Nazareno Godeiro*
Aparentemente, a demissão de Castello Branco da presidência da Petrobras é a apenas a troca
de um tecnocrata no alto escalão do governo brasileiro. Porém, uma análise mais acurada revela que em torno aos preços dos combustíveis e do gás de cozinha se concentram todas as contradições do Brasil, que era o quarto país mais industrializado do mundo e que agora retorna rapidamente a uma condição colonial.
TROCA DE PRESIDENTES EXPRESSA A LUTA ENTRE AS CLASSES PELA RENDA PETROLEIRA
Tudo, no final das contas, se resume a dinheiro! Quem vai levar o grosso da renda petroleira, que no Brasil de hoje alcança a cifra anual de, aproximadamente, US$ 65 bilhões de dólares (3% do PIB)?
O aumento escandaloso dos preços dos combustíveis e gás de cozinha gerará superlucros para
as multinacionais do petróleo e os investidores internacionais (grandes bancos) associados com
capital nacional, que já detinham, em janeiro de 2021, 63,2% do capital total da Petrobras.
Em se tratando de dinheiro, a burguesia nacional, sócia minoritária das multinacionais na
exploração do Brasil, grita aos céus: “Jair Bolsonaro agora resolveu governar para os
caminhoneiros” ou “vai impor novo critério populista de controle dos preços”. Os meios de
comunicação ameaçam com a fúria do deus Mercado, que “não viu com bons olhos” a troca do
seu queridinho na direção da Petrobras. Miriam Leitão concluiu, apressadamente, que “A
governança da Petrobras foi atacada por Bolsonaro para impor o controle de preços.” Outros
dizem que tal atitude demonstra uma guinada populista de Bolsonaro, que governaria,
doravante, a favor do povo, para garantir sua reeleição.
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A demissão de Castello Branco foi um fato político tão marcante na conjuntura que até pessoas
ligadas ao movimento petroleiro e a esquerda estão titubeantes, esperançosos de que o general
Joaquim Silva e Luna seja “menos privatista” que o financista Castello Branco. Surge nestes
companheiros uma leve esperança: “se Castello Branco estava atacando ferozmente os
trabalhadores e destruindo a empresa, ademais era homem de Paulo Guedes, então sua queda é progressiva e talvez, talvez, este militar não seja tão privatista, seja um pouquinho nacionalista”. Dúvida absolutamente normal, surgida entre trabalhadores, esperando um mal menor.
Porém, dúvidas de outro teor, foram levantadas por um jornalista do jornal 247, ligado ao PT,
Leonardo Atucch, que afirmou em 20 de fevereiro: “Ainda é cedo para saber se Bolsonaro decidiu
se rebelar contra as forças de mercado, nacionais e internacionais, que o colocaram no poder e
tentará finalmente começar a governar para os brasileiros.” (…) “Bolsonaro deu o primeiro
passo. Demitiu o entreguista Paulo (sic) Castello Branco e o substituiu por um general que tem
fama de ser nacionalista. A prova dos nove, no entanto, virá na segunda-feira, com a nova
Batalha dos Guararapes, quando saberemos se os militares brasileiros irão bater continência aos
invasores ou expulsá-los de vez da Petrobras.”
Na mesma toada segue Aloizio Mercadante, do PT, em entrevista à TV 247, onde afirmou,
dirigindo-se aos militares: “Não se rendam ao mercado financeiro e aos interesses especulativos
nesta terça-feira. Parem a privatização das refinarias, defendam uma Petrobras forte e tragam
uma política de preços justa para o povo brasileiro, para os caminhoneiros e para os motoristas
de aplicativos” e completou: “Até onde eu sei, o general Luna é também um militar nacionalista”.
São afirmações que induzem a classe trabalhadora e os petroleiros a acreditar que um general
bolsonarista pode impedir a privatização da Petrobras: “Com a queda de Roberto Castello
Branco, a FUP e seus sindicatos esperam que a Petrobras retome seu protagonismo na economia
brasileira”, afirmou a FUP em nota pública.
Assim, os dirigentes petroleiros ligados à FUP estão disseminando essa ilusão, como fez o
dirigente do Sindipetro Bahia e dirigente da FUP, Radiovaldo, numa entrevista à uma emissora
de rádio em Alagoinhas, onde afirmou que o general Silva e Luna atuou na Itaipu Binacional
fortalecendo a empresa estatal e, portanto, espera que ele atue da mesma forma na Petrobras.
