IstoÉ
Cachoeira chega a Perillo
A organização criminosa montada pelo bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, revela-se aos poucos muito mais ampla do que se pensava. Após a derrocada do senador Demóstenes Torres, que foi obrigado a abandonar o DEM e corre o risco de perder o mandato por suas ligações com Cachoeira, o dilúvio de informações que constam no inquérito da Operação Monte Carlo chega ao governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). De acordo com a PF, pessoas ligadas diretamente a Perillo vazaram previamente a Cachoeira informações sigilosas sobre ações policiais, permitindo ao bicheiro se antecipar a operações de repressão à jogatina. Além disso, o monitoramento de Cachoeira também identificou laços estreitos com políticos e empresários e sua influência na nomeação de dezenas de pessoas para ocupar funções públicas no governo de Goiás.
Em diálogo gravado pela PF, obtido com exclusividade por ISTOÉ, Carlinhos Cachoeira pede ao ex-presidente da Câmara Municipal de Goiânia Wladimir Garcez, apontado pela PF como arrecadador de campanha de Perillo, informações sigilosas sobre ações do grupo tático (GT3), a unidade de elite da Polícia Civil local. Wladimir, então, promete apurar com o corregedor-geral de Segurança Pública do Estado, Aredes Correio Pires, e com “Edmundo”, que a PF identifica como o delegado Edemundo Dias Filho, também tesoureiro do PSDB de Goiás. “Vai lá no Aredes pra ver o que que tá acontecendo”, ordena Cachoeira, a quem Wladimir se refere como “chefe”. “É, tô indo aqui do Edmundo. Já tô chegando aqui. Vou ligar pro Aredes.” Horas depois, Wladimir retorna com a informação sobre uma atuação policial na região de Valparaíso, no entorno de Goiás. “Não. Tava previsto só essa ação e uma em Val. Ele vai ver, mas não tem nada previsto mais, não. Mas ele vai confirmar isso para mim agora. Só tava previsto isso… essa aí e… GT3 não tá mais previsto pra lá, não em nenhuma ação”.
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Numa outra conversa, Wladimir descreve para Cachoeira um diálogo que manteve com Aredes Pires, em que o corregedor de Segurança Pública fala no “governador” ao tratar de um “processo do Edmundo”. “É o seguinte: eu tava com o Aredes aqui, agora, ficamos um tempão. Ele tá tentando pegar os locais pra gente na inteligência agora”, disse Wladimir Garcez. “Aí eu perguntei pra ele o negócio da… o Edmundo. O Edmundo não tá preocupado com isso, não? Ele falou: ‘Não, tá nem um pouco preocupado’. O governador disse que ia resolver para ele. Tá confiando no governador.”
Cachoeira pede então ao ex-vereador que determine a Edemundo Dias Filho a transferência de responsabilidade sobre as operações de repressão ao jogo do GT3 para a Força Nacional. “Liga no celular do Edmundo, rapaz. Vai lá na casa dele”, manda Cachoeira. Em seguida, Cachoeira fala com o próprio corregedor sobre as ações da polícia no combate ao jogo ilegal. Falando como quem tivesse prestando contas, Aredes tenta tranquilizar o contraventor. “Eu tenho que conversar com o pessoal da inteligência de lá. Lá tem um grupo grande que tava fazendo o serviço. Mas num tá previsto pra esse final de semana, não tá”. O chefe da Polícia Civil e tesoureiro tucano negam qualquer relação com o bicheiro. Na análise dos áudios, a PF indica que Cachoeira pagava regularmente aos integrantes do governo Marconi Perillo “para ter acesso a informações de interesse financeiro ou político da organização criminosa”. Além de Aredes, outro chefe da segurança em Goiás comprovadamente envolvido é o coronel Massatoshi Sérgio Katayama, o “Japão”, comandante da PM. Nos diálogos gravados pela PF, o auxiliar de Katayama, conhecido como Ananias, chamava Cachoeira de “chefe”, a exemplo de Wladimir. O empresário do jogo também exercia influência sobre a Secretaria de Indústria de Comércio, onde trabalhariam seis parentes de Cachoeira e do ex-presidente da Câmara Municipal. O presidente do Detran goiano, Edivaldo Cardoso, também é citado no inquérito da operação.
