Fábio Góis
Depois de seis de meses de crise institucional e política ininterrupta, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), voltou nesta quarta-feira (5) à tribuna do plenário para se defender das denúncias que ameaçam sua permanência na presidência desde que tomou posse, pela terceira vez, em fevereiro. No discurso, Sarney quis saber por que mereceria punição, pergunta feita diante de um plenário repleto, com todos os membros do Conselho de Ética presentes (o colegiado havia suspendido minutos antes a reunião que definiria o rumo dos 11 pedidos de investigação contra o senador).
“Por que mereço punição?”
Com menções históricas à sua trajetória no Congresso e na Presidência da República, Sarney mencionou um a um os casos de nepotismo que lhe são atribuídos, lembrou episódios de sua luta contra a ditadura e destacou as melhorias que teria implementado em três mandatos como presidente do Senado. Partindo para o ataque, voltou a responsabilizar a imprensa pelo que chama de “campanha” que estaria em curso para alçá-lo do poder.
“Minha vida política nunca foi fácil. Se estou vivo, sobrevivi a três atentados”, disse Sarney, em referência nominal a seu desafeto histórico no Maranhão, Vitorino Freire.
Confira a íntegra do discurso de Sarney, intitulado “Uma defesa”.
“Srªs e Srs. Senadores, Srª Presidente, até hoje não usei esta tribuna, para rebater as inverdades contra mim disseminadas aqui mesmo e na mídia nacional.
Vim hoje, para expor tudo que fizemos e estamos fazendo pelo Senado, seguindo a linha das minhas administrações anteriores e com a colaboração da Mesa, especialmente do seu executivo, o 1º Secretário Heráclito Fortes. Avaliei que as críticas que me fizeram eram só rescaldos da eleição, mas eram mais profundas, faziam parte de um projeto político e de uma campanha para desestabilizar.
Disse, quando assumi a Presidência desta Casa, que tenho as minhas amizades pessoais; sempre zelei por elas e cumpro o meu dever de amigo para com elas. Tenho minha posição política, que adotei com coragem e com convicção,de apoio ao Presidente Lula, que está fazendo um governo excepcional, com o apoio estimulante e forte do povo brasileiro. Mas nem os amigos, nem minhas convicções políticas me fariam colocar o Senado submetido a qualquer sentimento menor ou de qualquer posição pessoal. Meu dever é para com o Senado.
Por temperamento, sempre fui um homem de diálogo, de convívio pacífico, de respeito aos outros, às suas ideias e às suas posições. Mas isso, ao longo de minha vida, nunca me fez abandonar a firmeza, quando ela tem sido necessária.
Minha vida política nunca foi fácil, nem sem momentos até mesmo – posso dizer – de perigos. Se estou vivo, sobrevivi a três atentados. E houve tempo neste Senado, em que minha vida era ameaçada todo dia pelo Senador Vitorino Freire, que foi um grande inimigo que tive – e político. Nas vezes em que tive que tomar decisões impostas por minha consciência, eu assim procedi. Na semana depois do Golpe Militar, em um clima de grande temor, de grande apreensão dentro do Congresso, em que o caráter dos homens é posto à prova, quatro dias depois, fui à tribuna da Câmara, para defender o mandato dos Deputados cassados:
“José Sarney lidera a campanha contra a cassação de Deputados” – quatro dias depois de 31 de março. Havia uma inquietação muito grande, temores de todos os lados, mas eu fui para a tribuna do Congresso, da Câmara dos Deputados, para defender contra a cassação dos Deputados e tive a oportunidade de dizer, sob aplausos da Bancada udenista, em meu discurso: “Aqui não se cassa ninguém fora dos termos previstos na Constituição e na Lei Magna, que deve ser respeitada a todo custo.” Não era fácil naquele tempo se tomar uma posição dessa natureza.