Essa falsa esperança se diluirá rapidamente diante dos fatos.
POR QUE BOLSONARO TROCOU O PRESIDENTE DA PETROBRAS?
Bolsonaro estava obrigado a tomar uma atitude diante do aumento escandaloso dos preços dos
combustíveis: em dois meses desse ano, a gasolina aumentou 34,7%, o diesel subiu 27,7%. O
gás de cozinha 21,9%, tudo isso diante de uma inflação entre janeiro e fevereiro de apenas
0,86%.
Do lado da burguesia, nem tudo é histeria: Alguns analistas burgueses têm outra visão, como
Christopher Garman, da consultoria Eurasia. “Mas Bolsonaro enxergou que o risco de uma greve
de caminhoneiros poderia ser fatal para seu governo, que vive um momento social delicado, de
aumento de inflação, queda de renda e de sua consequente popularidade.”
Os caminhoneiros já estão fartos das promessas do governo e enfatizaram em nota pública:
“Precisamos que o presidente da República dê a devida atenção a esta questão, com medidas
efetivas e não apenas promessas vazias e sem nenhum cumprimento. Aguardamos o
posicionamento do Governo Federal e dos Governos Estaduais para uma efetiva solução na
diminuição dos valores dos combustíveis”.
A população pobre brasileira está por um triz, prestes a explodir diante da maior crise por que
passa o país.
Diante disso, Bolsonaro foi obrigado a tomar uma atitude, porque o cargo dele também está por
um triz e não aguentaria uma greve geral de caminhoneiros, apoiados pelos petroleiros, que
estão entrando em greve contra a privatização das refinarias, e pela população em geral.
Então, a atitude que Bolsonaro tomou, a troca do presidente da Petrobras, é a que menos mexe
na estrutura econômica, em geral, e dos preços, em particular. Temer fez isso há três anos,
demitiu Pedro Parente, para seguir tudo igual. Subsidiou por um tempo o diesel, para acalmar
os caminhoneiros, e seguiu tudo igual. Temer conseguiu essa trégua por dois anos porque foi
um período de queda abrupta dos preços do petróleo.
Hoje, ao contrário, está abrindo um período de alta, provocado por uma expectativa de retomada das vendas pós-pandemia. Portanto, será muito mais difícil para Bolsonaro conseguir uma trégua na questão dos preços dos combustíveis (e dos alimentos). Veremos a cada dia a explosão de preços e a raiva da população aumentar exponencialmente. Até agora, ao retirar os impostos federais sobre o gás de cozinha por dois meses (dois meses, preste atenção!) vai possibilitar que o botijão de 13 kg passe, aproximadamente, de R$ 100 reais para R$ 98 reais.
A montanha pariu um rato!
No mais, fará um empurra-empurra com os governadores em torno do ICMS, como parte da
campanha eleitoral de 2022. Então, essa mudança na cúpula da Petrobras, permite a Bolsonaro ficar com um coringa na manga, caso seja obrigado a tomar uma atitude mais pesada contra os aumentos de preços dos combustíveis. O modus operandi dele é só gogó (no dizer antigo, pois agora “gogó” é “fake news”), como vimos na crise dos preços dos alimentos, em 2020.
Porém, não sabe ele que em torno dos preços dos combustíveis e dos alimentos está o nó górdio1 da crise brasileira. A dolarização da economia é o resultado natural do domínio do complexo agro-mineral-energia-bancos, que vem desde 1990, com o neoliberalismo. Está explodindo a contradição de uma economia colonial que funciona a base de exportações de produtos primários enquanto quebra a indústria e o comércio. Essa contradição ainda vai derrubar muitos presidentes e irá galvanizar a ira do povo que ficou sem emprego, sem renda, sem saúde, sem educação, sem transporte, sem segurança em meio a um genocídio sanitário e uma hecatombe econômica.
Essa mudança na cúpula da Petrobras reflete diretamente a luta de classes, expressada na
insatisfação generalizada da população com Bolsonaro e com os altos preços dos combustíveis.