Cachoeira pede então ao ex-vereador que determine a Edemundo Dias Filho a transferência de responsabilidade sobre as operações de repressão ao jogo do GT3 para a Força Nacional. “Liga no celular do Edmundo, rapaz. Vai lá na casa dele”, manda Cachoeira. Em seguida, Cachoeira fala com o próprio corregedor sobre as ações da polícia no combate ao jogo ilegal. Falando como quem tivesse prestando contas, Aredes tenta tranquilizar o contraventor. “Eu tenho que conversar com o pessoal da inteligência de lá. Lá tem um grupo grande que tava fazendo o serviço. Mas num tá previsto pra esse final de semana, não tá”. O chefe da Polícia Civil e tesoureiro tucano negam qualquer relação com o bicheiro. Na análise dos áudios, a PF indica que Cachoeira pagava regularmente aos integrantes do governo Marconi Perillo “para ter acesso a informações de interesse financeiro ou político da organização criminosa”. Além de Aredes, outro chefe da segurança em Goiás comprovadamente envolvido é o coronel Massatoshi Sérgio Katayama, o “Japão”, comandante da PM. Nos diálogos gravados pela PF, o auxiliar de Katayama, conhecido como Ananias, chamava Cachoeira de “chefe”, a exemplo de Wladimir. O empresário do jogo também exercia influência sobre a Secretaria de Indústria de Comércio, onde trabalhariam seis parentes de Cachoeira e do ex-presidente da Câmara Municipal. O presidente do Detran goiano, Edivaldo Cardoso, também é citado no inquérito da operação.
PublicidadePesca fora da lei
A compra de 28 lanchas de patrulhamento marítimo pelo Ministério da Pesca entrou na alça de mira da oposição. Na segunda-feira 2, o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias, pediu à Comissão de Ética da Presidência da República que investigue o caso. Na edição de 21 de outubro de 2011, reportagem de ISTOÉ revelou que o Tribunal de Contas da União havia aberto uma auditoria para apurar suspeitas de irregularidade envolvendo a aquisição das lanchas-patrulha. O contrato de R$ 31 milhões foi assinado em 2008 com o estaleiro Intech Boating, criado apenas um ano antes da licitação. Ao concluir a análise há poucas semanas, os auditores do TCU confirmaram indícios de direcionamento na concorrência e superfaturamento das embarcações, levando o tribunal a instaurar um processo de tomada de contas especial para ouvir os envolvidos no negócio. Ao acionar a Comissão de Ética, a oposição quer saber o grau de envolvimento da ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, no escândalo. Quando ocupou a pasta da Pesca no ano passado, ela autorizou o pagamento da última parcela do contrato milionário ao estaleiro, que, por sua vez, doou ao diretório do PT catarinense R$ 150 mil na campanha de 2010. O PT-SC financiou 81% dos custos da campanha de Ideli ao governo estadual.
O pedido de doação de R$ 150 mil para a campanha do PT de Santa Catarina feito ao fabricante da frota de lanchas-patrulha partiu de Karim Bacha, secretário de Planejamento da pasta na época em que foi assinado o contrato com a empresa. Na última semana, José Antônio Galízio Neto, dono da Intech Boating, confirmou o encontro com Bacha e o pedido de financiamento. No início de setembro de 2010, Bacha, que também é filiado ao PT, participava ativamente da campanha de Ideli ao governo de Santa Catarina. A doação da Intech Boating ao comitê financeiro do PT foi feita em 13 de setembro de 2010, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.
O homem que pode mudar a justiça brasileira
A imagem de um Judiciário sisudo, onde os integrantes se comportam como se fossem deuses intocáveis, está prestes a ser enterrada. A partir do dia 19 de abril, o comando do Supremo Tribunal Federal passa para as mãos de um ministro popular, sorridente e sensível às mudanças do mundo. Carlos Ayres Britto é o retrato de uma nova fase da Justiça, que tem se aproximado cada vez mais da sociedade. Apaixonado pelos mistérios do ser humano, como ele diz, Britto é poeta desde os tempos de faculdade. Em plena ditadura militar, fazia poesias sociais enquanto dividia seu tempo entre o expediente no Banco do Brasil da cidade sergipana de Propriá, sua terra natal, e a faculdade de Direito de Aracaju. “Eu vivia na estrada. Eu aproveitava as idas e vindas e fazia poemas, não tinha tempo para me engajar nos movimentos”, contou à ISTOÉ. A atração pelas questões sociais o levou a se filiar ao PT na juventude. Ayres Britto não se envolvia diretamente com política, mas gostava de participar das reuniões em que sempre estava em pauta o sonho de construir um Brasil melhor. Em junho de 2003, quando foi indicado para o STF, ele “virou a página partidária” e deu início à trajetória do ministro que pode ajudar a mudar o perfil do Judiciário.
