso Nacional, na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e na Infraero, empresa responsável pela infraestrutura dos aeroportos do país. Uma transcrição obtida com exclusividade por ÉPOCA mostra que Demóstenes também pedia favores a Cachoeira. Ele queria que o bicheiro, influente no Centro-Oeste, ajudasse a agência de publicidade de um amigo a conseguir contratos em Mato Grosso para a Copa do Mundo (leia o documento abaixo). Acumulam-se as evidências de uma relação promíscua entre um legislador e um fora da lei.
Investigações da Polícia Federal mostram que essa relação incluía inúmeras conversas amistosas, acompanhadas de troca de favores. Um desses bate-papos ocorreu num final de tarde, exatamente às 16h38, do dia 11 de abril de 2011. Os dois conversaram sobre negócios ao telefone. Demóstenes pediu ajuda a Cachoeira para vencer uma licitação em Mato Grosso. Estava em disputa a prestação de serviços de marketing relacionados à Copa do Mundo de 2014. Demóstenes diz a Cachoeira que um “amigo nosso”, dono de agência de publicidade, está interessado. “Cê acha que consegue?”, pergunta Demóstenes. “Acho um negócio bacana. Se for do interesse seu… (de Demóstenes)”, responde Cachoeira. “Eu acho que consigo.” Quatro minutos depois, os dois voltam a se falar, e Demóstenes afirma que passará na casa de Cachoeira para conversar mais sobre o assunto. A ocasião realmente merecia uma discussão mais profunda: estavam em jogo dois lotes, de R$ 13 milhões cada um.
Cade quer investigar taxa sinistra
Foram abertas duas frentes de investigação sobre a cobrança de R$ 100 feita pelas seguradoras para emitir apólices. Esse valor de R$ 100 é um adicional, além do custo do seguro, autorizado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), a toque de caixa, num processo cuja legalidade é questionada por procurador da Advocacia Geral da União (AGU), conforme revelou ÉPOCA, em reportagem, no início de março. Só com a emissão de apólices, as seguradoras já arrecadaram algo em torno de R$ 4 bilhões, em dois anos, segundo cálculo de especialistas.
A Susep é o órgão federal fiscalizador e regulador do mercado. Era comandada pelo deputado federal Armando Vergílio (PSD-GO) quando o valor máximo permitido para a cobrança da apólice foi alterado de R$ 60 para R$ 100. De cada R$ 100 arrecadados, R$ 20 ficam com os corretores de seguros, categoria cuja federação é presidida por Vergílio. Em 2010, Vergílio se elegeu, pela primeira vez, com ajuda financeira de seguradoras.
Uma das investigações sobre a taxa de R$ 100 foi solicitada ao Ministério Público Federal pelo deputado estadual Paulo Ramos (PDT-RJ). Na representação criminal, o deputado classifica a cobrança como ilegal e pede o envolvimento da Procuradoria da República no caso, por considerá-lo grave. “Todas as despesas da companhia seguradora, inclusive o de emissão de apólice, são os custos dos serviços contratados. Já fazem parte do cálculo atuarial para o prêmio”, diz. “Imagine se os fabricantes de produtos industrializados pudessem cobrar adicionais pelos manuais de garantia (…). Absurdo!”, completa o deputado.
“Queremos atos e não só palavras”, diz Blatter sobre preparativos para a Copa do Mundo
Dias depois de passar pelo Brasil e tratar e ser tratado de forma amistosa pela presidente Dilma Rousseff, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, foi duro nesta sexta-feira (30) ao cobrar obras e avanços políticos para a realização da Copa do Mundo de 2014. Irritado, Blatter afirmou que a entidade que controla o futebol mundial quer ver ações e não mais declarações de autoridades brasileiras.