Essa insatisfação não é somente dos trabalhadores e pobres, mas atinge um setor importante
da burguesia e pequena burguesia: pequeno comerciantes e produtores, profissionais liberais,
assim como dos caminhoneiros, além da grande indústria que produz para o mercado interno,
todos sufocados pela desindustrialização, reprimarização e dolarização da economia.
O nó górdio é uma lenda que envolve o rei da Frígia (Ásia Menor) e Alexandre, o Grande. É comumente usada como metáfora de um problema insolúvel (desatando um nó impossível) resolvido facilmente por ardil astuto. A indicação do general Silva e Luna não vai mudar o caminho traçado pela burguesia e o imperialismo para a Petrobras e o Brasil. Por mais jogo de cena que faça, Bolsonaro é sustentado
pelo complexo agro-mineral-energia-bancos. Esses ramos produtivos são dominados hoje pelas
multinacionais do setor primário e pelo capital internacional que, de uma forma ou outra, estão
sustentando Bolsonaro, justamente porque ele está cumprindo seu papel de “passar a boiada”,
destruindo as forças produtivas e a natureza.
A dolarização dos preços dos combustíveis e dos alimentos no Brasil é resultado da recolonização do país e da sua conversão num país exportador de produtos primários. Os escandalosos aumentos de preços, em dólar, é a forma de expressão do domínio estrangeiro sobre o Brasil, em geral, e dos acionistas estrangeiros da Petrobrás, em particular, cujo objetivo é extrair superlucros daqui em detrimento do Brasil, da classe trabalhadora e da natureza.
A política de preços da Petrobrás é vital para assegurar essa superexploração, por isso, afirmamos que Bolsonaro não vai bater de cara com esta dominação porque ele mesmo é um testa-de-ferro destas multinacionais no Brasil e foi alçado ao poder para concluir a destruição do Brasil industrial e converter o Brasil numa colônia. Bolsonaro espera ludibriar a população com medidas paliativas e empurra com a barriga o problema enquanto coloca generais em pontos chaves da economia brasileira, preparando-se estrategicamente para grandes enfrentamentos de classe.
Por isso, Bolsonaro se apressou em dizer: “Jamais controlaremos o preço da Petrobras. A
Petrobras está inserida no contexto mundial com suas políticas próprias e nós a respeitamos.” E
completou: “O que que eu interferi na Petrobras? Alguém responde aí? O que que eu falei para
baixar o preço? Nada, zero.” Habilmente, ingressou no congresso nacional com uma proposta de privatização da Eletrobras e dos Correios, para acalmar a burguesia nacional e a banca internacional.
No geral, está explodindo a contradição entre as necessidades do país e da sua população
trabalhadora e as necessidades do capital internacional e da sua sócia minoritária, a burguesia
brasileira.
Essa contradição se expressa nos preços dolarizados dos combustíveis e que ameaça produzir
uma revolta social e a derrubada do próprio Bolsonaro.
OS PREÇOS DOLARIZADOS DOS COMBUSTÍVEIS REVELA A RECOLONIZAÇÃO DO BRASIL
A privatização e a desnacionalização da empresa obrigam-na a gerar superlucros para os grandes acionistas nacionais e internacionais, através da majoração de preços ao consumidor. Segundo estudos do Dieese, de julho de 2017 a janeiro de 2021 a gasolina teve reajustes de 59,6%, o diesel, 42,6%, e o gás de cozinha subiu 130,7%. No mesmo período, o barril de petróleo acumulou alta de 15,4% e o INPC variou 15,0%.
Só no ano de 2021, a gasolina aumentou cinco vezes e o diesel seis vezes. Nem a inflação nem o
preço do petróleo justificam os aumentos escandalosos. Durante a pandemia, a Petrobras aumentou em 40% o preço do gás de cozinha. Qual a justificativa, então, para um preço tão alto?
A Petrobras pratica uma política de preços ancorada na variação do dólar (que sempre está se
valorizando diante do real) e nos preços do petróleo no mercado internacional. Ademais, a PPI
(preço de paridade de importação) embute nos preços os custos do refino e do frete dos
combustíveis importados.
O significado disto é que os preços estão dolarizados, baseados em preços especulativos (todos
sabemos que a variação do dólar sobe se chover e sobe se fizer sol, assim como os preços do
petróleo), determinados pelos grandes bancos e multinacionais do petróleo.