O sergipano de conversa fácil e gentil no trato com as pessoas não come carne, pratica caminhadas e é adepto da meditação. Seu estilo apaziguador é notado sempre que dois ministros discutem no plenário do STF. Quem o vê em seu gabinete admirando a paisagem de Brasília e reclamando que sua amada Aracaju está tomada por prédios, que ofuscam a beleza da cidade, nem imagina que nas mãos daquele homem de 1,58m de altura estará o destino de alguns dos mais importantes casos da história recente do País. O primeiro deles deve ser o mensalão do PT, no qual será julgado o maior esquema de corrupção dos últimos anos. Ayres Britto diz que tratará a ação contra 38 réus com a “atenção que um processo de tamanha proporção merece”. Ele conta que assim que assumir a presidência pretende conversar com o relator Joaquim Barbosa e com o ministro revisor Ricardo Lewandowski para fazer uma previsão sobre o dia do julgamento Ayres Britto é considerado linha-dura com políticos corruptos. Foi dele a relatoria do processo que resultou na primeira condenação pelo STF de um deputado federal em exercício, depois de 1988. Em 2010, ao defender punição para o deputado José Gerardo Oliveira por desvio de recursos públicos, Ayres Britto revelou o que pensava sobre a exigência de um currículo probo para os homens públicos. Dois anos depois, foi o principal defensor da Lei da Ficha Limpa, que afasta da vida pública candidatos que tenham sofrido algum tipo de condenação judicial por órgão colegiado. “Pode um político que já desfilou em toda a extensão do Código Penal ser candidato?”, questionava.
Época
O alvo deles era Dilma
Como qualquer empresa, as organizações criminosas têm seus planos de sobrevivência e expansão. O grupo do empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, inovou em muita coisa, mas não nesse aspecto. Cachoeira tinha negócios escusos e planos de novos empreendimentos em Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso e Tocantins, onde contava com a ajuda de políticos e agentes públicos, de acordo com as investigações da Polícia Federal. Mas Cachoeira queria mais. Conversas telefônicas entre Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (ex-DEM, agora sem partido), gravadas com autorização judicial e obtidas com exclusividade por ÉPOCA (ouça os áudios ao fim desta reportagem), mostram que os dois planejavam se aproximar de alguma forma do Palácio do Planalto. Numa das ligações captadas, Cachoeira orienta Demóstenes a aproveitar um convite para trocar o DEM pelo PMDB, com o propósito de se juntar à base de apoio do governo e se aproximar da presidente, Dilma Rousseff. “E fica bom demais se você for pro PMDB… Ela quer falar com você? A Dilma? A Dilma quer falar com você, não?”, pergunta Cachoeira. Demóstenes responde: “Por debaixo, mas se eu decidir ela fala. Ela quer sentar comigo se eu for mesmo. Não é pra enrolar”. Cachoeira se empolga: “Ah, então vai, uai, fala que vai, ela te chama lá”. Como se fosse um bom subordinado, Demóstenes acata a recomendação.
Quando esse diálogo ocorreu, no final de abril de 2011, Demóstenes estava em plena negociação com caciques do PMDB, como os senadores Renan Calheiros e José Sarney, para mudar de legenda. Um dos maiores opositores do governo – e carrasco de petistas acusados de corrupção – tencionava aderir ao governo do PT. Segundo dirigentes do PMDB, àquela altura a mudança de partido já tinha o aval do Palácio do Planalto. Tudo nos bastidores, porque em público Demóstenes continuava oposicionista. As gravações mostram agora que um dos objetivos da radical troca de lado era estar mais bem situado para ajudar o esquema de Cachoeira.
O plano de Cachoeira de se aproximar do governo deu errado. Demóstenes, ao que tudo indica, ficou com receio de acabar alijado do Congresso. Ele estava convencido de que a cúpula do DEM pediria à Justiça a cassação de seu mandato por infidelidade partidária. A assessoria do Palácio do Planalto afirma que a presidente, Dilma Rousseff, não falou com Demóstenes desde que assumiu a Presidência.
Leia ainda: Época: Cachoeira e Demóstenes queriam chegar até Dilma
O governador de 35 contas bancárias
Cerca de 40% dos brasileiros ainda não têm conta-corrente em banco. Na Região Norte, metade da população enfrenta essa limitação. Situação muito diferente vive o governador do Amapá, Camilo Capiberibe (PSB). Uma investigação da Polícia Federal descobriu que Capiberibe aparece como titular de 35 contas bancárias. ÉPOCA teve acesso a dados do Banco Central que mostram que Capiberibe concilia a administração do Estado com a de contas-correntes, poupança e investimentos em quatro instituições financeiras diferentes. Em cinco dessas contas, sua mulher, Cláudia Camargo Capiberibe, é cotitular. A polícia ainda não sabe explicar por que o governador mantém tantas contas para movimentar seu salário – de R$ 24 mil mensais.
