Renata Camargo, de Belém
O 9º Fórum Social Mundial (FSM), realizado em Belém (PA) até o último domingo (1º), terminou diferente dos anteriores. A crise econômica internacional provocou uma certa onda de otimismo entre os participantes, pois reforça os argumentos contra o capitalismo e em defesa do socialismo, discurso amplamente majoritário entre os participantes do encontro.
Na definição do sociólogo e diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski, o fórum foi a mesma "confusão alegre" dos outros, agora embalada pela "vitória" contra a economia de mercado .
Nascido como contraponto ao Fórum Econômico de Davos, na Suíça – em que grandes empresários se reúnem para definir os rumos da economia –, o encontro social vem desde sua primeira edição, em 2001, prevendo um colapso econômico.
"Este ano marca a consolidação do fórum com um processo mundial. O fórum de Davos simboliza o fracasso da economia atual. Enquanto o fórum social mostra, e sempre mostrou, que existem mudanças a serem feitas", comemora o idealizador do FSM, Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos.
A opinião é quase que consensual entre intelectuais, sindicalistas, militantes de esquerda, representantes de ONGs e de movimentos sociais. O discurso contra o capitalismo e em defesa de um "socialismo do século XXI" – um modelo ainda sem definições concretas – passou a ser adotado por todos no fórum como bandeira.
"O Fórum Social em Belém representou a possibilidade de uma retomada das lutas sociais para complementar as verdadeiras mudanças que interessam aos nossos povos. Levamos desse fórum a convicção muito forte de que, se um outro mundo é possível, não é possível nos marcos do capitalismo. É preciso construir uma alternativa socialista não em um país mas em todo o planeta", defendeu o senador José Nery (Psol-PA), que participou ativamente do encontro.
Novo modelo
Os rumos dessa nova ordem mundial, no entanto, ainda seguem sem diretrizes. Nos cinco dias de eventos, velhas idéias foram defendidas e antigos paradigmas retomados. A troca do capitalismo pelo socialismo, o maior controle do mercado por parte do Estado e a necessidade de se priorizar a Justiça social foram alguns dos pontos mais focados por participantes e debatedores.
Um dos deputados presentes no fórum, o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) – que participou desde a marcha de abertura, mas não ministrou palestras –, defendeu que o caminho não está na simples estatização das empresas, mas passa pela maior participação do Estado na regulação do mercado.
"É preciso que tenhamos mais Estado atuando com eficiência para gerar um ciclo de crescimento sustentável. Contexto as críticas daqueles que ainda querem continuar defendendo as idéias do neoliberalismo, quando nós estamos exatamente vivendo o colapso causado pela aplicação dessas idéias. O mundo precisa se afastar delas e defender as idéias que a esquerda sempre defendeu ao longo desses últimos anos", considera Fontana.
O discurso pela maior participação popular nas decisões políticas e a necessidade de uma postura mais cidadã também fizeram parte do ideário defendido nos cinco dias de encontro. Para a coordenadora da Campanha de Oceanos do Greenpeace Brasil, Leandra Gonçalves, espera-se que a sociedade tenha outra interpretação das relações humanas e do uso do meio ambiente.
"O mais concreto é ver essa quantidade de pessoas que vieram até Belém buscando se politizar para mudar suas atitudes não só no dia-a-dia, mas que elas passem a exigir dos nossos tomadores de decisão uma postura mais responsável. A mudança de verdade é uma mudança de paradigma, de como as pessoas vêem o uso dos recursos naturais e como é vista a exploração de modo geral", avalia Leandra.
Holofote político
Ainda que o discurso da esquerda tenha permanecido sem novidades e a apresentação concreta de novas propostas, o fórum foi um importante espaço para reforçar posições políticas esquerdistas. Pela primeira vez na história do encontro, cinco chefes de Estado compareceram ao FSM. Até então, apenas dois líderes, no máximo, participavam timidamente do fórum a cada edição.
Em Belém, o debate em torno da crise foi o motivo encontrado para que o presidente Lula e os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, da Bolívia, Evo Morales, do Paraguai, Fernando Lugo, e do Equador, Rafael Correa, se reunissem durante um dia e meio para debater o colapso global. Nada de novo foi apresentado.
"Pela primeira vez, cinco presidentes se submeteram às regras do fórum. Há uma mudança importante a considerar: eles vieram para uma cúpula da cidadania e geralmente acontece o contrário, a gente é que tem que se submeter às cúpulas deles", comemora Cândido.
"Foi muito importante cinco presidentes decidirem não ir a Davos e dizer que necessitam da autonomia dos movimentos sociais para governar. Foi um diálogo importante, porque foi um diálogo entre iguais", acrescenta a italiana Rafaela Bolinni, representante do Fórum Social Europeu.
Nem todos, no entanto, viram a participação dos líderes políticos com bons olhos. A estratégia política de comparecer ao Fórum Social, na avaliação do senador José Nery, deixou a desejar. "Nós esperávamos um anúncio de medidas um pouco mais concretas para o enfrentamento da crise econômica, a crise ecológica e social e, sobretudo, afirmação de alternativas que vão garantir o futuro e felicidade para o nosso povo", afirma.
Utopia
O Fórum Social em Belém marca o início de uma nova chance das esquerdas se fortalecerem e estruturarem alternativas para diminuir as desigualdades sociais. A senadora Marina Silva (PT-AC), que também esteve à frente de debates e palestras no FSM, avalia que o fórum foi capaz de prever as crises, mas precisa agora encontrar uma nova estrutura para apresentar propostas mais concretas.
"Não acredito em saídas mágicas, nem em processos messiânicos. As mudanças são construções históricas que se aglutinam", diz Marina. "O fórum fez o diagnóstico e não pode ficar à margem desse processo. Talvez daqui pra frente tenhamos que pensar em grandes eixos estruturantes de como essa militância civilizatória vai se articular em torno das grandes questões", considera.
O FSM funciona como um espaço aberto de debates, em que instituições, movimentos, movimentos sociais, ONGs e grupos independentes organizam e realizam as suas próprias atividades. Nesse modelo, cada um apresenta o seu debate, expõe as suas idéias e cria suas propostas e ações, o que torna difícil definir um perfil para o encontro.
Sem posição
"Pedir que o Fórum Social Mundial apresente uma posição, seria o mesmo que pedir que uma universidade desse a solução para a crise. Aqui se defendem vários pontos de vista. Aqueles que têm negócios e gostariam de solução não o terão. É em outra perspectiva que trabalhamos. Não é falar de problemas e dizer respostas", defendeu o diretor-geral do Ibase.
O próximo Fórum Social Mundial ainda não tem data nem local definidos. Ainda que a proposta do evento seja oferecer um campo de debates e articulações, o encontro caminha para um maior amadurecimento. E enquanto essa "maturidade" não chega, o mundo se alimenta das utopias de uma esquerda que, em vários países, já alcançou o poder, mas que ainda não soube apresentar o remédio certo para a "doença" que eles mesmos batizaram de capitalismo.
"Não vamos esperar que essa crise acabe com o capitalismo. O capitalismo nunca vai morrer de morte natural. Por mais que ele tenha crises, sempre dá a volta por cima. A solução não é uma versão mais verde, mais civilizada, mais ética e regulada do modo de produção capitalista. Nós temos que pensar em uma alternativa revolucionária", concluiu o pesquisador do Centre National dês Recherches Scientifiques (França), Michael Löwy. Essa alternativa, no entanto, ainda vai ter que esperar.
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