Quando o eleitor faz sua opção para a Chefia do Executivo, em geral não leva em conta escolhas que serão feitas pelo eleito e que terão repercussão na relação com os demais poderes e com instituições de Estado com estrutura própria e com funções já definidas.
Ainda que, em tempos de volta de inflação e desemprego, a questão econômica deva merecer atenção maior do eleitor, é preciso alertar que o Chefe do Executivo tem na mão caneta poderosa. Por mais consciente que seja o eleitor, quase nunca considera, por exemplo, que o Governador eleito de seu Estado nomeará o próximo Procurador Geral de Justiça em uma lista tríplice elaborada pela própria instituição e escolherá, livremente, o Delegado Geral de Polícia e o Comandante Geral da Polícia Militar.
Em São Paulo, os candidatos discutem sobre o uso ou não de câmeras nos uniformes dos policiais militares. Como até o momento não consta nenhuma manifestação do comando da Polícia contra o uso do aparelho, se o candidato eleito quiser acabar com o uso terá que nomear um Comandante Geral que seja contra a novidade que reduziu a letalidade em intervenções da Polícia Militar.
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No caso da escolha do próximo Presidente da República, por mais desinformado que seja o eleitor, não poderá ignorar posturas e declarações feitas ao longo dos quatro anos de mandato do atual presidente.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o Presidente Bolsonaro, quebrando tradição, nomeou para o cargo de Procurador Geral da República quem sequer participou de eleição interna para a composição de lista tríplice.
O atual Procurador Geral da República, Augusto Aras, ao criticar duramente a atuação de membros da instituição da força-tarefa da Operação Lava Jato, agradou a classe política. A bem da verdade, sua nomeação foi vista com bons olhos de Deputados e Senadores de todos os setores- esquerda, centro e direita- com o argumento de que não se pode criminalizar a atividade política. Não por acaso, foi reconduzido ao cargo com o seu nome sendo aprovado pelo Senado com extrema facilidade.
PublicidadeO tempo se encarregou de mostrar a inconveniência de se ter um chefe do Ministério Público Federal excessivamente atrelado ao Chefe do Executivo.
Para citar apenas um exemplo, a omissão do Procurador Geral da República ao relatório da CPI da Covid 19 é espantosa.
Se não havia qualquer dúvida que o Presidente da República não se deu conta da gravidade da pandemia, a nação tomou conhecimento que decisões, para dizer o mínimo inadequadas, fizeram com que o número de infecções e mortes aumentassem de maneira exponencial.
A demora na compra de vacinas, a insistência no uso de medicamentos comprovadamente ineficientes, a transformação do Ministério da Saúde em um balcão de negócios, fatos devidamente apurados, até agora não merecerem qualquer manifestação da Procuradoria Geral da República.
Ora, é preciso ficar claro que, em caso de reeleição, o Presidente Bolsonaro procurará ter um chefe do Ministério Público mais compromissado com ele do que com a própria instituição (certamente, vai ignorar qualquer lista que, eventualmente, lhe seja apresentada).
Não por acaso, nas pouquíssimas vezes em que o atual Procurador Geral da República, sempre de maneira tímida e protocolar, agiu contra os interesses do Chefe do Executivo, foi bombardeado por apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.
Em outro episódio emblemático, o Presidente Bolsonaro entrou em rota de colisão com o então Ministro da Justiça Sérgio Moro, exigindo maior controle sobre a Polícia Federal.
As trocas constantes em cargos importantes da Polícia Federal, apesar da seriedade de seus membros, como é óbvio e nem poderia ser diferente, tem prejudicado a atuação profissional da Polícia Federal (não por acaso, em casos que envolvem corrupção).
Mas, os inconvenientes acima apontados- interferência indevida no Ministério Público e Polícia Federal- são menos graves que os constantes ataques ao Supremo Tribunal Federal.
O Presidente da República, demonstrando total desconhecimento do papel do Supremo Tribunal Federal, não tem o menor pudor em afirmar que tem apenas dois aliados entre os onze membros do Supremo Tribunal Federal e, mais que isso, deixa claro que, caso reeleito, indicará mais dois que tenham compromisso com suas ideias. Não é da tradição brasileira a rejeição de nomes indicados pelo Poder Legislativo, pelo que é possível se afirmar que os novos ministros indicados pelo futuro Presidente da República influenciarão decisões judiciais por pelo menos mais de uma década.
Ao longo dos quatro anos, Bolsonaro incentivou seus seguidores a não obedecer a decisões judiciais, citando nominalmente os Ministros Alexandre de Moraes e Barroso a quem se refere como inimigos políticos.
Recentemente, fez uso de poder conferido pela Constituição Federal e concedeu graça a seguidor que se notabilizou por ofender ministros e atacar a democracia.
Não se nega que o Presidente da República tem competência privativa para a concessão de graça e indulto, mas é importante que o eleitor tenha em conta o precedente utilizado e admita que o fato pode ocorrer novamente, o que vale dizer que ao votar em Bolsonaro vai autorizá-lo, novamente, a utilizar o indulto para beneficiar amigos.
Em suma: fica aqui o alerta. O eleitor, ao fazer a opção de voto para a Chefia do Executivo, faz outras escolhas importantes, dando poderes ao eleito de interferir legitimamente na escolha de quem, vai dirigir as polícias, o Ministério Público e de quem vai compor os órgãos superiores da justiça.
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