No AI-5 fui o único Governador que não o apoiou. Quando o Lula foi atacado injustamente – eu não era seu amigo, nem o conhecia pessoalmente –, sendo seu adversário, escrevi na Folha de S. Paulo, em sua defesa, um artigo, defendendo a sua biografia, com o título “A Lula o que é de Lula”, dizendo que devíamos respeitá-lo pelo que ele tinha feito e que ele não podia ser acusado do que estava sendo acusado.
Quando divergi do PDS, renunciei à sua Presidência, abrindo condições para montagem de uma transição sem traumas. Não aderi ao Tancredo, mas, por ele e por Ulysses, fui insistentemente convidado e cooptado para ligar-me ao movimento que o levava ao poder. Da mesma maneira, achei melhor para o Brasil a candidatura Lula e por ele fui convidado – não fui aderir – a apoiá-lo, e ele foi muitas vezes em visita à minha casa nesse sentido.
Sempre assumi minhas responsabilidades. Presidente, decretei o Cruzado, fiz a moratória. Não eram fáceis as duas decisões. Coloquei a minha cabeça a prêmio, mas abri caminho, para que no futuro chegássemos, através dos vários planos, ao Plano Real e à estabilidade econômica. Tive a coragem de congelar os preços e até hoje pago por essa conduta. Criei o Programa do Leite, o Seguro-Desemprego, o Vale-Transporte, o Siafi, a Secretaria do Tesouro; acabei com a Conta Movimento do Banco do Brasil. Liberei as Centrais Sindicais, legalizei a UNE e os Partidos banidos, como o PCdoB e o PC. Dei o 13º salário ao funcionalismo público. Agüentei 12 mil greves, sem que nunca tivesse pedido um dia de prontidão militar, e crescemos, àquele tempo, a números que até hoje não se repetiram. Criamos uma sociedade democrática que, num sistema de capilaridade, penetrava em todas as camadas.
Aqui, no Congresso, são várias as minhas propostas. As declarações de bens que hoje nós fazemos como registro de candidatos foram iniciativa minha; a Lei da Microempresa e da Pequena Empresa, o primeiro projeto de quotas para negros, a Lei das Estatais, o Estatuto do Livro, a lei que manda o Estado dar medicamento aos aidéticos e a minha grande causa Parlamentar, que foi a cultura, com a Lei de Incentivos Fiscais.
Fui o Relator da emenda constitucional que extinguiu o Ai-5. Nos meus mandatos, nunca tive recurso contra a minha diplomação, nunca nenhum procedimento penal, nunca meu nome foi envolvido em qualquer escândalo. Assim, agora, as acusações que me foram feitas nas diversas representações apresentadas ao Conselho de Ética, nenhuma coisa se refere relacionada com dinheiro ou prática de atos ilícitos ou desvio de dinheiro público. São coisas que não representam nenhuma queda de padrão ético, e vou enumerá-las, para que se veja como são menores e como elas podem ser jogadas e manipuladas. Todas são respaldadas, sem nenhuma exceção, por recortes de jornal.
O Conselho de Ética é um órgão julgador. Há diversas decisões da Justiça que não autorizam a abertura de processo por recortes de jornais. Como denunciação caluniosa, muitas das… todas as representações, algumas delas, afirmam que estou sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República. Quem desmente isso é o próprio Procurador-Geral da República, em declaração que ontem ele deu aos jornais, em que disse: não existem indícios suficientes contra o Presidente do Senado, José Sarney, para que a última instância do Ministério Público, o Supremo Tribunal Federal, entre nas investigações.
Na coerência do meu passado, não tenho cometido nenhum ato que desabone minha vida. Não tenho senão que resistir, foi a única alternativa que me deram. Todos aqui somos iguais. Nenhum Senador é maior do que o outro e, por isso, não pode exigir de mim que cumpra a sua vontade política de renunciar. Permaneço pelo Senado para que ele saiba que me fez Presidente para cumprir o meu mandato.
Como lembrei
Deixe um comentário