Edson Sardinha
A legislatura que introduziu as palavras mensalão e sanguessuga no vocabulário da política nacional também soube conjugar como nunca o verbo trocar. Um em cada três dos 618 deputados que exerceram o mandato nos últimos quatro anos, entre titulares e suplentes, trocou de partido desde janeiro de 2003. De lá pra cá, dos 193 que mudaram de legenda, 70 o fizeram ao menos duas vezes. Ao todo, eles trocaram 285 vezes de partido (veja a lista completa).
Os campeões neste festival do troca-troca foram os deputados Zequinha Marinho (PSC-PA) e Alceste Almeida (PTB-RR), com seis mudanças cada. Depois deles, aparecem João Mendes de Jesus (sem partido-RJ) e Enio Tatico (PTB-GO), com cinco mudanças cada. Outros cinco trocaram quatro vezes: Lúcia Braga (PMDB-PB), Carlos Willian (PTC-MG), Lino Rossi (PP-MT), Almir Moura (sem partido-RJ) e Pastor Amarildo (PSC-TO) (veja as justificativas apresentadas por eles).
Além da inconstância partidária, esses parlamentares têm outra coisa em comum: a maioria não voltará à Câmara em 2007. Apenas Zequinha Marinho e Carlos Willian renovaram seus mandatos por mais quatro anos. Troca de partido parece, definitivamente, não rimar com reeleição.
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Dos 193 que mudaram de legenda, 110 não se reelegeram, concorreram sem sucesso a outros cargos ou simplesmente não se candidataram, e outros seis não concluíram o mandato (leia mais). Só 77 (40%) conseguiram se reeleger em outubro. O percentual é inferior ao índice de renovação da nova Câmara, que ficou pouco abaixo de 50%.
O cruzamento de informações feito pelo Congresso em Foco, com base em dados oficiais da Câmara, também revela outra curiosidade: metade dos 69 deputados denunciados pela CPI dos Sanguessugas trocou de partido na atual legislatura.
PublicidadeAlém dos 34 suspeitos de terem recebido propina da máfia da ambulância, também mudaram de legenda outros seis parlamentares que, mesmo inocentados pela comissão de inquérito, ainda são alvo de investigação do Ministério Público Federal pelo mesmo caso.
Engordando a base aliada
O levantamento também confirma a intensa movimentação em direção a partidos governistas. Precisar o número dos deputados que deixaram a oposição para votar com o governo é tarefa das mais complexas. Afinal, PDT e PPS (agora MD) integraram a base aliada, respectivamente, até dezembro de 2003 e 2004. Além disso, assim como no PMDB, deputados do PP e do PTB também se dividem entre os que apóiam ou fazem oposição ao Palácio do Planalto.
Um dado desse troca-troca, porém, é ilustrativo: 60 deputados trocaram o PFL e o PSDB por legendas da base aliada ao longo dos últimos quatro anos. A rigor: PL, PTB, PP, PSB e PMDB. Enquanto isso, somente 15 fizeram o trajeto inverso. Outros deputados, como Ana Alencar (PSDB-TO), Joaquim Francisco (PFL-PE) e Marcelo Guimarães Filho (PFL-BA), por exemplo, voltaram aos partidos pelos quais foram empossados após passagem pelos governistas PL e PTB.
O que mais sentiu as mudanças foi o PMDB: nada menos do que 66 deputados entraram ou saíram do partido na atual legislatura na Câmara. Desses, só 22 seguem hoje nas fileiras da legenda. O troca-troca peemedebista viveu o seu auge em junho do ano passado, quando as alas oposicionista e governista engordaram a bancada para vencer a disputa interna pela liderança.
Outros três partidos envolvidos no escândalo do mensalão aparecem na seqüência da agitação partidária. Dono atualmente de uma bancada de apenas 35 deputados, o PL – que agora se juntou ao Prona, formando o Partido da República (PR) – esteve no caminho de 54 parlamentares que trocaram de partido desde 2003. Mas, nesse entra-e-sai, só 21 deles continuam na sigla.
Movimentação semelhante ocorreu com o governista PTB. No partido do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), cassado após mergulhar o Congresso em uma das maiores crises de sua história, entraram ou saíram 53 deputados nesta legislatura. Só 20, no entanto, seguem hoje entre os 45 integrantes da bancada.