Blatter fez os comentários em entrevista coletiva ao final da reunião do Comitê Executivo da Fifa, em Zurique, na Suíça. Ele não deixou que o secretário-geral da Fifa, o francês Jérôme Valcke, falasse sobre o relacionamento da Fifa com o governo brasileiro, mas afirmou que Valcke continuará sendo o interlocutor da entidade com o Brasil. Em fevereiro, as relações entre o Planalto e Valcke entraram em crise depois que o francês afirmou que os organizadores da Copa mereciam um “chute no traseiro” por causa da demora em obras e a aprovação da lei. Blatter disse que essa crise diplomática estava superada e não escondeu a irritação com o andamento das obras no Brasil. “Pelo menos votaram a Lei Geral no Congresso. A bola está com eles agora. Queremos atos, e não mais só palavras”, disse.
Empréstimo viciado
Devo, não nego, pago quando puder”, diz o dito popular. Não com o crédito consignado. Promovido em 2004 como forma de aquecer a economia, ele é uma maneira relativamente segura de endividamento. O interessado toma empréstimo no banco e paga em parcelas descontadas automaticamente do salário. Como o risco de inadimplência é menor, os juros caem. Credores, devedores, todos ganham. Especialmente um seleto grupo de pessoas que viram no serviço uma mina de ouro. Em diversos locais do país, políticos, parentes e agregados têm conseguido contratos com governos estaduais e prefeituras para fornecer programas de computador que gerenciam os empréstimos dados a funcionários públicos. Além dos esquemas de favorecimento, as operações desse tipo colocam em risco o sigilo das informações financeiras e cadastrais dos tomadores de dinheiro.
O software usado nas operações de empréstimo consignado é um elemento pouco conhecido dessa modalidade de crédito. Ele funciona como intermediário entre os órgãos públicos em que os servidores trabalham e os bancos. A intermediação é necessária. Serve para informar ao banco quanto do salário do servidor ainda está disponível para empréstimo. Operadores ligados aos bancos, porém, listam pelo menos quatro problemas associados a essas operações.
Millôr Fernandes (1923-2012) – Um artista único, uma vida original
“Millôr, que tudo sabe, querendo saber mais.”A frase faz parte de uma ilustração do cartunista e amigo Jaguar, pregada no apartamento de Millôr Fernandes, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Millôr, morto após sofrer um AVC na quarta-feira 28, perseguia o conhecimento. Jornalista, escritor, ilustrador, dramaturgo e tradutor, ele viveu seus 88 anos construindo sua individualidade como homem e artista. “Ganhei medalha de ouro no concurso para mim mesmo”, dizia. A começar pelo nome. Seus pais, Francisco e Maria Viola, queriam que o filho se chamasse Milton. No registro em cartório, o “n” foi confundido com um “r”, e o corte da letra “t”, com um acento circunflexo do “o”. Ainda assim, ele foi chamado de Milton até os 17 anos, quando viu sua certidão de nascimento e decidiu adotar o nome oficial. Criou-se assim um nome único, para um homem único.
Millôr obteve êxito de crítica e de público em todos os lugares e áreas por que passou. O pano de fundo de seu início de carreira foram os anos de ouro da intelectualidade carioca. Ele conviveu com alguns dos maiores pensadores e artistas: Vinicius de Moraes, Nelson Rodrigues, Paulo Francis. Todos estavam apenas começando. Em 1938, aos 15 anos, conseguiu emprego na revista A Cigarra, após vencer um concurso de crônicas. Um dia, a revista ficou com um buraco, devido à desistência de um anunciante. Já ciente do talento do jovem para o humor, o editor Francisco Chateaubriand pediu que ele ocupasse as páginas. Livremente. Millôr assinou Vão Gogo e ganhou o espaço. Em pouco tempo, era diretor de redação.
A liga antivinho
Nos últimos anos, tomar um bom vinho, no Brasil, deixou de ser um hábito restrito a um pequeno grupo de consumidores. “Nunca antes neste país”, como diria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bebeu-se tanto vinho quanto agora. Desde 2005, o consumo de vinhos finos passou de 59,4 milhões para 92,2 milhões de litros por ano, segundo a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), a entidade que reúne os produtores nacionais – um aumento de 55%, o dobro do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no período.
