Para Manoel Fernandes, diretor executivo da Bites Consultoria, empresa especializada na análise de dados na internet e nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro já atingiu um objetivo com a defesa do voto impresso. Bolsonaro lançou uma suspeita contra o sistema de voto brasileiro e essa suspeita colou na mente de diversas pessoas. Essa pulga o presidente colocou atrás da orelha de muita gente. E era exatamente isso o que ele queria.
E o maior risco dessa história toda é a colocação de uma suspeita sobre o sistema de votação sem uma solução. Primeiro, porque a solução proposta, de implementação de um voto impresso que possa ser recontado depois, está longe de realmente ser capaz de evitar uma fraude. Bem pior do que isso, passar duas semanas recontando votos de papel, como se fazia antigamente, pode, ao contrário, aumentar a possibilidade de fraude. E, segundo, porque ainda que pudesse solucionar alguma coisa, a mudança não será aprovada. Ela não parece ter chance de passar na comissão especial. E, no fundo, talvez não haja mesmo um real interesse de Bolsonaro de mover a sua base para vir a aprovar a mudança.
Ou seja, muito provavelmente o sistema de votação e apuração de votos em 2022 será o mesmo que o país adota há anos. Sistema que, reforce-se, o próprio presidente, em resposta enviada nesta quarta-feira (4) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), admite não ter prova de já ter sido fraudado. Mas está lançada sobre esse sistema a suspeita. E parte do eleitorado irá votar desconfiando do processo. Com as possíveis consequências dessa suspeita conforme for o resultado da eleição.
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Algo semelhante à construção de suspeita que Donald Trump lançou sobre o sistema de votação nos Estados Unidos a partir lá do voto pelo correio. Lá, um país cujo sistema político mantém-se incólume desde a sua fundação, a suspeita lançada por Trump foi capaz de gerar a invasão do Capitólio, com a trágica consequência de cinco mortes no episódio. O que suspeita semelhante pode gerar em um país com sistema político bem mais frágil, que já passou por algumas rupturas ao longo da sua história, com dois períodos de ditadura, com Getúlio Vargas nas décadas de 1930 e 1940 e com os militares depois de 1964? Esse é o grande perigo.
Análise feita pela Bites Consultoria observou o comportamento dos que consomem notícia a partir dos veículos bolsonaristas e comparou-os com os consumidores de informação por veículos oposicionistas. A primeira constatação é que aqueles que se alimentam pelos veículos ligados ao bolsonarismo não dão a menor atenção ao que é publicado por veículos fora dessa rede. Eles praticamente não leem os veículos da imprensa tradicional. Só leem os veículos da própria rede bolsonarista. No caso daqueles que consomem os sites oposicionistas, a ocorrência de acesso a outros meios fora dessa rede é bem maior.
Se por um lado isso pode limitar a propagação das notícias à sua própria bolha, por outro lado essa bolha se torna muito mais compacta. Outro ponto observado é que o discurso na bolha bolsonarista, concorde-se ou não com ele, é mais coeso. Nos veículos oposicionistas é mais disperso. Certamente as linhas de pensamento, os pontos de destaque e as estratégias discutidas em um site ligado ao PT, por exemplo, diferem daquelas relacionadas ao PDT, digamos, ou ao PSOL. Isso faz com que as palavras de ordem e as táticas bolsonaristas recebam maior adesão nos seus grupos.
Facilita que Bolsonaro crie, assim, uma militância virtual que poderá se transformar mais facilmente em uma militância real. No seu “exército”, como Bolsonaro gosta de dizer.
Para Manoel Fernandes, é a construção dessa suspeita quanto às regras democráticas, de regras que não deverão ser alteradas, o maior risco da estratégia de Jair Bolsonaro.
Veja o comentário sobre o assunto com o diretor do Congresso em Foco Análise, Rudolfo Lago.
STF inclui Bolsonaro em inquérito das fake news
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