Os preços dos combustíveis e do gás de cozinha são resultado da subordinação dos preços da
Petrobras ao preço do petróleo no mundo, que é determinado pelos custos de produção das
empresas menos produtivas, justamente no momento em que o Brasil e a Petrobras têm uma
das extrações mais produtivas do mundo.
Essa subordinação aos preços do mercado mundial gera uma contradição: quanto mais o Brasil
e suas empresas sejam produtivas num determinado ramo e ocupe uma parte considerável do
mercado mundial com seus produtos, estes serão majorados no mercado interno pelos custos
de produção das empresas menos produtivas do mundo naquele ramo. Por isso, vemos explodir
tanto os preços dos combustíveis, onde somos autossuficientes, e dos alimentos, onde o Brasil
está se convertendo no maior produtor do mundo.
Para ilustrar a frase acima, basta ver que o custo médio de produção de petróleo no Brasil é de
US$ 10,70 dólares por barril, enquanto as petrolíferas estrangeiras, nos outros países, extraem
com valor médio de US$ 15 dólares o barril. Determinados poços do pré-sal extraem óleo de
ótima qualidade a US$ 3 dólares o barril, como no campo de Búzios. Os custos de produção no
pré-sal são similares ao da Arábia Saudita, Rússia e Iraque. A média de produção dos poços do
pré-sal é de 25 mil barris por dia/poço, média mais alta que o Golfo do México e o Mar do Norte,
como pode-se ver no gráfico abaixo:
Os custos do refino da Petrobras no Brasil são muito mais baixos que a média mundial: em 2019,
girava em torno de US$ 2,40 dólares o barril enquanto no Golfo do México, a média foi de US$
4,70 dólares o barril.
Assim, a Petrobras é autossuficiente em produção e refino de petróleo para as necessidades do mercado brasileiro e não necessita importar nem óleo nem refinados, a não ser marginalmente. Portanto, para a determinação de preços dos combustíveis aqui no Brasil, a Petrobras deveria considerar apenas os custos nacionais de produção e refino e com isso poderia vender gasolina e diesel por metade do preço atual. Mesmo assim, a Petrobras ainda teria lucro. Por outro lado, a Petrobras poderia ter alta lucratividade exportando refinados e óleo cru a preços internacionais e com isso obteria muito lucro, já que seus custos são bem menores que a média mundial.
Porém, foi imposto à Petrobras, junto com a política de desmonte e privatização, a Paridade de Preço de Importação (PPI) que aumenta escandalosamente o preço dos combustíveis e do gás de cozinha para que, em primeiro lugar, os acionistas privados da Petrobras, que em sua maioria são bancos internacionais e detém 63,2% do capital total da empresa, possam ter superlucros e, em segundo lugar, a dolarização e a liberação dos preços é uma condição para a privatização da Petrobras, pois nenhum banco internacional compraria uma empresa cujos preços estão controlados.
ALTOS PREÇOS DOS COMBUSTÍVEIS É RESULTADO DA PRIVATIZAÇÃO E DESNACIONALIZAÇÃO DA PETROBRAS
Para que todos possam entender esta afirmação, mostraremos a composição de preços dos combustíveis e do gás de cozinha:
Como mostra a figura acima, no desenho da bomba acima, o custo médio para refinar o óleo diesel na Petrobras é de R$ 1,11 por litro, mas a empresa está vendendo nas refinarias por R$ 2,48, uma margem de lucro de 123%. Em seguida, acrescenta-se 16% para os distribuidores privados e 23% de impostos aos governos e o preço chega aos R$ 4 reais na bomba. O mesmo se passa com a gasolina, que tem custo médio de refino de R$ 1,12 o litro. A Petrobrasestá vendendo a R$ 2,58 na refinaria, com lucro de 130%. Portanto, se cortasse o lucro exorbitante da Petrobrás e eliminasse os atravessadores privados, o litro da gasolina poderia ser vendido a R$ 2,00 reais. Porém, o valor já passa de R$ 5,00 reais. Os distribuidores privados (junto com os usineiros da cana) têm um lucro em torno de 27% e os governos disparam com 44% de impostos.