Com a explosão do consumo, a oferta se diversificou. Em 2011, foram vendidos no Brasil vinhos procedentes de 30 países. As lojas especializadas se multiplicaram. Os supermercados, mesmo os mais populares, destinaram espaços exclusivos para a bebida. Nos restaurantes, pedir uma “tacinha” para acompanhar a refeição virou prática comum para um número cada vez maior de brasileiros. Uma espécie de cultura do vinho, praticamente inexistente até pouco tempo atrás, prosperou. Os cursos para profissionais e apreciadores pipocaram em todo o país. As adegas climatizadas tornaram-se um objeto do desejo. Em meio a essa febre do vinho, surgiu até a figura bizarra do “enochato”, uma espécie de caricatura do novo consumidor da bebida. O “enochato”, na ânsia de se passar por conhecedor, abusa de maneirismos que, nos países com forte tradição na área, como França e Itália, só se observam em sofisticadas sessões de degustação.
O porão no fundo do poço
De candidato favorito à Presidência da França a pária em poucos dias. Até que, em agosto do ano passado, o pesadelo de Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), parecia ter chegado ao fim. Strauss-Khan parecia acabado, mas, diante da falta de provas concretas de que tivesse violentado uma camareira de hotel em Nova York, ele voltou a respirar. Sabe-se agora que no fundo do poço havia um porão. Na segunda-feira 26 de março, DSK, como é conhecido, foi indiciado pelas autoridades francesas por suspeita de envolvimento numa rede de prostituição e formação de quadrilha. Se condenado, poderá pegar até 20 anos de prisão.
Aos 62 anos, DSK começou a percorrer o segundo lance de escadas de sua descida ao inferno em outubro do ano passado. Na época, surgiram notícias sobre sua participação em orgias organizadas no hotel Carlton, na cidade de Lille, no norte da França. Outras festas de arromba haviam sido registradas em Bruxelas, Paris e Washington, com a participação do homem que ocupava o topo da economia mundial. Para a polícia francesa, há fortes indícios de que DSK sabia que as mulheres convidadas para as festas eram prostitutas. Na França, a prostituição não é crime, mas incentivar e facilitar o trabalho das moças é – e dos mais graves. A lei entende como facilitação até mesmo dar carona a uma prostituta a caminho de um cliente. A Justiça francesa considera que, em Lille, havia uma quadrilha organizada para esse fim, um agravante. As moças eram, segundo as investigações, contratadas por dois empresários amigos de DSK. Policiais de alto escalão também participavam do esquema. Eles tentavam agradar ao homem que poderia vir a ocupar a cadeira de presidente da França, em troca de favores futuros.
É a política, estúpido!
Existem duas cidades chamadas Nogales – uma no México e outra nos Estados Unidos. São vizinhas, estão localizadas no mesmo deserto, e suas populações compartilham vários hábitos, entre eles o gosto por pratos apimentados. Mas os habitantes de uma das Nogales levam uma vida bem diferente dos que vivem na outra. Eles têm um sistema público de saúde que funciona, trafegam com seus carros em vias asfaltadas e podem andar tranquilamente pelas ruas – a cidade não registra um só homicídio há quatro anos. Na outra Nogales, os hospitais são superlotados, há muitas ruas de terra, e o risco de sofrer com a violência é bem maior – foram 76 homicídios em 2011, ou 34 para cada 100 mil habitantes. Não é difícil imaginar qual delas é a mexicana e qual a americana. Mais complicado é explicar por que elas são tão diferentes, mesmo separadas apenas por uma cerca. O economista turco Daron Acemoglu, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), e o americano James Robinson, da Universidade Harvard, usam o exemplo de Nogales para tentar responder a uma pergunta que mobilizou, ao longo dos séculos, vários pensadores: afinal, por que alguns países se tornam desenvolvidos e outros não avançam?