A polícia chegou a Capiberibe por acaso. Em setembro de 2010, 18 pessoas foram presas pela Polícia Federal no Amapá durante a Operação Mãos Limpas. Entre elas estavam o então governador, Pedro Paulo Dias (PP), e o ex Waldez Góes (PDT), acusados de corrupção, fraude em licitações e lavagem de dinheiro. Na ocasião, Camilo Capiberibe era deputado estadual. Entre o material apreendido pela polícia havia indícios de que Capiberibe e alguns colegas desviavam recursos públicos. Eles apresentavam notas fiscais da agência de turismo Martinica como se tivessem gastado com viagens aéreas – e recebiam reembolso por isso. Após investigar a Martinica, os policiais concluíram que as notas eram frias. Os investigadores afirmam que viagens eram inventadas para que os deputados recebessem um extra dos cofres de um dos Estados mais pobres do país. Entre 2010 e 2011, os deputados estaduais amapaenses aumentaram de R$ 12 mil para R$ 100 mil mensais a cota para gastos com viagens, alimentação e combustíveis. Para saber se Capiberibe embolsou o dinheiro das passagens, a PF pediu – e a Justiça concedeu – a quebra do sigilo bancário do governador. Foi aí que apareceram suas 35 contas.
Os bairros mais cobiçados
Quando um morador de São Paulo se põe a explicar por que prefere o bairro da Vila Madalena ou da Vila Olímpia, raramente faz um julgamento objetivo. Em geral, a preferência revela mais sobre quem opina do que sobre a geografia da cidade. O mesmo ocorre quando um carioca discorre sobre as diferenças entre a Zona Sul e a Barra da Tijuca. Para quem conhece os códigos da cidade – o que cada bairro representa na mente e no coração dos moradores –, explicações desse tipo equivalem a um cartão de apresentação de quem fala.
Revela situação financeira, ambições, gostos, afinidades e até preconceitos. Essa relação com alguns pedaços charmosos da cidade não é privilégio de cariocas e paulistanos. À medida que a população se aglomera nos centros urbanos, como ocorre no mundo inteiro, o bairro – e não mais a cidade – torna-se a referência de identidade. “Numa grande cidade, ainda que na mesma faixa de renda, faz muita diferença morar num bairro ou em outro”, diz a economista Ana Carla Reis, da consultoria Garimpo de Soluções. “As pessoas com afinidades frequentam tão intensamente a mesma área que surge a sensação de que se está numa cidade pequena, mesmo vivendo numa metrópole.”
A localização do imóvel já é, isoladamente, o fator mais importante para a decisão de compra do brasileiro. Está à frente de itens tão fundamentais quanto área útil, planta, número de vagas ou segurança. Sabe-se também que os mais ricos se deslocam menos ao mudar de uma casa para outra. Eles costumam ir para lugares próximos de onde já moravam. Nas faixas de renda médias, quando se mudam, as famílias se deslocam por distâncias maiores. Elas deixam um bairro para trás e partem para outro, em busca de um novo estilo de vida.
Todos (os outros) são hipócritas
(Ruth de Aquino)
A Semana Santa, para os católicos militantes, é tempo de confissão dos pecados. O ainda senador Demóstenes Torres, demônio em pessoa para seus amigos traídos, é formado em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Não sabemos como será a Páscoa de Demóstenes.
Se usará esse tempo como um período de contrição. Se pedirá perdão ao padre e a quem acreditou nele. Se recordará a infância na cidade de Anicuns, maldizendo o momento em que caiu em tentação e virou o símbolo maior da hipocrisia política no Brasil. Se continuará a se sentir vítima de um prejulgamento do DEM, partido do qual se afastou para não ser expulso. Se dormirá o sono tranquilo dos que têm foro privilegiado. Se sonhará com a ressurreição num país sem memória que reabilita Renans e Collors. Um país que adia perigosamente o julgamento do mensalão.
Escândalos morais no Senado e na Câmara indignam os brasileiros, que se sentem reféns de um esquema grotesco de corrupção. Mas esse caso envolveu um intocável. Dá azia, um certo asco. É quase como se o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, exemplo de pacificador incorruptível, fosse flagrado recebendo propina de um chefe do tráfico. Impensável. Por isso Beltrame resiste a entrar para a política.
O Lula sincero, antes de ser contaminado pelo poder, afirmou que havia “pelo menos 300 picaretas no Congresso”. Depois, presidente eleito com a bandeira da ética, nivelou-se por baixo e passou a fazer “o que todo mundo faz”.