O gás de cozinha, como pode ser visto na figura acima, sai da refinaria da Petrobras a R$ 35,98 o botijão, mas com os 19% de impostos e 40% de lucros dos distribuidores privados, é vendido a R$ 90,00 ou mais. Se cortasse pela metade os lucros da Petrobras com cada botijão e eliminasse os distribuidores privados, poderia se vender um botijão de 13kg a R$ 40 reais.
Resumindo, a privatização e a desnacionalização da Petrobras modificam toda a política da
empresa para dar superlucros aos acionistas estrangeiros privados. Não se pode controlar nem baixar os preços dos combustíveis e do gás de cozinha pois eles garantem a realização de superlucros para o capital internacional e nacional. Em suma, estes preços escandalosos transferem a renda da população brasileira para as multinacionais do petróleo, que estão ocupando o mercado brasileiro de energia.
Também, não se pode controlar preços porque impossibilitaria a venda da Petrobras e suas
subsidiarias ao capital internacional, pois tiraria a segurança de obter superlucros monopólicos
por parte das multinacionais com a compra da empresa.
Porém, se a política de preços se explica pela ânsia de superlucros por parte dos acionistas privados da Petrobras, não explica por que o capital internacional orientou a destruição da Petrobras como empresa de energia, integrada do poço ao posto.
Tanto os preços altos dos combustíveis quanto os ataques à Petrobras revelam, ao contrário do
que apregoa a burguesia, que a Petrobras é uma das empresas petrolíferas mais rentáveis do
mundo e que possui reservas de óleo de alta qualidade no pré-sal. Justamente por isso, sofreu
o ataque mais violenta que foi desferido à qualquer empresa do mundo.
Por ser altamente competitiva no mercado mundial, a Petrobras foi desintegrada, desmontada
e vendida em pedaços, para que não ofereça concorrência às multinacionais do petróleo no
mercado mundial e local.
A RIQUEZA DA PETROBRAS E O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL
Segundo Ildo Sauer, “Os anúncios de descobertas do pré-sal permitem estimar que estejam assegurados cerca de 100 bilhões de barris recuperáveis (SAUER, ILDO L. e RODRIGUES, LARISSA
ARAÚJO, 2016). Porém, há especulações fundamentadas em avaliações geofísicas, permitindo
acreditar na sua duplicação ou mesmo triplicação, o que colocaria o Brasil ao lado da Venezuela
e Arábia Saudita, como os maiores detentores de recursos.”
Esta riqueza no fundo do mar coloca o Brasil entre os três primeiros produtores de petróleo do
mundo, com uma riqueza estimada em cerca de US$ 10 trilhões de dólares, e poderá produzir,
dentro de alguns anos, 5 a 10 milhões de barris por dia, gerando uma renda petroleira anual de,
aproximadamente, U$ 180 bilhões de dólares (10% do PIB do Brasil).
A Petrobras atua na exploração, produção e distribuição de petróleo, gás e derivados. Antes do
ataque privatista possuía 7 mil poços e 130 plataformas e sondas, operava no transporte e armazenamento com 7 mil km de oleodutos; 9 mil km de gasodutos; frota de 166 navios próprios e afretados; 47 terminais de armazenamento; 14 refinarias e mais de 7 mil postos de abastecimento. Possuía 23 unidades de processamento de gás e 20 usinas termelétricas, 3 fábricas de fertilizantes, 5 unidades de produção de biodiesel e tinha participação em 5 empresas petroquímicas.
Sozinha, ela era responsável por 6,5% do PIB brasileiro e todo o ramo do petróleo chega a 13%
de toda a riqueza criada no país. Em 2018, a Petrobras pagou R$ 182 bilhões em royalties e impostos federais, estaduais e municipais, o que representa 2,7% do PIB. Também pagou R$ 32 bilhões de reais em salários e benefícios e R$ 93 bilhões de reais aos bancos, empresários e acionistas.
Levando em conta que a Petrobras é uma das empresas mais rentáveis do mundo (veja detalhadamente no estudo que o ILAESE fez para a Federação Nacional dos Petroleiros sobre a
indústria mundial do petróleo e gás), somado às características especiais que colocam o
país à frente da transição energética, o Brasil poderia surfar esta onda, aproveitando-a para
reindustrializar-se e garantir a extração desta riqueza sem destruir a natureza e servindo para
desenvolver o país e melhorar substancialmente o nível de vida da sua população trabalhadora.