O escocês Adam Smith, pai do liberalismo econômico e autor do célebre A riqueza das nações (1776), disse que “pouco mais é preciso para um Estado prosperar do que paz, um sistema tributário simplificado e leis razoáveis”. Smith só não explicou como alcançar esse “pouco mais”. Antes dele, o francês Charles de Montesquieu, cujo livro O espírito das leis (1748) estabeleceu a divisão de um Estado em três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário –, teorizou sobre o fracasso dos países de clima tropical: eles não se desenvolviam porque o calor deixava as pessoas indolentes, sem espírito de inovação. No século XX, o sociólogo alemão Max Weber, em seu Ética protestante e o espírito do capitalismo (1905), lançou a ideia de que os países de maioria protestante eram mais prósperos porque seus valores religiosos glorificavam o trabalho e a acumulação de riquezas.
Carta Capital
José Serra, a âncora
O mais impressionante das prévias do PSDB em São Paulo não foi a vitória apertada de José Serra, embora os magros 52,1% tenham causado muxoxos de analistas políticos que apostavam em um desempenho deslumbrante de quem foi presidenciável duas vezes, governador, prefeito e “o melhor ministro da Saúde” da história do Brasil, como ainda repetem os serristas. E de quem tinha o apoio irrestrito dos caciques partidários: do governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à avassaladora maioria das bancadas de deputados federais e estaduais.
Para os fundadores da legenda, realmente doloroso é constatar mais uma vez que sua verdadeira (ou talvez única) base de apoio social se resuma aos meios de comunicação. E talvez nem este segmento se mostre mais tão entusiasmado. Na terça-feira 27, em editorial, o Estado de S. Paulo não escondeu sua irritação: “O segundo resultado constrangedor (das prévias) foi a própria vitória de Serra (…) tal desfecho foi a proverbial vitória de Pirro, sem tirar nem pôr”.
Governador e outras autoridades ‘nunca tiveram vergonha na cara’
“O governador, o secretário de Transportes, o representante da Agência Reguladora de Transportes do Rio de Janeiro , todos, nunca tiveram vergonha na cara, no que diz respeito a transporte público no Rio de Janeiro.” A frase, agressiva, mostra a indignação do deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL. Nessa fala, pronunciada no plenário da Assembleia Legislativa do Rio, ele continua cuspindo marimbondos:
“A barca é cara e não funciona; o metrô se tornou mais caro, é o metrô mais caro do Brasil e é péssimo; o sistema de ônibus, a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro faz o que quer, a Fetranspor deita e rola. O investimento nos ônibus, nas linhas é a prefeitura que faz e o empresário que lucra! Cadê a análise de custo dessas empresas, para saber se a passagem é compatível? É segredo de estado, porque o dia que mostrar, vai cair todo mundo!”
A causa da irritação do deputado foi o resultado de uma segunda Audiência Pública sobre a construção da Linha 4 do Metrô do Rio, que deverá, por compromisso com a organização da Copa, chegar “até a Barra da Tijuca.
Governo promete mudanças na Lei Seca
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de afrouxar a Lei Seca levou o governo federal a prometer mudanças na legislação para evitar o sepultamento da norma. Na quinta-feira 29, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, demonstrou preocupação com o que chamou de “impunidade” provocado pelo entendimento do tribunal e anunciou a intenção de promover mudanças na redação da lei.
A declaração acontece após o STJ decidir que provas distintas do bafômetro ou do exame de sangue – como o testemunho de guardas de trânsito – não são válidas para condenar motorista que dirige embriagado. “Queremos coibir com muito vigor o ato de irresponsabilidade de beber e dirigir e, se queremos uma sanção penal, precisamos mudar a lei”, afirmou o ministro.
Segundo Cardozo, a ideia é fazer alterações sem mudar o espírito da lei. “O objetivo é permitir que uma pessoa em visível estado de embriaguez possa ser condenada também por outros meios de provas admitidos em direito, como testemunha, vídeo, entre outros”.
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