O PP, do deputado José Janene (PR), último mensaleiro a ser absolvido pela Câmara, também registrou a entrada ou a saída de 43 deputados. Apenas 17 deles continuam na legenda. Outro aliado, o PSB – este, porém, não envolvido no escândalo do mensalão – esteve no caminho de 33 deputados com mudança partidária ao longo do mandato.
Entre as grandes bancadas, o PT foi a que teve a menor movimentação partidária desde 2003: 13, envolvendo 11 deputados. Nesse período, dois deputados entraram e saíram da legenda: Miro Teixeira (PDT-RJ) e Lúcia Braga (PMDB-PB).
Além de Luciana Genro (Psol-RS), Babá (Psol-PA) e João Fontes (PDT-SE), expulsos ainda em 2003, o partido também assistiu à debandada de um grupo de insatisfeitos com os rumos do governo Lula. Chico Alencar (RJ), Orlando Fantazzini (SP), Ivan Valente (SP), João Alfredo (CE) e Maninha (DF) também encontraram abrigo no Psol. Já Fernando Gabeira (RJ), que deixou o PT e ficou um ano sem partido, voltou ao PV.
A infidelidade por estado
Na movimentação partidária, nenhuma bancada supera a do Rio de Janeiro. Os deputados fluminenses são os mais infiéis partidariamente: quase metade dos 58 parlamentares que ocuparam as 46 cadeiras reservadas ao estado na Câmara trocou de partido. Foram 58 mudanças envolvendo 28 deputados do Rio. Boa parte delas promovida pelo grupo político do ex-governador Anthony Garotinho (PMDB).
Donos das duas maiores bancadas da Casa, os paulistas e os mineiros aparecem logo abaixo dos fluminenses no ranking das migrações partidárias. Ao todo, 21 deputados de São Paulo, entre os 84 titulares e suplentes que exerceram o mandato, trocaram 24 vezes de legenda. Enquanto isso, 19 dos 69 representantes que Minas teve nos últimos quatro anos mudaram 30 vezes de sigla.
Proporcionalmente, porém, ninguém supera os tocantinenses. Dos 11 deputados que se revezaram nos oito assentos reservados ao estado na Câmara, só três permanecem no mesmo partido desde 2003: os titulares Kátia Abreu (PFL) e Eduardo Gomes (PSDB) e o suplente Derval de Paiva (PMDB).
Na outra ponta, chama a atenção o índice de fidelidade partidária dos gaúchos. Entre os 38 deputados que exerceram o mandato pelo estado, apenas dois mudaram de legenda. Ainda assim, apenas uma vez cada. São eles: Júlio Redecker, que trocou o governista PP pelo oposicionista PSDB em maio de 2003, e a deputada Luciana Genro, que ajudou a fundar o Psol após ser expulsa do PT em dezembro daquele mesmo ano.
Apesar de terem um dos recordistas no troca-troca, os paraenses também se destacaram entre os mais fiéis. Além de Zequinha Marinho, com seis mudanças em quatro anos, só o deputado Babá teve de procurar abrigo em outra sigla. Babá seguiu o mesmo caminho de Luciana: expulso do PT, encontrou refúgio no Psol. Com bancadas menores, Sergipe e Mato Grosso do Sul também viram apenas dois de seus deputados mudarem de partido.
Motivações diversas
É claro que nem todos os deputados que trocaram de partido nesta legislatura o fizeram movidos por cargos em lideranças ou comissões, admitidas pelos próprios parlamentares como estímulos mais comuns para o troca-troca (leia mais).
Não se pode negar o peso da política regional, que, muitas vezes, desafia a lógica de quem acompanha apenas o quadro nacional. Para alguns, por exemplo, continuar em uma legenda que tem poucos puxadores de voto pode significar o suicídio político, já que a eleição é proporcional.
Há, ainda, os casos clássicos de insuperáveis divergências internas. Exemplo disso é o Psol, criado ano passado por dissidentes petistas. Detalhe: todos os atuais sete integrantes da bancada trazem apenas o PT no currículo partidário.
Caso semelhante é o do deputado Sérgio Miranda (MG). Comunista histórico, ele trocou o PCdoB pelo PDT por não concordar com o apoio incondicional do partido ao presidente Lula. Mas, desta vez, não conseguiu se reeleger.
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