Com alta rentabilidade e tecnologia de ponta para prospecção em águas profundas, com custo
baixo e óleo de alta qualidade, com custos mais baixos de refino e distribuição de combustíveis,
a Petrobras poderia aproveitar a crise para exportar seus produtos industrializados ao preço
internacional, ganhando superlucros no comércio internacional. Por seus ativos de alta
qualidade, ela ganhou mercados durante a pandemia e já recuperou sua produção aos níveis de
antes da pandemia, batendo recordes de produção de petróleo em 2020.
É um risco potencial para as grandes multinacionais do petróleo e por isso, o imperialismo,
combinado com a burguesia nacional, desatou o maior ataque a uma empresa do mundo, com
diminuição de investimentos, venda de ativos (“desinvestimento”), leilões de campos de
petróleo, precarização da mão de obra, fechamento de regiões e venda dos gasodutos, setor de
biocombustíveis, área de distribuição e agora pretende alienar o setor de refino. Estes ataques se iniciaram em 2015, na gestão Dilma-Bendini, e deram um salto com TemerParente e Bolsonaro-Castello Branco.
De todas os “desinvestimentos” (vendas de ativos que é uma privatização descarada) que a
Petrobras realizou desde 2015, 73% foram adquiridos por multinacionais.
As multinacionais do petróleo já detêm 27% da produção de petróleo no Brasil. Na dinâmica dos
sete leilões realizados de 2013 até hoje, na área do pré-sal e da cessão onerosa, a Petrobras
ficou com 36% da área arrematada, enquanto as multinacionais ficaram com o restante. Assim,
a maior parte da riqueza do pré-sal está indo para o capital internacional.
A privatização da BR Distribuidora cortou a ligação da Petrobras com os consumidores finais.
Também impossibilitou qualquer controle de preços tanto dos combustíveis quanto do gás de
cozinha. A distribuidora, agora privada, está acelerando a importação de derivados, deixando
de comprar nas refinarias da Petrobras. A privatização das refinarias pretende quebrar de vez o
nexo da Petrobras com o mercado interno. A venda dos gasodutos, do biocombustível, das
eólicas terminariam por impedir a Petrobras de entrar nas energias renováveis do futuro,
negócio trilionário e disputadíssimo pelas multinacionais.
Desde janeiro de 2019, a fevereiro de 2020, Bolsonaro privatizou empresas estatais no valor de
R$ 134,9 bilhões de reais. Mais da metade desse valor foi arrecadado com vendas de subsidiárias
ou campos de produção de petróleo e gás da Petrobras (R$ 70,3 bilhões). Entre 2013 e 2019, foram demitidos da empresa 23 mil trabalhadores diretos e 248 mil terceirizados. Ao todo foram 270 mil funcionários, que corresponde a 60% da mão de obra da empresa.
Neste fato, se expressa a contradição entre as necessidades de desenvolvimento do Brasil e o
sistema capitalista mundial que obriga a destruição e saque do Brasil, das suas empresas e da
sua gente.
Estamos perdendo uma oportunidade excepcional que a vida não oferece duas vezes. É o pedágio que estamos pagando por vivermos no sistema capitalista colonial, com uma burguesia fraca e covarde, subserviente ao dominador estrangeiro e em fim de carreira.
Nem do ponto de vista empresarial se justifica um ataque tão brutal a uma grande empresa internacional, que tem um papel decisivo para o desenvolvimento do seu país. Uma justificativa para a privatização de estatais por parte da burguesia, seria uma suposta ineficiência e prejuízos econômicos destas empresas. Assim se expressa um representante dos capitalistas, Marcelo Zenkner, em entrevista ao Estado de São Paulo, no dia 21 de fevereiro de 2021:
“Sou absoluto defensor da teoria do Estado mínimo. O Brasil, segundo o ranking da OCDE, é um
dos países com maior número de estatais do mundo: 418 no total. …Aqui, a União tem o controle
direto de 46 estatais e conforme dados do Ministério da Economia 19 dessas 46 estatais operam
sucessivamente no vermelho.”
Para desmascarar essa falácia, basta informar que em 2019, as 5 maiores empresas estatais (Petrobras, BB, Caixa, Eletrobras e BNDES) tiveram um lucro líquido de R$ 106,4 bilhões de reais.