Nas últimas semanas, escutamos e lemos detalhes de conversas entre o “doutor” Demóstenes e o “professor” Cachoeira, gravadas pela Polícia Federal. É sabido que os senadores têm pena de si mesmos, por ganhar apenas R$ 19 mil por mês, fora as mordomias. Nada mais lógico, portanto, que um senador receba de um contraventor eletrodomésticos, passagens e uns milhões de reais. Nada mais deprimente. Ganhar de um bandido um fogão e uma geladeira importados?
O goiano não era conhecido pela massa do eleitorado (“Demóstenes quem?”). No meio político, era o paladino da ética, relator da Lei da Ficha Limpa. Suas frases de efeito resgatavam a luta pela moralidade. “Os políticos estão perdendo a vergonha na cara. A imagem do Senado, hoje, é a de um pau de galinheiro” – sobre Renan Calheiros. “Vai ser a CPI do Zé Mané: investiga o Zé Mané e esquece as autoridades” – sobre a CPI do cartão corporativo. “Defendo sempre a expulsão sumária” – sobre as denúncias contra o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do DEM.
Carta Capital
Abre o olho, Perillo
(a manchete da revista ainda não está disponível na internet)
Estandarte da hipocrisia
O senador Demóstenes Torres é uma figura mais emblemática do que ele próprio imagina. Essa derrocada que sofreu, após assumir o papel de guardião da moral pública, tem sido típica da oposição conservadora há mais de meio século.
Caso houvesse um lema na bandeira desses oposicionistas – sem dúvida representada pelo lábaro udenista (foto) – ele seria composto de duas palavras: “Moralidade e Legalidade”, e poderia ser apelidado imediatamente de “Estandarte da Hipocrisia”.
Esse espírito da UDN, hipocritamente moralista e legalista, assombra a democracia brasileira desde a fundação, em abril de 1945. Na esteira da participação militar do País na Segunda Guerra Mundial, os udenistas encarnaram o papel de principal oposição ao Estado Novo. Muita gente, à esquerda e à direita, foi presa e sofreu no cárcere. Não se sabe, no entanto, de nenhum udenista preso ou torturado durante o regime varguista.
Governo pode vencer queda de braço
A floresta na Câmara…
Muito anunciada, a derrota do governo na votação do Código Florestal pode não ocorrer. A base governista ganhou inesperadas adesões nesse caso. Líderes do PSDB, do PPS e do PSD se aproximaram das posições oficiais em defesa da proposta do Senado.
Inicialmente, no projeto aprovado pela Câmara, eles se uniram ao PMDB e votaram na Emenda 164, que dispensa agricultores, grandes e pequenos, de recuperar áreas de preservação permanente e autorizava desmatamentos para quaisquer atividades nas áreas de proteção permanente. Nessa votação Dilma perdeu por 91 votos.
… e no Senado
No Senado, foi aprovada uma proposta diferente, com apoio de todos os partidos, que deixou ameaçada a posição do PMDB na Câmara, liderada pelo deputado Henrique Alves. Radicais como Ronaldo Caiado (DEM-GO), Heinz Herwig (PMDB-PR) e Valdir Collato (PMDB-SC) se isolaram e sofrem pressão dos partidos e mesmo da frente parlamentar agropecuária.
Produtores já se preocupam com o radicalismo dos deputados ruralistas, que expõem as conquistas obtidas com os senadores. Com um pouco mais de articulação, o governo pode romper o cerco na batalha do Código Florestal.
Demóstenes, Marconi e Policarpo
O caso do senador Demóstenes Torres é representativo de uma crise moral que, a bem da sacrossanta verdade, transcende a política, envolve tendências, hábitos, tradições até, da sociedade nativa. No quadro, cabe à mídia um papel de extrema relevância. Qual é no momento seu transparente objetivo? Fazer com que o escândalo goiano fique circunscrito à figura do senador, o qual, aliás, prestimoso se imola ao se despedir do DEM. DEM, é de pasmar, de democratas.
Ora, ora. Por que a mídia silencia a respeito de um ponto importante das passagens conhecidas do relatório da Polícia Federal? Aludo ao relacionamento entre o bicheiro Cachoeira e o chefe da sucursal da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior. E por que com tanto atraso se refere ao envolvimento do governador Marconi Perillo? E por que se fecha em copas diante do sequestro sofrido por CartaCapital em Goiânia no dia da chegada às bancas da sua última edição? Lembrei-me dos tempos da ditadura em que a Veja dirigida por mim era apreendida pela PM.
*O conteúdo da nova edição da revista Veja não está disponível na internet.
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