Apenas para efeito de comparação, toda a privatização realizada por Bolsonaro alcançou a cifra
de R$ 134,9 bilhões, quase o mesmo valor do lucro líquido de apenas cinco estatais em um ano!
Então, o verdadeiro motivo do desmonte e privatização da Petrobras é destruir a maior empresa
da América Latina e do Brasil porque ela serve ao desenvolvimento nacional e poderia disputar
o mercado mundial e vencer a concorrência diante das multinacionais do petróleo. A única explicação para tamanho crime é política: o imperialismo mundial determinou que o papel do Brasil e da América do sul no mundo é de produzir alimentos, minérios e energia para o desenvolvimento do capitalismo mundial.
Esse retrocesso foi imposto pela força ao Brasil nos últimos 30 anos e agora estamos nos
aproximando da conclusão do processo destrutivo, que teve para o Brasil efeitos similares aos de uma guerra, e que gerou uma contradição insolúvel do sistema colonial brasileiro: quanto mais cresce a economia agroexportadora mais afunda o Brasil e seu povo.
DESENVOLVIMENTO DA TÉCNICA E DESTRUIÇÃO DAS FORÇAS PRODUTIVAS
Desde 1990, sofremos dois grandes ataques.
O primeiro grande ataque foi a recolonização do Brasil, que vem desde 1990, com o nome de
“neoliberalismo”. Ele foi imposto ao país pelo capital internacional, que retrocedeu o Brasil de 11
país industrial a um mero país agroexportador. Este ataque teve o apoio de todos os setores da
burguesia nacional.
Hoje somos um dos maiores produtores de alimentos do mundo e não podemos comê-los, pois
são produzidos para exportação e cotados em dólar. Estamos importando feijão, arroz, trigo,
batatas, hortifrutigranjeiros para que sobre terra produzindo soja, cana e capim (para alimentar
216 milhões de cabeças de gado) para exportação.
Hoje somos um dos maiores produtores de minério de ferro e importamos trilhos de trem da
China. Hoje somos um dos maiores produtores de celulose e importamos bíblias em português,
vindas, também, da China.
O mesmo se passa com o petróleo e os combustíveis, como vimos anteriormente: o Brasil é
autossuficiente em ambos e, brevemente será um dos maiores produtores de petróleo do mundo. Este grande acontecimento, ao invés de ser uma bênção para o país se converteu numa maldição: Bolsonaro está desmontando e privatizando a Petrobras para que essa riqueza não seja industrializada aqui e sim nos Estados Unidos, que industrializam o óleo cru e nos vende, na
forma de derivados, a preços muito mais altos, como já ocorreu nos dois últimos anos.
Na visão da burguesia, este retrocesso histórico do Brasil, aparece embelezado na propaganda
da Rede Globo como “Agro é tech, agro é pop, agro é tudo”. O segundo grande ataque é a semiescravização da classe trabalhadora, com perda geral de direitos sociais, no desemprego generalizado e na “uberização” da mão de obra, ganhando por trabalho realizado, sem garantia do que comer no dia seguinte.
Desde 2018, temos 78 milhões de desempregados e subempregados, números que aumentaram
com a pandemia e a grave crise econômica que seguirá no país por vários anos. Uma massa
impressionante de trabalhadores deixou de produzir porque os grandes empresários consideram supérflua. Isto significa uma perda de riqueza no valor de R$ 7 trilhões de reais, valor
que representa cerca de 100% do PIB no país. É a destruição do ser humano e do saber nacional.
Numa sociedade socialista, todos estes seres humanos estariam produzindo riqueza e permitiria
a redução da jornada de trabalho pela metade.
Este imenso exército de desempregados e subempregados revela a decadência do sistema
capitalista. O Brasil, doravante, não consegue mais desenvolver-se pela via do sistema capitalista
colonial. E o mais trágico é que, a cada ano, mais 2 milhões de jovens ingressam no mercado de
trabalho para engrossar as filas de desempregados.
ESTAGNAÇÃO E RETROCESSO DO CAPITALISMO COLONIAL BRASILEIRO
Podemos concluir, portanto, que com o neoliberalismo o Brasil está estagnado e, a partir de
2014, em franco retrocesso. Temos três décadas perdidas no Brasil, com crescimento médio
abaixo do crescimento populacional. De 2014 para cá, tivemos uma queda na economia da
ordem de -8% negativo.
Esta destruição ocorre desde 1990, realizada tanto por governos de “direita” quanto de
“esquerda”, e deu um salto agora, no governo de ultradireita de Jair Bolsonaro.
Justamente, para acelerar a colonização, o saque e a destruição do Brasil é que foi alçado à
presidência o capitão-do-mato Jair Bolsonaro que, “coincidentemente”, bate continência para a
bandeira dos Estados Unidos.
Bolsonaro é um produto genuíno do capitalismo brasileiro em fim de carreira. O capitalismo não
tem mais como desenvolver o Brasil, porque é dominado pelos grandes conglomerados internacionais, que não estão nem aí para o povo brasileiro. A burguesia “brasileira” é cúmplice
desta recolonização porque é sócia minoritária do negócio chamado Brasil.
A orientação de transformar o Brasil em uma colônia dos Estados Unidos, o saque dos recursos
naturais, a destruição da natureza e do ser humano, a impossibilidade do sistema capitalista
desenvolver o país e melhorar as condições de vida da população, todos estes elementos
reunidos nesta grande crise nacional, detonarão grandes transformações revolucionárias no
Brasil.
Não esqueçamos que a alta especulativa do preço do petróleo foi o detonante das mobilizações
de massas, verdadeiras insurreições populares que ocorreram no Equador (fim de subsídios à
gasolina e ao diesel que aumentaram em até 120% o preço dos combustíveis), Chile (aumento
de 30 pesos no metrô de Santiago, justificado pela alta do petróleo e do dólar) e Haiti (aumento
do preço dos combustíveis em 51%), em 2019.
O agronegócio e a mineração, dominados pelas multinacionais, e os bancos sobem, ancorados
numa montanha de dólares, enquanto o Brasil, com seu povo dentro, desce vertiginosamente a ladeira.
Desta contradição vai estalar a revolução brasileira, parte importante da revolução sulamericana, que hoje constitui uma só localização no mercado mundial: celeiro do mundo, fornecendo alimentos, energia e minérios para o desenvolvimento dos países ricos.
A enorme renda petroleira, oriunda do fundo do mar brasileiro pode ser uma ponte para a
recuperação da indústria brasileira, que deve partir da reestatização de todas as empresas
privatizadas.
A campanha em defesa da Petrobras, contra sua privatização, é uma luta para recuperar o
território, o trabalho e a soberania nacional. Portanto, toda a classe trabalhadora brasileira deve aproveitar a luta dos petroleiros para iniciar uma grande campanha de mobilização em defesa da Petrobras e das suas riquezas. Podemos derrotar Bolsonaro e Mourão.
O Brasil, junto com a América Latina, só pode desenvolver-se em ruptura com o imperialismo e
o capitalismo, reestatizando todo o parque industrial, começando pela Vale, Embraer e Petrobras 100% estatais: sem indenização, sob controle dos trabalhadores e garantindo uma verdadeira independência do Brasil.
Para desatar o “nó górdio” da crise brasileira, devemos imitar Alexandre, o Grande, que resolveu
o problema insolúvel de forma simples e eficiente: “Conta-se que o rei da Frígia (Ásia Menor) morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o Oráculo anunciou que o sucessor chegaria à cidade num carro de bois.
A profecia foi cumprida por um camponês, de nome Górdio, que foi coroado. Para não esquecer de seu passado humilde ele colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus. E a amarrou com um enorme nó a uma coluna. O nó era, na prática, impossível de desatar e por isso ficou famoso.
Górdio reinou por muito tempo e quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Midas
expandiu o império mas não deixou herdeiros. O Oráculo foi ouvido novamente e declarou que
quem desatasse o nó de Górdio dominaria todo o mundo.
Quinhentos anos se passaram sem ninguém conseguir realizar esse feito, até que em 334 a.C. Alexandre, o Grande, ouviu essa lenda ao passar pela Frígia. Intrigado com a questão, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou o nó. Lenda ou não o fato é que Alexandre se tornou senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois. É daí também que deriva a expressão “cortar o nó górdio”, que significa resolver um problema
complexo de maneira simples e eficaz.
*Nazareno Godeiro é pesquisador do ILAESE e militante do PSTU.
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